Sinodalidade: Um estilo de vida na Esperança

O Papa Francisco convidou-nos a adentrar no sentido do termo “sinodalidade”. Nunca se tinha ouvido falar e laborar tanto em torno desta temática.

Sinodalidade significa caminhar juntos . Esse caminhar juntos exige iniciar processos, origina corresponsabilidade. Caminhar juntos apresenta-se como uma das marcas inconfundíveis dos seguidores de Jesus: “Enviou-os, dois a dois, à sua frente a todas as cidade e lugares aonde ele havia de ir” (Lc 10,1). Para serem verdadeiros discípulos missionários, deviam caminhar juntos no exercício da missão designada por Jesus. Por isso, para o Papa Francisco, sinodalidade “é o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio” é o “modo de ser” da Igreja, uma “dimensão constitutiva” da Igreja. (Carta da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos ao Povo de Deus).  

Vivemos num tempo com características muito peculiares, muitas delas nunca antes vistas na história. Dentre elas podemos destacar: o avanço tecnológico, o pluralismo, a afirmação do sujeito individual e o crescimento cada vez maior do individualismo, a absolutização do dinheiro/capital em detrimento do humano, o grande abismo entre ricos e pobres, a mudança de modelos culturais…, atingindo a família, a comunidade e a sociedade. O futuro mostra-se incerto e simultaneamente gerador de receios que nos tolhem a esperança do amanhã. Ao mesmo tempo, cresce o desejo por um mundo mais justo e feliz para todos.

Muito embora os avanços, vivemos um “vazio de valores” marcados pelo  abandono/esquecimento de Deus e a ausência de participação e compromisso numa comunidade, sem que isso traga o sermos mais humanos, mais livres, nem mais felizes.

Por isso, podemos dizer que o contexto em que vivemos nos deixa o desafio a sermos “fecundos” (Cf. Gn 1,28). Para que tal se torne realidade é preciso abandonar o comodismo e a passividade e aceitarmos sermos cocriadores do nosso futuro. É preciso não nos fecharmos em nós, nas nossas seguranças e status quo, quando a situação nos impele a uma atitude de abertura ao outro. Significa que nesse contexto somos desafiados a buscar uma vida cristã mais suscitada e mais centrada em Jesus e no projeto do Reino de Deus.

Novos problemas exigem novas soluções!

Para os nossos tempos o Papa Francisco deixa-nos uma feliz provocação que remete para algo essencial: ouvir o outro, abrir-se ao diálogo e ao respeito, a valorizar o outro, a acolher o que o outro tem a dizer. Essa experiência mostrou que a “escuta” se constitui num laço de aproximação atenciosa às pessoas, possibilitando uma abertura à participação e à construção de relações novas. Por isso, essa experiência de uns se colocarem à escuta dos outros e todos à escuta do Espírito,  apresenta-se como indicativo de uma prática permanente na vida da Igreja, “um berço” de esperança.

Abrir-se à esperança no mundo a que pertencemos; Ser esperança, ter olhares de esperança e assumir essa postura de vida é essencial para a realização humana, como para a construção de um viver coletivo. É preciso saber esperar, e não desistir da busca das oportunidades que têm a sua força para além dos nossos recursos humanos, mas que estão enraizadas na espiritualidade e na fé.

Os caminhos de esperança são percorridos quando se procura exercer a fraternidade, alimentando diálogos, construindo relações de confiança com esta “casa comum” e com o outro, empenhados em promover a sua dignidade. Diálogos que não são, simplesmente, práticas diplomáticas, mas promovem a reconciliação com a Criação e o próximo. Constituem um desafio permanente para aqueles que querem estar no mundo e aí atuar como artesãos da paz que brota da experiência autêntica e gratuita do amor geminado na fé. 

A sinodalidade leva ao ímpeto de “Não nos podermos limitar a esperar, temos de organizar a esperança” e por isso devemos redescobri-la, anunciá-la e construi-la. Isto inclui todos, também a Igreja e os seus membros, pois “sem esperança, seriamos administradores, equilibristas do presente e não profetas e construtores do futuro.” (Papa Francisco, A Esperança Nunca Desilude, 146)

“Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Estas últimas palavras do Evangelho de Mateus lembram o anúncio profético que encontramos no seu início: “... e hão-de chamá-lo Emanuel, que quer dizer: Deus connosco” (Mt 1, 23; cf. Is 7, 14). Deus estará ao nosso lado todos os dias, até ao fim do mundo. 

Esta é a nossa Esperança! Vivermos em Deus, por Cristo, animados pelo Espírito Santo!

 Movidos por uma conversão continua, a esperança tornar-se-á para o cristão o seu ADN, o seu documento de identidade e “modus vivendi” com todos e para todos!

 Pe. Jorge Fernandes

“Bifanas à padre Armindo”

Nós gostamos de conforto, segurança, talvez ainda herança dos 300 mil anos de ansiedade*, dos tempos em que a humanidade tinha que sobreviver e correr pela própria vida. Procuramos sempre um estado em que não é preciso estar em tensão. Rotinas, hábitos, seguranças, trazem conforto e sentimento de segurança e a certeza que vai ficar tudo bem!

O padre Armindo tinha um particular gosto pelas bifanas do Sr. Gaspar, o hábito e a relação entre ambos cresceu ao ponto de ele entrar e pedir apenas uma “bifana à padre Armindo”. Recordo que levei uns amigos lá e puxei do mesmo cartuxo: “saí uma bifana à padre Armindo”. Ouviu-se um coro de “deves pensar que és famoso”, que rapidamente foi substituído pelo espanto e pelo repetir do pedido.

Todos temos os nossos hábitos e particularidades. Desde que me lembro que cortei o cabelo no mesmo sítio, até ir para o seminário e a logística se tornar mais difícil e eventualmente ter de ganhar coragem de ir a outro lado. Foi em Coimbra, pertinho do Seminário. Era pouco mais velha que eu, o que a colocava com idade para ser filha da minha cabeleireira do costume – “não podia ser bom sinal”.

“- Então e como quer o corte?”
Foi a primeira vez que disse “eu sei lá menina”, nunca em 26 anos me tinham perguntado, era sempre sentar, esperar e pronto.

Tive vergonha de perceber que não sabia responder, creio que lhe terei dito que queria que fizesse com que estivesse assim daí a 2 meses.

Ficou-me a memória do desconforto de não saber. Hoje continuo a fazer o mesmo, não mudei muito, embora já tenha trocado (duas vezes), continuo a tender manter a segurança e afinal não doeu, ninguém morreu e não foi o fim do mundo.

Fiquei sempre alerta para o perigo, que advém com o nosso desejo de conforto: pode fechar-nos em nós mesmos, limitar até o nosso crescimento, seja no estilo ou no paladar da bifana da meia-noite. Até o padre Armindo teve de trocar e arriscar novos sabores, novos sítios (e não se preocupem que na Batalha há sítios bons).

O ano novo já leva 2 semanas, a febre das luzinhas e dos propósitos de Ano Novo, começa a abrandar, voltamos à rotina e aos hábitos. Mas o mundo gira muito depressa, a vida tem sempre surpresas a acontecer e ainda falta muito ano que, qual onda da Praia do Norte, ainda está só a ganhar força, ou como se diz na Marinha Grande: alão.

Vamos ser desafiados, confrontados e desinstalados. Já não vivemos em modo de sobrevivência, mas a ansiedade que nos acompanha há 300 mil anos continua bem presente. Quem sabe se não pode ser esse um bom propósito: abrir-me à novidade, manter um espírito crítico e uma atitude positivos: antes de rejeitar a mudança, perguntar se não poderá ser algo de positivo que acrescenta valor e abre horizontes, para uma vida que se sonha ser, segura e estável, mas em crescimento atrás da estrela do Oriente que conduziu os Magos, os tais que não eram reis.

Pe. Patrício Oliveira

* Santos, Gustavo, 300 Mil Anos de Ansiedade, Porque herdámos o stress e a ansiedade e o que podemos fazer para os gerir”, Lua de Papel, Junho de 2022

Ser Esperança 

No passado domingo em todas as dioceses do mundo se realizaram celebrações que inauguravam a abertura do Ano Jubilar 2025 e que tem como temática, proposta pelo Papa Francisco, “Peregrinos da Esperança”.

A Esperança!

Constatamos que é o dinamismo da esperança que mexe com o todo da nossa humanidade. Nascemos, crescemos e se podemos prescindir de muitas coisas, da esperança não é o caso.

Viver é mais do que deambularmos entregues á nossa sorte. É saber que nascemos com a centelha da esperança, em que auguramos que somos desejados e esperados. Depois vai-se desenhando pela vida fora, com a tomada de consciência de quem somos,  a tela do nosso ser na relação com os outros, o mundo e a transcendência, pintada com as aguarelas da esperança, de modo que, a cada dia, essa vida se torne mais apetecível.

Como diz o velho ditado: “a esperança é a última a morrer”. Vivermos da esperança não nos poupa às canseiras do trabalho, nem nos subtrai às responsabilidades das escolhas que fazemos, contudo, dá-nos ânimo que muitas vezes vai para lá dos nossos desejos e vontades.

Mais do que as esperanças políticas, sociais, culturais ou científicas, descobrir a esperança do Evangelho torna-se missão para aquele (particularmente para o cristão)  que tem a ousadia de querer “construir a sua casa sobre a rocha firme” (cf. Mt. 7, 24-27).

É esta Esperança que tem o poder de nos manter acordados, fazendo tudo para não vivermos acomodados a este mundo. Sabemo-nos peregrinos por cá e em Deus esperamos a vida eterna (Sl. 130, 5-8).

“Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a esperança como desejo e expetativa do bem, apesar de não saber o que trará consigo o amanhã. Porém, esta imprevisibilidade do futuro faz surgir sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos pessoas desanimadas que olham, com ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada lhes pudesse proporcionar felicidade.”(Spes non confundit,1).

Precisamos urgentemente de a reencontrar ou encontrar: a Esperança.

De a encontrar e de deixar que ela nos envolva, nos revigore e tome conta do nosso ser.

Nem sempre é fácil encontra-la! E talvez, exactamente por isso, o verdadeiro sentido de tudo seja nós procurarmos, todos os dias, sê-la.

Ser essa esperança!

É preciso fazer com que a esperança exista, seja verdade: um sorriso do coração; dar a mão para fazer levantar; um abraço que envolve; falar e escutar com amor; cuidar com ternura, ser vida que cuida.

Pequenos – grandes gestos que sâo transformadores da própria vida e da vida daqueles por quem são tocados. E tudo isto é esperança a acontecer, a existir, a ser verdade para alguém e para nós também.

Esperança...

Que nunca nos falte e nunca a deixemos faltar.

Talvez seja esse o verdadeiro sentido de tudo. E o nosso também!

O Covid faz 5 anos...

Parece mentira. Não parece que as memórias daqueles dias estão meio difusas e estranhas? A perceção do tempo completamente errada, talvez como se fosse uma outra vida. “Vamos todos ficar bem” ouvíamos e queríamos acreditar que diante da tragédia que se abateu entre nós, seríamos capazes de construir novos caminhos, novas pontes, que ligariam quem eramos ao que gostaríamos de ser.

Depressa caiu por terra. Mas ainda demos luta! Compras passadas pelas janelas, companhia à distância, horas no zoom, criatividade, celebrar de igreja vazia, mas cheia de povo.

Mas o desejo e o sonho de uma nova oportunidade mantem-se.

Estamos a meio dos festejos. Uma leve pausa entre os festejos Natalícios e a festa do novo ano, o bolo Rei ainda não está demasiado duro.

Estes são dias propícios ao sonho, à expectativa, do que virá lá no novo calendário, o que nos espera. Um novo começo tem sempre algo de bom. Imagino que já todos tenhamos tido a mesma fantasia: um novo começo, uma nova oportunidade, “voltar a ter 20 anos e saber o que sei hoje!”.

É verdade que essa esperança pode ficar soterrada no espírito negativo do desânimo e do cinismo: “nada de novo debaixo do sol” diria o amigo Qoelet.

Mas apesar de tudo, se fomos capazes de sobreviver ao Covid somos capazes de tudo. Não foi como gostámos? Nunca é.

Nestes dias é inevitável olhar para trás, olhar para a frente.

O arrependimento e o que ficou por fazer tendem a falar mais algo. Mas como diz o S. Paulo: “não seja assim entre vós”.

Olhemos com misericórdia, com os olhos de Deus para o ano velho e com esperança para o novo.

Não será tempo oportuno para arrumar gavetas e cantos do coração que protelamos há tanto tempo? Se não agora, quando?

Temos a oportunidade de alinhar o nosso sonho com o sonho de Deus para nós. Ele que permanece apesar das voltas da história e das nossas trapalhadas e continua a desafiar-nos a tentar de novo, uma e outra vez. O Rocky Balboa diz que o que nos define não são as vezes que caímos, mas sim as vezes que nos levantamos.

A terra gira (em contramão) damos mais uma volta ao sol, e somos demasiado preciosos para protelar, para deixar para um dia que dê mais jeito.

Feliz ano novo!

Um Natal feito de Esperança

Passa um ano e outro ano e não nos cansamos de nos maravilharmos com a Luz que resplandece no meio das noites e trevas deste mundo que parecem ser cada vez mais densas e que se manifestam nos nossos medos, depressões, desesperanças e que teimam invadir o coração e o olhar. Mas a Luz que se levanta neste tempo de Natal faz brilhar para nós a Esperança  que nos coloca na expectativa de uma humanidade renovada.

Não nos cansemos de admirar a Luz!

Os dias precipitam-se para o grande dia: o de Natal! As cidades estão cheias de luzes, músicas natalícias que se insinuam aos nossos ouvidos como melodias que inspiram a uma mudança de vida! As casas tornam-se mais percetíveis pelas cortinas de luzes que são expostas no exterior. Das formas mais tradicionais (presépios, estrelas, sinos...) às mais modernas (caixas de presentes, renas, Pai-Natal...) há no ar um sentimento comum de alegria, paz, esperança e amor.

A cada Natal somos chamados a relembrar as razões da nossa Esperança, na certeza de que Jesus vem ao nosso encontro, quer nascer no nosso coração e fazer parte da nossa vida. É um caminho exigente…

Quando tudo corre bem, facilmente nos enchemos de nós mesmos e das nossas conquistas e, tal como há dois mil anos, não temos espaço para o Deus que se faz menino. Mas quando o fardo é pesado e vivemos acontecimentos dolorosos, facilmente caímos no desânimo e apaga-se a luz que ilumina o nosso caminho. Tal acontece facilmente quando estamos fechados em nós mesmos e perdemos a beleza e novidade que o Menino nos quer mostrar com o seu nascimento na pobre gruta de Belém.

 Sim, quando o Natal se resume a uma festa com jantares e iluminações, é uma questão de tempo para se tornar apenas isso e nada mais.

O Papa Francisco desafia-nos a reencontrar a esperança que vem da confiança no amor de Deus. Disse-nos, no Angelus de 01 de Dezembro, ali: 

«Todos nós, em tantos momentos da vida, nos perguntamos: como ter um coração “leve”, um coração desperto, um coração livre? Um coração que não se deixa esmagar pela tristeza? (…) Com efeito, pode acontecer que as ansiedades, os medos e as aflições sobre a nossa vida pessoal ou pelo que se passa no mundo hoje, pesem sobre nós como pedras e nos atirem para o desânimo. Se as preocupações tornam pesado o coração e nos levam a fechar-nos em nós mesmos, Jesus, pelo contrário, convida-nos a levantar a cabeça, a confiar no seu amor que nos quer salvar e que se faz próximo em cada situação da nossa existência, pede-nos que Lhe demos espaço para redescobrir a esperança.».

A esperança ocupa na vida dos Homens, de modo especial na do cristão, a par das outras virtudes teologais, fé e a caridade, um lugar central.

Mais do que um aspeto otimista sobre o futuro, a esperança é uma virtude enraizada numa confiança profunda em Deus. A esperança é a âncora da alma, que nos segura nas dificuldades e nos permite manter no caminho do seguimento de Jesus. Por isso, viver na esperança não significa ignorar as dificuldades do mundo, mas confiar que Deus está sempre ao nosso lado, mesmo nos momentos de maior escuridão. Num mundo marcado pela incerteza, pela guerra, o egoísmo, a autossuficiência, todos somos chamados a ser testemunhas da Esperança.

Em Cristo, há sempre caminho para uma vida nova: o menino Jesus que adoramos na época do Natal oferece-nos a esperança, a paz e o amor nos nossos momentos difíceis!

Como Maria que trouxe Jesus no seu ventre, neste Natal, somos desafiados a confiar mais em Deus e a ser semeadores de Esperança nos caminhos da vida.

Portadores desta esperança que se faz Menino e que quer nascer no nosso coração, deixemos que a grande Luz brilhe na nossa vida e, contagiados por ela, sejamos sinal de esperança, de alegria e de amor para todos quantos se cruzam connosco.

É com este sentir que deixamos os votos de um Santo Natal a todas as famílias da nossa cidade. Que a Luz que desponta nesta noite santa brilhe em todos os lares e as inunde de Esperança.

 Padre Jorge Fernandes, Vigário Paroquial

Em tempos de Artificial intelligence, a Felicidade Artificial

Domingo Gaudete
É assim denominado o III Domingo do Advento.
A razão é que gaudete! (alegrai-vos!), é a primeira palavra, há muitos séculos, do cântico de entrada deste domingo: «Gaudete in Domino semper!» («Alegrai-vos sempre no Senhor!»), convite tomado de Fl 4,4-5, que dá a este domingo – justamente a meio do caminho de Advento – um tom de alegria e esperança, porque já está próximo o Senhor.

Este domingo tem um paralelo com o IV da Quaresma, o Domingo Lætare. Os paramentos dos ministros, neste dia, podem ser cor-de-rosa e pode-se dar um maior relevo aos adornos e à música, apesar de se estar a meio de um tempo caracterizado pelo uso moderado destes elementos.

 

“ - Já tens o paramento rosa pronto?”
É a pergunta da praxe por estes dias.
A resposta é sim, está pronto. O paramento.
O resto ainda vamos a ver!

Gaudete, alegrai-vos, é a palavra de ordem para este Domingo, o terceiro do Advento.

A coroa fica quase pronta, há luzes e mercadinhos de natal. Este ano comprei o Conto de Natal de Charles Dickens. O amigo Ebenezer Scrooge, e o Grinch, se forem de outra geração, assombram-me com muita frequência. Porque há mercados de Natal e paramentos rosa (ou rose em inglês que faz um trocadilho com Jesus rose from de dead), mas a alegria corre o risco de ser um tanto ou quanto artificial, porque tem que ser, ou porque é “cá dentro”: porque o que importa mesmo “é espiritual e não precisa cá dessas coisas folclóricas!”

Mas, e o entusiasmo? Aquele frio que leva a sorrir e que aquece o coração?

É certo que já não somos crianças para ficar entusiasmados com as prendas.
Ou os filhos já são grandes e já não é a mesma coisa
Ou andamos cansados e exaustos e é mais um conjunto de coisas para tratar e ver se não falta nada para ninguém ficar ofendido e vai ser outra luta para saber onde vai ser a ceia se na mãe ou na sogra e, e, e mais alguma coisa que apareça, que parece evaporar todo o entusiasmo que era suposto estarmos a sentir.
No caso deste(s) padre(s), é a azáfama, as confissões e as visitas que se multiplicam. A probabilidade estatística que assombra com a possibilidade de velório no 24 ou no 25.

É nesta altura que o Ebeneezer e o Grinch passam por mim, e uma voz vinda lá do lado dos rebanhos: estás a ficar parecido.
É bem verdade que há muito abuso, alguns quase no limiar do excesso. Mas um bocadinho de espírito de festa? Se calhar também nos ajuda.
Quanto mais não seja para ajudar a criar um ambiente diferente da azáfama, que depois nos predisponha a deixar-se tocar de modo verdadeiro pelo verdadeiro Espírito.
Sim, porque acredito que também pode haver Ebeneezers espirituais, o risco de um Natal que seja demasiado frugal é real e perigoso.

Olhemos o presépio: se a aflição do parto longe das condições ideais é uma realidade, não é menos real que Maria e José terão experimentando uma alegria profunda (sobrenatural) que os terá surpreendido, apesar de tantos motivos para aflição.

Talvez seja essa alegria que evocamos. O roxo penitencial alivia e fica mais suave, os nossos olhos contemplam uma manjedoura ainda vazia, mas entusiasmam-se com a certeza de que Alguém especial vem aí, algo especial quer acontecer na nossa vida.

Como Maria e José talvez nos encontremos divididos entre a aflição e a espectativa.

Este domingo recorda-nos que a aflição não leva a melhor sobre nós. Deixemos que se acenda uma pequenina torcida, aquela que ainda fumega, afastemos os fantasmas do Natal passado e o do futuro (que também é bem assustador) e aproveitemos a presença do presente (sim, com todas as camadas de significado que a palavra tem).

O anúncio dos pastores concretiza-se, hoje, no nosso empenho, no nosso entusiasmo, na coragem de bater aquela porta, aquela visita, aquele telefonema.

A alegria Gaudete, o Gáudio[1] que celebramos não se mede só pela vontade de vestir uma camisola horrível, mas brota da certeza que mesmo com o mundo virado do avesso, Ele vem, Ele chama, Ele toca, Ele transforma, Ele perdoa, Ele bate à porta. E isso, deve fazer-nos sorrir à maneira do nosso querido padre doutor Branco que dizia em relação às anedotas: quem riu não percebeu, quem sorriu entendeu.

Sorriamos com esperança.


[1] n.m. Do mesmo significado de contentamento, folguedo, júbilo ou regozijo;