Pode ou não pode?

Perguntaram-me hoje que diz a Igreja sobre o Halloween e nem foi a primeira vez esta semana.
Falar disto é como tirar conclusões com dados estatísticos, ou se preferirem, como os políticos em dia de eleições: cada um lê como quer e ganham todos.
Invariavelmente é um tema em que as opiniões se polarizam (é assim que se diz, não é? Nunca usei o termo antes, estou a tentar parecer tão maduro a escrever como na cara que já acusa uns anos extra) perigosamente depressa.
E, há quem endemonize (trocadilho temático inconsciente), há quem relativize, a verdade tende a ir, como o bebé, com a água do banho.
Fiz uma pesquisa rápida na internet junto de sites habitualmente sérios e fidedignos, deixo os links aqui e espero que passem os olhos e já continuo.

https://www.vidapastoral.com.br/atualidades/os-catolicos-e-o-halloween/

https://clube.cancaonova.com/outras-materias/halloween-e-contrario-a-fe-catolica/

https://www.acidigital.com/noticia/56551/catolicos-e-halloween-e-perigoso-participar

https://padrepauloricardo.org/episodios/o-halloween

 A mim ocorre-me sempre a ideia de que só a forma como perguntamos diz muito. Reduzir “ a coisa” ao posso ou não posso, é sempre redutor e sobretudo des-responsabilizador no sentido que “se alguém decidir por mim não tenho de pensar no assunto”.

E honestamente nem me estava a sentir com coragem para falar do assunto, mas serviu de desculpa para falar disto com vossas mercês.

Assim, grosso modo:
Sim é verdade que há todo um mundo pagão/demoníaco/satânico que não conhecemos bem. E tendemos a não falar, por não saber muito, ou por vergonha. Mas ainda há bem pouco tempo vi testemunho de quem por lá andou e que partilham que há até sacrifícios humanos necessários para se alcançar as etapas mais avançadas. E não podemos achar que não há mesmo actividade demoníaca e gente tola, porque os há. E o diabo sabe bem como fazer a sua acção parecer inocente e inofensiva.

E é por aqui que o assunto fica assustador. Sabem como quando pegamos nos nossos bebés e crianças e nos consagramos a Nossa Senhora?
Pois ele há malta que faz isso neste tempo ao contrário “às forças e ao capeta”.
“Ah senhor padre, mas a gente não sabe e não tem essa intenção!”. Sim, é verdade. E a minha afilhada Sofia também não teve intenção nenhuma quando no dia do baptismo a consagrei e apresentei à Senhora da Conceição, e vocês que a veem correr na missa, digam lá que a bênção não correu bem?!

 Também é verdade que é tudo uma espécie de Carnaval de Outono. E que não passará disso e de ser uma coisa engraçada e inócua.
Esta semana falava com amigos pais que estavam justamente nesse dilema. Porque lá na terra deles já só se faz o Halloween e o “peditório” de guloseimas nocturno, no dia de todos os Santos ninguém abre a porta! Ficam divididos porque querendo ser fiéis aos seus valores e Fé, não querem que os filhotes sejam ostracizados e se sintam excluídos, mas também não os querem sujeitar a influências que não são positivas, sociais ou espirituais.


E honestamente, acho que é neste ponto que a questão se torna interessante. Então a malta já não pede o bolinho? Vendemo-nos assim tão depressa?
Aqui na nossa urbe[1] fazem uma mistura curiosa: pedem o bolinho mascarados de vampiros e fantasmas.
Pessoalmente assusta-me esta assimilação cultural e mistura sem nexo, sem questionar.
Aqui em casa é difícil estar disponível para dar o bolinho, mas há uns dois anos, um grupo veio já a meio da tarde, todos mascarados!
E eu disse-lhes:
- vocês estão atrasados um dia.!
Só um dos meninos percebeu e explicou aos outros. Ninguém sabia nem o que era o Halloween nem o bolinho, nem o dia de todos os Santos!! Sabiam só que era dia de ir pedir doces e enfardar forte sem supervisão parental!

 Volto ao ponto inicial, mais do que podemos ou não podemos, não deveríamos perguntar: convém ou não convém? Não deveríamos questionar: “Faz sentido? Porquê?”

O porquê das coisas é sempre um bom ponto de partida.
E sejamos honestos, perdemos o porquê muito facilmente, em tudo.

Reparem, para a semana é um fim de semana estranho para os padres, não há sábado, é tudo Domingo. É suposto a malta ir à missa no sábado, celebrar o dia de todos os Santos e no Domingo o dia de preceito dominical e obrigatório, que coincide também os os Fiéis defuntos.
Sábado celebro 4 missas e já se antevê: “ah e tal, mas queremos abrir a porta aos meninos e vamos visitar a família e dar o bolinho e passa. E no Domingo lá se vai dar a volta dos cemitérios.
- Portanto se formos a uma missa já é uma sorte.”

E isto é que é perigoso. Porque se o povo andar com a confissão em dia, uma vida sacramental cuidada, pois o capeta de pantufas não tem poder algum.
Ganha poder e vantagem sobre nós quando há confusão, quando é tudo igual, quando há um sincretismo religioso[2] que já nem os mínimos olímpicos cumpre.

Então ai perde-se tudo, a água do banho, o bebé e a banheira.
Temos uns dias fortes pela frente. Uma tradição incrível, tão nossa. Recordar a multidão dos Santos e os nossos defuntos, celebramos a Igreja no seu todo: militante, padecente e triunfante.
Aproxima as famílias, ensina a generosidade aos mais novos.

Grave é perdemos o sentido da nossa tradição, dos nossos valores, da nossa Fé!
Grave é perdermos a coragem de assumir que estamos no mundo, mas não somos do mundo, e que estamos no mundo para o moldar e transformar.
Grave é não contarmos as histórias dos Santos aos vossos filhos, até aqueles que conhecemos bem!
(A Marvel tem uma banda desenhada sobre João Paulo II falemos destes nossos grandes heróis)

Prepocupante é estarmos a tornarmo-nos mornos! E a ceder ao politicamente correto e às modas, sem discernimento nenhum.

Então, mas podemos ou não” Diria: precisamos?
Talvez pudéssemos ser mais conscientes, atentos, aproveitar de um modo mais consciente e positivo a nossa tradição, popular e religiosa.
E aceito bem que vamos assimilando outras culturas e tradições. Aliás, a Igreja fez isso com imensas tradições e datas, também com esta de Todos os Santos.
A nós compete ser inteligentes e conscientes. Saber o porquê das coisas. Interrogar e escolher ativamente o que nos convém, o que é importante, para nós, para os miúdos e para a educação que lhes queremos dar.
A vida é demasiado rápida e preciosa para se viver à toa e sem consciência.

Pe. Patrício Oliveira

[1] urbe
(ur·be)
nome feminino
Povoação que corresponde a uma categoria administrativa (em Portugal, superior a vila), geralmente caracterizada por um número elevado de habitantes, por elevada densidade populacional e por determinadas infra-estruturas, cuja maioria da população trabalha na indústria ou nos serviços. = CIDADE
"urbe", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/urbe.

 

[2] Uma mistura confusa de tradições onde já não se sabe o que é o quê. Vejam aqui este artigo: https://www.leiria-fatima.pt/tempo-de-paixao-sincretismo-religioso-e-confusao/

Veio confessar-se só porque sim

A liturgia deste domingo aparenta um tom assustador “Deus fará justiça aos seus eleitos, que por Ele clamam”, mas vem cheia de esperança.

Este fim de semana celebramos o Dia Mundial das Missões entendidas como as “campanhas” de evangelização dos povos do Mundo. Recordamos de modo especial as congregações missionárias, padres, freiras, voluntários missionários que levam a mão e a voz de Jesus a quem não teve oportunidade de O ouvir, e com isso na bagagem levam cuidados, ajuda, medicina, educação.

Lá longe, fora da civilização da velha europa.

Nos anos 70 disse-se que França, era país de Missão. O mundo mudou. E o movimento missionário também. Agora importamos padres de “lá” para “cá” porque, por aqui, a manta está curta.

Curta e desanimada. Os meios tradicionais parecem já não resultar. A Pastoral da Igreja parece ter dificuldade em acompanhar a linguagem e o ritmo dos jovens e dos maduros!

Mas sabemos que o tesouro que partilhamos é precioso e imutável, pelo que ficamos perdidos, certos de que temos as respostas para as perguntas que já nem se colocam!

A mensagem de esperança deste Domingo vem ao nosso encontro como um refresco em dia de deserto.

Somos chamados a crescer na perseverança, a não desistir. Porque a missão não é nossa. E também não depende só de nós.

É oportuno, em tempo de crise, situarmo-nos bem, rever, consultar o mapa.

A igreja foi criada por Jesus quando enviou os seus discípulos a ir, a anunciar, a baptizar e ensinar tudo o que Ele ensinou.

A igreja existe para servir a Missão, não apenas para preceito. A igreja existe para transformar o mundo, criar espaço para o Reino se instalar e não apenas para cumprir preceitos e nos dar a sensação de satisfação de dever cumprido. A nossa satisfação virá de frutos de vidas transformadas.

Há muitos sinais de cansaço e insatisfação. Mas há também muito sinais positivos que confirmam que o segredo, o sucesso, se é que se pode falar assim, vem de sermos fiéis a Cristo. desejarmos ser discípulos, e discípulos missionários. Gente que se apaixona e encontra vida nova e que arregaça as mangas para que outros tenham a mesma oportunidade. Não de uma forma proselitista[1] no sentido pejorativo do termo, mas sobretudo a partir do entusiasmo e do testemunho.

Há uns anos presidi a umas promessas de Escuteiros em Amor, no fim fui abordado por um senhor que me dizia: “não sou muito de frequentar, mas tenho que lhe dizer isto: o que quer que ande a fumar, eu também quero!”

Com isto partilho convoco que precisamos de nos redefinir como Paróquia e comunidade cristã, em ordem a sermos uma comunidade de discípulos missionários. Tudo o que fazemos será para crescer no Amor de Deus e na transformação do nosso coração e em dar testemunho, para que outros mais queiram dar a sua vida a este Jesus Cristo que nos chama e envia.

Uma igreja missionária não é apenas ter um “departamento” que se dedica à missão. A igreja é missionária por natureza. Somos todos parte desse todo maior, todas as funções, trabalhos, grupos, devem contribuir activa e conscientemente para essa missão. Desde a limpeza, ao acolhimento até à pregação, que é sempre o mais visível, mas não necessariamente o mais importante.

O sorriso de bom dia à entrada da igreja pode operar maravilhas em quem teve uma semana difícil e vive isolado.

Se formos corajosos para reprogramar todo o nosso pensamento em chave missionária, o cansaço será só físico e não de coração. Os olhos passam a ver beleza e pequenos sinais de esperança.

Termino com episódio de quarta-feira. Chego ao cartório e tinha uma mãe e a filhota à minha espera, para a menina se confessar. Achei que era a propósito da primeira comunhão e vinha já com tempo (que a vida anda complicada para todos).

O corpo era de tamanho standart de menina, mas os olhos por detrás das lentes, deixavam ver mais maturidade e um brilho tímido mas confiante.

Falámos. Abriu o coração e foi muto articulada e consciente. E veio confessar-se só porque sim.

Ainda há esperança, quando a sabemos procurar, ou nos colocamos a jeito de se manifestar.


Pe. Patrício Oliveira

[1] proselitismo

(pro·se·li·tis·mo) nome masculino

1. Zelo ou esforço para fazer prosélitos ou converter pessoas a uma religião, a um partido, a uma causa ou a uma ideia.


Proselitismo é o esforço de converter pessoas a uma religião, causa ou ideologia. Pode ser entendido tanto como a atividade de atrair adeptos, quanto como o conjunto de convertidos ou seguidores. Em termos de significado, pode ter conotação negativa quando envolve manipulação, coerção ou desrespeito a outras crenças, mas também pode ser visto como sinónimo de apostolado, que envolve o testemunho e a partilha de uma fé com respeito pela liberdade do outro.

 

Festa é Festa

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

 

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

 

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

 

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

 

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

 

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

 

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

 

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

 

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

 

A nossa aldeia é uma cidade e não tem alecrim e rosmaninho pelo chão habitualmente. E eu sinto-lhe a falta do cheiro característico que me leva à infância. Também sinto falta de ver o poste ensebado com o valioso bacalhau lá no cimo para quem conseguisse trepaar. E a pólvora queimada. É o ingrediente que falta na minha memória para juntar ao rosmaninho e ao alecrim pisados pelos pés dos fiéis na procissão.

E saudades de mandar um foguete... outros tempos.

Mas a festa faz-se. E o cheiro é outro. Sobretudo o do odor de uma comunidade que sai corajosa e decidida.

O evangelho da semana fala de 10 homens que foram curados e rapidamente seguiram em frente a sua vida.

Apenas um voltou atrás de coração tocado, agradecido. Esse foi curado e salvo.

É-me impossível não pensar com expectativa na procissão de Domingo e no que significa. Para além de ser bonito e agradável à vista, precisa ser uma afirmação. Gostei desta coincidência do Evangelho.

Porque a primeira afirmação é a da Fé. Um gesto publico que é até de evangelização: “somos filhos de Deus, sabemos o segredo da vida e queremos partilhá-lo com o mundo, a começar nos nossos vizinhos”.

Este fim de semana podemos bem acrescentar uma procissão de gratidão. Não apenas um, mas todos voltam atrás. Reconhecidos pelo dom, pelo toque, pela cura.

Caminharemos certo que a confiança depositada no Senhor Jesus, trará respostas aos nossos anseios mais profundos. Cura para as mágoas. Perdão para o pecado. Cura para as feridas do passado. Aquelas que não contamos a ninguém e que assombram o coração nos dias cinzentos.

Caminharemos agradecidos. Caminharemos como comunidade que quer crescer.

Falámos ontem dos 425 anos da paróquia. Mudou tudo. A história da paróquia parece familiar, mas ao mesmo tempo completamente outra.

Ontem ao ouvir o Hermínio Nunes (grande estrela do Caxarias F.C.), contar como foi a restauração da festa da Padroeira, dei por mim a pensar que até a nossa igreja é outra.

É a mesma, mas outra! Ganhou luz, as vozes são mais percetíveis. Ganhou caras novas. Ganhou sotaques novos. Agora temos açúcar e canela nas vogais!

Mas caminhamos na mesma direcção: uma igreja missionária. Que se reconhece curada, que caminha em busca de cura. Que se sente transformada e quer transformar o mundo, a começar por cada um de nós.

Sonho com uma comunidade tão viva no dia a dia quanto a procissão que arrasta multidões.

Sonho com uma comunidade que queira processionar e que não fique satisfeita em assistir à procissão. Há tanto talento, potencial e ideias que devem ser aproveitados e colocados a render, por si e pelos outros.

Hoje rezo por todos nós.

Domingo levarei o Santo Lenho nas mãos e conto falar ao Senhor de cada um de vocês. Agradecerei, falarei das vossas lutas, das vossas vitórias. Dir-lhe-ei o quão extraordinária esta comunidade pode ser quando descobrir que é capaz de dizer sim ao convite que O Senhor nos faz.

Pe. Patrício Oliveira

O bispo de Coimbra gozou comigo

Esta semana o Sr. D. Virgílio do Nascimento Antunes completou 40 anos de sacerdócio, ele e o Virgílio do Rossio, vosso conhecido como sendo o padre de Pataias.
Encontrei uma entrevista ao Correio de Coimbra que assinala a data, e que partilho na newsletter também.
É uma data que recordo com carinho todos os anos, por um lado porque me recorda sempre que já podia ter ido à ordenação deles, ao colo e dormir a missa toda certamente, mas podia!

Mas sobretudo porque quando eles fazem anos de ordenação eu recordo a minha entrada no seminário de Leiria (tivemos logo direito a bolo nesse dia, pelo que acho que é essa memória que perdura). Escusado será dizer que esta semana foi para mim uma longa viagem no passeio da memória.

Nos idos de 2004, o Sr. D. Virgílio, que também passou pela Marinha Grande vai também para 40 anos, era o padre Virgílio. Rapazinho novo, alto, atlético, olhos azuis-claros a puxar
à senhora mãe dele, que era também boa cachopa.

Recebeu-me em Março, estava um gelo aquele seminário, eu tremia de frio e de medo. O padre Sérgio é que me levou lá, feliz e contente, e eu só tremia.
Tremi mais quando me vi obrigado a olhar para cima. Na minha memória o padre Virgílio tem 2, 43 metros de altura. Recebeu-me sorridente e com voz de tenor (não lhe chega ser bonito e inteligente ainda canta bem e toca órgão e arranha a guitarra que faz “xinca-xinca” como ele dizia com ar de gozo!)
Apertou-me a mão com firmeza e calor, mas eu só tremia. Quase lhe vomitei nos sapatos quando ele diz: “Então agora o sérgio vai dormir a sesta para a sala dos jornais, e nós vamos ter aqui uma conversinha”.

Durante o ano em que foi reitor, foi para nós os cinco uma figura paterna, acolhedor, bem-disposto, sério, paciente (muita paciência), um óptimo professor, inteligeeeeeente.
Aceitava até os desafios para fazer braço de ferro que o Michael lhe fazia, ganhando-os de forma vergonhosamente fácil.
Durante largas semanas dizia que andávamos sempre por lá aos pinotes[1]. E nós inocentes, ignorantes do termo ríamos. Só no fim do ano me dei ao trabalho de procurar um dicionário.

Mais tarde num passeio pela serra de Aire, perante a minha exclamação: nunca por aqui passei, nem sei onde estou. A resposta foi rápida e cortante:
- “Tu és um bocadinho ignorante, não és? Então se o bispo te nomeia para aqui, como fazes? Chamas a GNR para te fazer escolta?”

Nunca impôs, nunca gritou. Nem com os funcionários do seminário. E acreditem em mim, pode ser duro, e se tiver de chamar a atenção, chama e não põe paninhos quentes, nem pede com licença. E por isso mesmo era muito querido pelos funcionários e por toda uma comunidade que se reunia em torno do seminário, quase como uma capelania da cidade.

Os meus pais que sofriam em silencio com a minha aventura por Leiria, tinha as suas dúvidas, reservas. E foi justamente o trato com o reitor que amenizou a situação e abriu espaço para ver a beleza do desafio em que me tinha aventurado.

Recordo de modo especial as últimas semanas, em que fui assaltado com um dilema: então e se Deus me chama a ser padre, porque me parecia que sim, e eu não sinta que isso seja bom para mim ou caminho de felicidade?
Era um domingo de manhã quando me enchi de coragem e bati à porta do escritório.
Paciente, acolhedor, ouviu tudo sem pestanejar. Disse-me com sorriso confiante e olhos a brilhar:

Não tenhas medo, tudo o que Deus te pedir, vai coincidir sempre com a tua maior felicidade.”

Até hoje sinto que foi a melhor pastoral juvenil e vocacional que vi. E foi completamente inconsciente, foi só ele, honesto e genuíno. Foi o testemunho e a forma como vivia connosco que se tornaram para mim veículos da graça e da voz de Deus.

Por estes dias de Outubro e Novembro recordamos sempre as intenções pela vocações e batemos sempre com a crise de vocações e a dificuldade de pastoral vocacional e eu penso sempre nele. Porque antes nunca tinha ouvido falar de pastoral vocacional. Os seminaristas tinham passado por Caxarias ainda comigo na catequese, mas não recordo nada concreto.
Talvez o segredo seja apenas este. Um coração dócil à vontade e ao chamamento de Deus e uma vida vivida com autenticidade e entusiasmo. Mesmo quando o dia não corre bem.
Talvez seja o exemplo que passamos para fora de nós que vai fazer a diferença e se torna instrumento de Deus. De uma forma simples, sem intervenção ou invenções nossa, porque completamente controlado por Deus.

E sim, ele gozou connosco e dizia que dávamos pinotes e outras que mais,  mas ainda hoje temos a certeza que se formos à Avenida do Brasil, em Coimbra e batermos à porta de surpresa, se arranja jantar para todos.

Aquando da ordenação episcopal, 03 de Julho de 2011, eu era Diácono e lá exerci o meu ministério próprio ajudando na ordenação. Sinto-me sempre uma espécie de padrinho/avô espiritual.

Partilho a foto que foi tirada naquilo que me parece ser outra vida, eu e o actual pároco de Cantanhede a lutar pela vida, para não deixar cair o Evangeliário que era bem pesado.

Pe. Patrício

[1] pinote(pi·no·te)
nome masculino
1. Salto de besta.
2. Coice.
3. Cabriola, pirueta, pulo.
"pinotes", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/pinotes.

 

Voltei a ter pesadelos

Esta noite voltei a ter pesadelos, acontece com alguma frequência. São sempre muit semelhantes na dinâmica, andam sempre em torno de alguma ansiedade: chegar a um lugar que se revela afinal muito longe, cada vez mais.
É comum acordar e recordar claramente. Às vezes até acho que estou acordado a ver o sonho.

Hoje, reconheci o cenário de outras noites mal dormidas.
O meu cérebro criou um cenário virtual que mistura Ourém, Leiria e Marinha Grande. É toda uma cidade bem estruturada, com esquinas e cruzamentos que me são estranhamente familiares, mas ao mesmo tempo novos.

Dei por mim já desperto a pensar: por mais voltas que dê volto sempre ali.
O tempo passa, variam as palermices com que sonho, mas parece que caminho sempre para ali, para aquele lugar.
Dei por mim a pensar, já que dormir já não ia, que a nossa comunidade precisa fazer o mesmo.
Caminhar para o mesmo lugar. Ritmos diferentes? Sim. Atalhos e opções de navegação distintos? Sim. Mas o mesmo destino final. A mesma Visão.
O Copilot do office diz que:

A visão pastoral é mais do que um conjunto de objetivos ou planos de ação. Trata-se de um olhar inspirado pelo Evangelho, atento aos sinais dos tempos e às necessidades específicas do povo de Deus em determinado contexto. Esta visão permite ao líder comunitário discernir os caminhos a seguir, integrando tradição e inovação, fé e ação, espiritualidade e serviço.

Começamos este fim de semana um novo ano de catequese, um novo Percurso Alpha já com mais de 50 inscritos. Este ano acolhemos 10 convidados dos Marrazes, que vêm em ordem a virem formar equipa na sua paróquia (não digam a ninguém que eles ainda não sabem bem a intenção do padre deles!). vamos até partilhar o fim de semana com Soure e Pombal.

A nossa comunidade está a tornar-se uma “Paróquia HUB”.
O que é isso padre Patrício? O Copilot explica:

Uma “Paróquia HUB” refere-se a uma paróquia que atua como ponto central de ligação, colaboração e dinamismo entre diversas comunidades, grupos e iniciativas da região. Tal como um hub tecnológico ou logístico, esta paróquia assume um papel de coordenação e apoio, promovendo a partilha de recursos, experiências e formação entre diferentes paróquias e movimentos. O objetivo é potenciar o crescimento espiritual, a missão e o serviço, criando redes de apoio mútuo e fomentando uma identidade comunitária alargada, onde todos caminham juntos rumo à mesma visão.

Os escuteiros estão a arrancar também, novos miúdos a entrar e já a sonhar com actividades e saídas e conquistas.

O mesmo com os serviços, movimentos, por aí fora.

- Então, mas, e para onde vamos?
Boa pergunta!

De algum modo sinto que todos sabemos, ou que nos é mais ou menos óbvio.
Vocês para o Casal Galego e eu para o alto de Caxarias. Ser santos, levar uma vida honesta, decente...
Cada um terá seguramente a sua ideia. nenhuma delas estará errada seguramente.
Ainda assim, acredito que seja como a cidade que habito nos meus pesadelos: familiar, conhecida, nova, mas difusa, baça, escura.

E a visão precisa de imprimir entusiasmo!
Inspirada pelo Evangelho a visão, o destino final de todas as nossas reuniões, actividades, esforços, precisa de suscitar entusiasmo: “Eu quero aquilo para mim! Eu quero chegar lá!”

A visão pastoral é uma imagem daquilo que Cristo nos chama a ser como comunidade para prosseguir a Sua missão de salvação, no nosso ambiente. Apresenta um futuro sustentável que desperta paixão e força nos corações dos fiéis. Como a fé, mostra as coisas antes que aconteçam (Hebreus 11, 1).

A visão responde à pergunta: «para onde vamos?» A visão dá-nos um objetivo de médio prazo (cerca de 5 anos).

Quem traz os filhos à catequese ou aos escuteiros? Que pretende para ele?
Não será só um ATL. Os pais sonham para os filhos que possam crescer, como o Menino Jesus em graça e estatura. Trazem-nos a uma paróquia, uma comunidade católica, que precisa ser clara no para onde se dirige. Todas as escolhas são feitas nesse espírito e nessa direção.

 Sonho acordado com um novo ano pastoral que nos ajude a tornar claro e distinto o nosso caminho.
Cumpriram-se 6 anos do meu mandato de Pároco e muito mudou. Ontem o padre Pedro Viva (manda cumprimentos) dizia-me: “já não é a mesma paróquia que conheci.”

Sinto que é chegado o tempo de sermos claro, conscientes, intencionais.
Sonho-o para a Paróquia da Marinha Grande, para a Maceira, para Alpedriz e para Pataias.
Hoje partilharam comigo esta imagem.

tradução livre de: ugly action beats unfinished perfection

Pareceu-me oportuna. Acredito que temos uma construção bem começada, bem alinhavada. É tempo de endireitar, cuidar dos pormenores. Fortalece-la para que possa dar frutos.

Frutos de vidas transformadas.

Pe. Patrício Oliveira

O valor do que é valioso

Hoje e sempre de resto. Mas tem sempre este quê de bruto à primeira leitura e profundamente sensível, oportuno e verdadeiro quando lemos com olhos de ver. e então torna-se belo, denso, cheio de camadas de sentido e de leitura.

Um mapa das estrelas que nos ajuda a navegar a vida a um nível superior ao da Navegação Quântica, que se prepara para substituir o GPS e a necessidade de satélites.

Esta semana ficamos todos sensíveis com a história de servir a Deus e ao dinheiro. É automático: ficamos desconfortáveis. Viemos numa economia, precisamos de dinheiro e não passa pela cabeça de ninguém servir o dinheiro, até porque, aqui no meu bolso, como no vosso, ele é pouco!

O foco, não arranjado desculpas para não falar de como somos muitas vezes comandados e vivemos em função dessas preocupações, está mais no valor do valor.

No valor do que temos, do que somos.

O administrador foi acusado de esbanjar os bens do seu senhor.

E isto tocou-me. Não nos é fácil reconhecer valor. O próprio, por timidez ou vergonha. O dos outros talvez por pressa(!), estamos sempre ocupados, já não se usa.

Talvez o Evangelho seja duro para acender campainhas cá dentro e suscitar uma reflexão profunda do esbanjamento inconsciente que fazemos do dom que somos.

Apressados e ocupados demais para o fazer crescer e cuidar enquanto pessoas. Apressados e ocupados demais para reconhecer o valor de quem nos rodeia, de quem nos cuida e ama. De quem nos é importante.

Sim, é conversa de velório. “Era tão boa pessoa, etc. e tal” “já não nos víamos há meses...”

Estes dias dei com uma capela em amena cavaqueira, digna de convenção internacional de beatas falsas, parecia que não se viam há anos. Quando comentei que talvez estivessem a incomodar quem tentava rezar, responderam-me muito solenemente: Somos vizinha e nunca nos vemos! Estamos a meter a conversa em dia.

Má educação à parte, aquilo bateu-me. Vizinhas que nunca se veem. Andará tudo distraído? Absorvido pela espuma dos dias que nos envolve e arrasta para o fundo do mar?

E depois fica o quê?

Pena? Pena do que não se fez, do que não se disse? Pena de não ter usado o tempo de outra forma?

Vi há uns tempos uma lista dos maiores arrependimentos, conforme os sítios o contexto era ligeiramente diferente, mas falavam disto:

Eu gostaria de ter tido a coragem de viver uma vida fiel a mim mesmo, e não a vida que os outros esperavam de mim;

Eu gostaria de não ter trabalhado tanto;

Eu gostaria de ter tido a coragem de expressar meus sentimentos;

Eu gostaria de ter mantido contato com meus amigos;

Eu gostaria de ter me permitido ser mais feliz.

Tirando ali o ter trabalhado tanto... enfim (falaremos da reforma dos padres outro dia), o resto nem é assim tão complicado.

Reduzir o evangelho deste domingo ao vil metal é pouco. Os bens desperdiçados são outros, somos nós. E nós somos preciosos. Não esperemos a sala de espera do hospital, uma tragédia ou a casa velório para verbalizar o valor que reconhecemos aos que são nossos. E façamos render com juro igual à década de 80.

O Gemini escreveu o seguinte modelo de SMS:

Olá! Sei que provavelmente é do nada, mas estava aqui a pensar na sorte que tenho em ter-te na minha vida. Queria só agradecer-te por seres esse amigo incrível, por todo o apoio e pelas risadas de sempre. A tua amizade é mesmo muito importante para mim. Um grande abraço!

Ora experimentem.

Hic Domus Dei est et Porta Coeli

Vi, esta manhã, uma multidão de pais e miúdos a caminho da escola.
Senti-me o S. João a ter as visões do Apocalipse. Professores que já não sabem estacionar o carro. Dois terços dos pais não sabiam que o portão da escola já não é onde era no tempo deles.

Um dos miúdos há tinha bigode! Pedi uma opinião técnica a quem tem mais olho que eu e foram unânimes: não pode ter mais de 12 anos, mas já mandava uma bigodaça que envergonharia a tia do Raúl Solnado. E logo a seguir outro, tão franzino que eu juraria não ter peso para andar o no quinto ano.
Mas lá iam todos. Os miúdos ensonados, os pais num misto de alívio que as férias terminaram, mas um coração apertado. Imagino que todos tenham medo de que a escola não suporte os filhos e os devolvam antes de poderem almoçar sossegados.

Imagino os pensamentos, os sonhos, os medos que se juntam nestes dias.
Para os pequenos é uma mudança grande, radical, há medo expectativa.
Há pais assustadíssimos, que não chegando a ansiedade do dia, ainda se confrontam com o desapego com que os filhos os deixam ao portão.
E há os outros que precisam explicar ao filho que tem de ser, que tem de largar a perna da mãe, mesmo que aquele coração grite “FICA COM O MENINO EM CASA PARA O RESTO DA VIDA!”

Recordo uma família que precisou ensinar o menino a ir de autocarro, sozinho, quinto ano.
Pela frente: tu és capaz, tu és crescido, confiamos em ti!
Pela frente seguiram a criança discretamente a pé e atrás do autocarro durante uma semana, só para ter a certeza.
Hoje cheirava a sonhos, expectativas, a ansiedade e determinação e um bocadinho a medo, coisa pouca.
Estamos às portas do fim de semana em que celebramos a “Exaltação da Santa Cruz” e fui assaltado por uma ideia palerma: será que Deus Pai também tinha o coração apertado quando O Filho veio ter connosco?
Sabendo para o que ia, o que era necessário. A dor, o esforço que seriam necessários.
Talvez pudesse ser de outra maneira, diríamos nós, para não roçar aqui a heresia.
É também um coração cheio, confiante. Ofereceu-nos o Filho por amor, lançou-se numa aventura que para nós significa esperança, nova oportunidade, vida nova!

Porque os pais são todos iguais: querem o melhor para os filhos, mesmo que o coração fique pequenino e fiquem sem ar.
No amor dos pais, revejo e projeto o Amor de Deus pela humanidade.
Na exaltação da Santa Cruz, recordo o sacrifício dos pais, a doação, a entrega que nos/me fizeram chegar aqui.

E assim brota uma tímida, mas sentida oração:
Obrigado. Aos pais que nos levaram ao portão da escola.
Obrigado ao Filho que nos abriu o portão do Céu.
Obrigado ao Espírito que nos conduz no caminho.
Obrigado ao Pai que nos aguarda do outro lado do portão celestial.

Pe. Patrício Oliveira

Para quem tem o latim enferrujado:
Hic Domus Dei est et Porta Coeli significa: “Aqui(Esta) é a casa de Deus e a porta do céu”
Célebre frase, que se encontra em muitas igrejas, nomeadamente na capela de S. Pedro de Moel.

Raúl Solnado e brigadeiro de chocolate

O Raúl Solnado* dizia que lá em casa, a família tinha uma cadeira que servia para quando eram despedidos, não tendo eu uma igual e porque também não fui despedido ainda, gosto de fazer o mesmo exercício de me sentar na cadeira de pensar a vida, a apanhar sol, a ouvir os passarinhos, habitualmente a uma distância de casa suficiente para passar por turista anónimo.

Por estes dias, precisando eu de pensar na vida, dei por mim num sítio novo. Rapidamente me arrependi. O espaço era agradável e pitoresco, o sol agradável e a esplanada pouco movimentada.

Eis que chegam duas senhoras que se tornam minha vizinhas, da frente, que mandam vir uma talhada de bolo brigadeiro. Percebi logo que eram missionárias do demo para me apoquentar.

Resisti, estoico e determinado.

O demónio não se deu por vencido e mandou 3 brasileiros que me atacaram pelas costas. Cheirou-lhes a brigadeiro e vai de pedir igual. Rezei ao Senhor a pedir força e uma má disposição para me impedir de me juntar à festa do brigadeiro que ali se instalara.

E ali estou a pensar na vida e no futuro e a pensar em como me saberia bem experimentar aquelas coisas, quando chega uma ambulância.

Temi que fosse para me evacuar dali para fora!

Era um transporte de doentes não urgente, traziam uma senhora em cadeira de rodas e o marido.

Homem já nos seus 80 anos, que se aproxima jovialmente das vizinhas da frente, claramente conhecidos dos tempos em que eram os três ainda jovens.

Mas rapidamente aquele jovem rumou para junto de mim, e eu só pensava: se me ofereces brigadeiro, eu aceito!

Abeirou-me com uma simpatia e um à-vontade que eu já estava convencido ter sido reconhecido.

“E este jovem venha aqui para ajudar a levar a minha senhora”.

Não foi um pedido, não foi uma pergunta. Informou-me que ia ajudar o motorista.

O sorriso era tão genuíno e cheio, que dei por mim de pé, a meter o telefone ao bolso e a deixar a mesa cheia de cadernos, livros e a mochila com o computador para trás e segui-o.

Fiquei surpreso e deslumbrado pelo à vontade, pela simplicidade e determinação com que me abordou. Plenamente confiante de que eu ia. E fui!

Convencido que seria ali os degraus da entrada do prédio.

Depois de um breve briefing com o maqueiro sobre o procedimento da manobra, perguntei:
- E vamos para onde?

- Segundo piso, respondeu-me o jovem, enquanto vira costas para iniciar a manobra.

A meio caminho perguntei como se chamava a princesa. Rosa e ele é Sr. Ferreira.

Não resisti e disse-lhe que iam ter uma história bonita para contar à família, quando lhes contarem que foram à boleia do padre da Marinha.

Fui recebido como se fosse da família. Vim com o coração cheio da genica dele, do entusiasmo com que cuida da esposa, ambos já com mais de 80, mas a pensar na dificuldade dos dias em que não está ninguém na esplanada, ou até no dia a dia normal.

Mas sobretudo com a determinação daquele homem.

A situação logística não é fácil, fácil era lamentar-se e queixar-se e deixar-se abater.

Fez o óbvio, fez o ato corajoso, pediu ajuda.

A este propósito, e daí todo o introito das minhas desventuras, ouvi um padre esta semana dizer: “os Santos amam dar uma mãozinha!”. Os amigos amam dar uma ajuda, cuidar, poder ser para o amigo.

Esta semana a Igreja declara e canoniza dois novos santos. Jovens, enérgicos, como o Sr. Ferreira, são mais duas vozes, mais dois pares de mãos a auxiliar a mão paterna e amorosa de Deus Pai.

“Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas ao vossos filhos, quanto mais o Pai que está nos Céus”

Pedir. Estender a mão. A humildade de quem se sabe curto para ser quem desejava, curto para ser santo, humilde para ouvir a Voz. Do Pai, da Mãe, do Filho, do Carlo, do Pier Giorgio, o Céu exulta estes dias de grande alegria, mas exulta infinitamente mais sempre que um pobre pecadorse arrepende e se converte.

O Sr. Ferreira encontrou, provavelmente o padre adequado para ajudar a carregar a esposa, e nós, certamente encontraremos a mesma ajuda.

Humilde, dóceis, com desejo de crescer, converter e ser nova criatura.

 

Pe. Patrício Oliveira

*Para quem não conhece a referência aqui fica:

O Papa precisa de Amigos

Gastei imenso tempo a olhar para esta imagem e o coração enche-se-me de coisas boas.
A reacção é natural nas crianças, e aqueles olhos arregalados talvez ainda não sejam capazes de distinguir bem as feições do nosso Papa, menos ainda o seu sorriso.
Mas uma parte de mim sussurra: “e se a criança sabe alguma coisa que nós não sabemos?”

Viajemos na maionese.
Penso no entusiasmo com que Maria recebeu a notícia da gravidez da prima Isabel e vice-versa.
Penso no entusiasmo de João Baptista (acho que devíamos traduzir como os ingleses e chamar-lhe João o Baptizador) ao reconhecer o Menino Jesus.
Penso na criança que Jesus puxou para si para explicar aos discípulos o tamanho que é necessário ter para ajudar a construir O Reino dos Céus.
E permitam-me que veja algo mais. O Santo Padre nem ficou bem neste instante. O vídeo é claro, o momento é rápido (uma nota rápida para o à-vontade com que agarra crianças e a ligeireza e facilidade, o homem é atleta!), e não há dúvida que houve ali surpresa pelo vigor com que lhe agarraram os colarinhos (sim, eu sei, chama-se Romeira ou Peregrina, conhecida também como "peregrineta", em italiano), mas o Papa parece surpreso!
Recorda-me o dia da eleição e a surpresa ao contemplar o mar de gente na praça que dava voz e rosto à Esposa de Cristo.

Pois eu vejo ali o Menino Jesus que o abençoa e o encoraja porque ele está a superar-se!
Tem sido incrível ver, ouvir, a calma, serenidade, a dignidade, a contenção das palavras e gestos deste Papa. Depressa os extremos o quiseram reclamar e rotular e ele, qual Jesus a passar pela multidão que o queria apedrejar, passou por eles e foi fazer o que lhe pareceu melhor.

Partilho aqui um corte do discurso ao jovens do Jubileu:

Não me sai da cabeça que o próprio Jesus veio na pessoa daquela criança suportar, incentivar este homem de Deus.
Porque o Papa precisa de amigos, que o suportem, amparem, rezem com ele e por ele. Que o incentivem a ser Santo, a cumprir os desígnios que Deus tem para ele.
Quem não se sente motivado quando alguém lhe puxa os colarinhos daquela maneira?
Quem não sente que é capaz de tudo quando à sua volta há quem queira apenas o seu bem, que seja santo, forte, inteiro e todo de Deus?
Foi para os jovens, mas serve bem a toda a gente.
Não podemos garantir que todos os que nos rodeiam sejam assim, mas podemos garantir que o somos na vida dos nossos.
Aquela criança, talvez seja hoje uma espécie de Percursor, como o João de quem recordamos hoje a decapitação, do Papa.
Desejo profundamente que aquele sorriso seja sinal da bênção de Deus.
Sinal que estamos a entrar numa nova época, numa nova fase, guiados pelo Menino que se fez Homem por nós.
Rezemos com e pelo Papa e sobretudo deixemo-nos contagiar pela sua palavra e pelo seu incentivo.

 Pe. Patrício

Pequeno pormenor

Esta semana noto um padrão à minha volta, um padrão positivo, um tom de esperança.

O vizinho Joaquim falava de esperança na segunda-feira. A irmã Susana celebrou 30 anos de consagração e dos seus votos. A Agência Ecclesia deu nota deste título: “Papa indica atitude «caridosa, compreensiva e paciente», em relação a desafios atuais, aos participantes de um congresso na Colômbia[1]”. E ontem a memória de S. Pio X.

A nota no missal Romano dizia:

Pio X nasceu na aldeia de Riese, na região de Veneza, em 1835. Depois de ter desempenhado santamente o ministério sacerdotal, foi bispo de Mântua e patriarca de Veneza. Em 1903 foi eleito papa. Adotou como lema do seu pontificado «instaurar todas as coisas em Cristo», ideal que orientou o seu pontificado. No motu próprio Tra le sollecitudini (1903) afirma que a participação nos santos mistérios é a fonte primeira e indispensável da vida cristã. Incentivou os fiéis a intensificar esta vida com a participação na Eucaristia, a dignidade da sagrada liturgia e a integridade da doutrina. Morreu no dia 20 de agosto de 1914.

Efectivamente no início do Século XX, já o pai do Joaquim tinha 3 anos, o panorama da participação na vida da Igreja era bastante diferente do que conhecemos hoje.
Foi um tempo marcado pelo século XIX, ateísmo comunista, secularização, perseguições, filosofias nihilistas, etc, criaram um ambiente bastante difícil.
De modo especial a participação nos sacramentos, Eucaristia, comunhão, era reduzida.
Assim de grosso modo: “ia-se pouco”, comungar era ainda mais reduzido. Daí a referência do trabalho de Pio X em intensificar a participação na Eucaristia, a dignidade da sagrada liturgia e a integridade da doutrina.

Pensava justamente nesta memória de como o mundo e o nosso ambiente mudou. É certo que 100 anos, é muito tempo, mas ao mesmo tempo é relativo. Os minutos de qualquer das minhas homilias fazem qualquer pessoa achar que os 100 anos do século XX foram rápidos. E quando olhamos a história como um todo, chegamos ao hoje e aqui bem depressa.

Apesar das dificuldades culturais, dos ateísmos, perseguições, houve também simultânea e estranhamente movimentos que cresceram e frutificaram ora cem, ora sessenta, ora trinta[2].

Começou o movimento ecuménico, e de modo muito especial o litúrgico.
Numa altura que parecia de derrota, um burburinho de confiança germinou e foi ganhando força, quase silenciosa, mas crescente e determinada.
Tudo isto levou à enorme revolução do Concílio Vaticano II e o resto já vocês conhecem.
Pensemos na origem do Concílio, uma ideia peregrina de um Papa, João XXIII, que era tido como um Papa de passagem.

Penso na quantidade de pequeninas coisas que foram moldado a história, que foram sendo instrumentos de Deus.
Hoje vivemos em tempos também eles conturbados, são de crise que é uma palavra assustadora para dizer de oportunidade e de Graça, porque não dizê-lo?

É verdade que somos esmagados por tanto que não controlamos e é mais forte que nós, gente humilde que não joga no tabuleiro da globalização. Mas lá diz a voz do povo: se achas que és demasiado pequeno para fazer a diferença, pensa numa melga que te visita de noite.

Não seremos nós chamados à esperança, à perseverança? A reconhecer que somos todos, todos, todos, chamados a sermos Pedras Vivas, mesmo que pequeninas? E a pedra no sapato faz muita diferença.

Voltar a olhar a beleza dos Sacramentos, a Eucaristia como fonte e lugar privilegiado de Graça e encontro com Deus, com e nos irmãos. Não como um preceito obrigatório, mas como oportunidade, onde somos chamados a participar com os olhos da Fé.

 

Imagem que esta semana comungam de olhos fechados, não é o Patrício, ou um ministro extra-ordinário, é o próprio Jesus que se coloca na palma da mão. Como comungar só com uma mão ou à pressa e sem reverência?

Devíamos todos de tremer na fila da comunhão, de temor, de entusiasmo, antecipação, mas cheios de confiança.

Um exame de consciência honesto, consciente. Uma confissão de coração aberto.

Pequeninas pedras que fazem a diferença em nós e na nossa vida e com ela, na grande construção que é a nossa família, a paróquia comunidade, a cidade e o mundo!

Olhemos com esperança, com confiança os sinais dos tempos. Vamos conscientes da dificuldades, dos desafios e das responsabilidades, mas certos e confiantes da misericórdia, da paciência e do Amor de Deus. De coração aberto à acção do Espírito Santo.

Pe. Patrício Oliveira

1] XVII Congresso Internacional de Teologia Moral
[2] Mt 13, 23

E um poema da cultura Pink/Rock portuguesa:

Pequeno Pormenor

Pequenas coisas que faltam na vida
Tornam-se as grandes incompletas
Pequenas coisas fazem parte
Não te esqueças
A grande ponte para lado nenhum
Fica distante da pequena estrada
Esburacada, onde arriscas a vida
necessáriamente
E se tudo é um todo
E o todo é que importa
Não ponhas de lado
Aquilo que falta

Mesmo que não tenhas tempo
Pensa o que tens a fazer
Mede bem a importância
Dum pequeno pormenor
Um parafuso no foquetão
Um beijo ao deitar, um papel no chão
Uma prenda com cartão, um voto aqui
Ali um não

A justiça em grande faz sombra à pequena
Frágil, diária de todos
Tantas pequenas injustiças
tornam falso o sistema
A pequena dor nunca aliviada
Nas filas de espera do grande hospital
torna a doer, mesmo que te digam
vais ser atendido mais lá pro outro natal

Se tudo é um todo
E o todo é que importa
Não ponhas de lado
Aquilo que falta

Mesmo que não tenhas tempo
Pensa o que tens a fazer
Mede bem a importância
Dum pequeno pormenor
Um parafuso no foquetão
Um beijo ao deitar, um papel no chão
Uma prenda com cartão, um voto aqui
Ali um não

Encontrou-se uma cabra nas Figueiras

Há umas semanas dei por mim a pé numa rua que não conseguia identificar. Não estando perdido não me fazia sentido que ponta da paróquia era aquela. Passei várias vezes e não me saía da cabeça. Num destes dias, porque mais folgado de tempo, desviei do caminho habitual decidido a esclarecer o mistério. Não andei nem 20 metros quando vi um homem chegar ao cruzamento, lento, mas decidido, bengala na mão direita, a esquerda apoiada nos muros das casas.

Reconheci o rosto e nem me queria acreditar, já não o via, nem sabia dele há tanto tempo, que honestamente já me teria passado pela cabeça que tivesse falecido sem que eu tivesse sabido.

Estranhou o turista de calções e boné a aproximar-se e não estava mais espantado que eu. Era o Sr. Roque, carteiro da Marinha de vários anos, cruzava-me com ele com frequências na garagem quando fazia transportes para a Conferência de S. Vicente Paulo.

Conversámos um bocadinho. A saúde já não ajuda muito com a ida à missa, daí a ausência, mas não desiste de dar a volta ao quarteirão. Talvez para as pernas se recordarem de quando vinha de bicicleta lá dos lados do Louriçal, para vir trabalhar (sim, façam como o engenheiro Guterres, é só fazer as contas aos kms).

Ofereci-lhe um ministro da comunhão, envergonhado por não lhe ter chegado a proposta há mais tempo.

E, faço aqui um mea culpa, deixei passar mais tempo do que gostaria, mas esta semana lá tirei a manhã para visitar o Roque e a amiga, que a Alzira também se queria confessar. Já não me recordo de onde os vi juntos, e a expressão roque e a amiga me surgiu. Afinal são amigos e vizinhos há largos anos e até vinha cavaram juntos.

Voltei a cruzar-me com ele, para ir afinar pormenores e conhecer a esposa. Apanhei-o na volta, e juntei-me a ele. E é aqui que a coisa fica bonita e se torna graça de Deus na vida deste padre.

Não houve uma palavra que fosse acerca da minha demora. Mas também não houve uma palavra acerca dele. Só me disse:

- Se calhar tem pressa, mas sabe, há ali uma senhora ainda nova, que teve um AVC e está acamada, eu às vezes ou lá visitá-los. E se calhar também iam gostar de receber a visita.

- Vamos a isso!

- Mas eu ainda demoro um quarto de hora a chegar lá...

- Não há pressa vamos lá ver qual de nós chega primiro.

- Sabe, há aqui um outro vizinho, mas o padre se calhar está com pressa, ele nem era muito de Igreja, mas também já tem uns anos e nunca é tarde para um homem de arrepender e se reconciliar. Eu também o visito às vezes.

O vizinho também vinha a chegar da volta higiénica. Apresentações feitas, o Roque nem teve meias medidas.

- É o padre cá da terra, veio ver-me e eu recebo lá o ministro da comunhão. Tu se calhar também podias aproveitar. Nunca é tarde para um homem fazer as pazes com a vida e com Deus e a graça de Deus é certa.

Eu mal podia acreditar no que ouvia. O vizinho lá me disse que tinha participado nas actividade dO partido, “mas não é por isso que não sei rezar! Que a minha mãe ensinou-me!”.

Ficámos para outras núpcias.

La fomos ver a vizinha acamada, dois dedos de conversa, e siga a viagem, que as pernas e as dores já estranhavam a demora da volta extraordinária.

- O senhor padre se calhar tem pressa, mas há aqui outra pessoa, gente boa...

 

Resumindo, eu saí para entregar um paroquiano ao ministro extraordinário da comunhão, ganhei mais 4 ou 5, que alguns não estavam em casa.

 

Continuámos a volta, que eu ainda queria conhecer a esposa! Fui ver agora ao Google Maps e o Roque não estava enganado, a volta ao quarteirão tem bem uns mil metros.

Sorria, visivelmente aflito, mas sorria, partilhou o entusiasmo do Cursilho “fiz quando tinha 40 anos”.

O sol do meio-dia apertava-me já o suor pelas costas abaixo. Mas a brilho dos olhos dele e da forma simples e apaixonada com que me contava a sua experiência de encontro pessoal com Cristo, o amor aquele episódio e ao movimento, era mais forte. Marco-o profundamente e agora já com oitentas e muitos, não teve o mínimo de pudor em falar de Deus e O oferecer já que o padre ali estava.

 Foi como um murro no estômago para mim, em bom, que levei naquela manhã.

É fácil perder o entusiasmo, ou deixar que o desgaste e a frustração falem mais alto. Encontros como este levam-me sempre ao que é mais importante e recordam o básico: quando abrimos o coração e O deixamos habitar a nossa vida, Ele vem, ocupa, transforma e renova.

E nem a vida, a doença, o cansaço, afastam esse fogo que arde e alenta.

Quando li o evangelho da Senhora da Assunção, a visita de Maria a Isabel, que a levou numa viagem de 150 kms, pensei naquele km que partilhei com o senhor Roque. E acreditem em mim, não foi menos longo, não foi menos difícil para ele, e tenho a certeza que não foi menos importante.

É a viagem que somos chamados a fazer, uma vida de renovação, conversão; uma vida que leve Jesus aos que nos rodeiam.

Já falei disso em tempos e reforço, sejam como o Roque na vossa rua, estejam atentos aos vossos vizinhos, procurem, e ofereçam a possibilidade. Se forem precisos mais ministros extraordinários, eu mando fazer mais!

Quanto à cabra, parece que foi encontrada lá nas Figueiras, era o que dizia no cartaz da volta ao quarteirão que vimos, se for vossa, mandem SMS ou WhatsApp para o 966 022 426.

 

Pe. Patrício Oliveira

Férias...?

Vivemos dias de grande entusiasmo, este Jubileu dos Jovens deixou-me o coração cheio, de inveja por não ter ido; de alegria pelo nossos que foram e que me foram partilhando o entusiasmo e que estão a partilhar connosco, hoje na Noite de Louvor, em breve também na Eucaristia; de entusiasmo pelo programa e pela mensagem do Papa que continua a dar sinais de ser Deus que comanda a sua Igreja.

Enche-me de Esperança perceber que contando com o nosso esforço, o nosso trabalho, entrega e dedicação, a palavra final vem do Alto. E é com entusiasmo que sinto que esta nova geração cresce, amadurece e se coloca numa posição que os levará a assumir, a cuidar, a conduzir a nossa comunidade, a igreja do curto prazo.

Ingenuidade minha? Talvez. Não era a primeira vez, nem a última.

Mas o coração está também cheio de formigueiro, uma ansiedade que me desinquieta e me faz pensar constantemente “o que é que Vossemecê me quer? Onde é que me quer? Como me quer?”.

É tempo de nos colocarmos a jeito. De rezar, pedir as graças, mas também pedir que seja feita a Sua vontade.

Olho o Evangelho deste Domingo e a mesma inquietação. A urgência de estar atento, preparado, o futuro é agora. Deus não vai de férias, embora seja paciente e espere por nós. Mas o momento é agora. Não por medo de podermos morrer a qualquer momento e termos de apresentar contas ao Senhor. Mas porque a vida é preciosa e não pode ficar para amanhã cuidar dela.

Não estamos cansados de sentir tristeza e abatimento a sentir que somos menos, e que as pessoas se afastam e que não sabemos como vai ser no futuro?

Será que não temos visto um fenómeno doloroso de ver jovens a espelhar a atitude dos que os conduzem e guiam?

Será que não querendo ceder a uma ansiedade que se traduz num activismo frenético de fazer muitas coisinhas de Deus e um frenesim de preceitos, tradições, piedades e etc e tal. “coisinhas de Deus quanto mais melhor” ouvia um padre de Coimbra repetir imensas vezes, justamente para “ganharmos tino na mona”.

Fazer sem descanso, mas fazer bem, a escuta da vontade de Deus, o que nos pede.

Esta Esperança que ouvimos repetidas vezes este ano, precisa tocar-nos. Recordo o Papa João Paulo II: não tenhais medo!

Nem os jovens de se chegarem à frente e assumir responsabilidades e a sua voz; nem os mais velhos de incentivar e dar espaço à renovação e à transformação.

Preparados porque em tudo Deus nos desafia a sair de nós, do que é confortável, seguro e familiar, para a novidade que é uma maior proximidade com Ele.

Amadurecer na Fé, crescer no Amor e na confiança, não pode ter férias, nem pausa, está sempre a acontecer, mesmo quando tiramos férias dos afazeres.

Quero mesmo ganhar o Céu ou quero só uma consciência tranquila por ter feito o que era suposto?

Pe. Patrício Oliveira

A irmã Susana não está cá

A Irmã Susana continua a aventura Romana do Jubileu dos Jovens, pelo que a minha semana foi desafiante e ocupada, confesso não ter tido tempo para me sentar a pensar na vida.

Mas penso na Irmã Susana e nos miúdos e no Tiramisú que sei que eles já comeram e na pontinha d inveja de não ser jovem como eles.

Mas penso sobretudo nela e no desafio de ser uma galinha a cuidar dos pintainhos na Cidade Eterna, conhecendo bem eu aquele pintainhos.
A pensar neste desafio maternal, cruzei-me com um artigo que partilho convosco. Pareceu-me interessante e desafiador, a meio da leitura quase desisti da ideia, mas que “diacho!”, talvez seja mesmo o desafio necessário.

Até porque os miúdos andam por lá a trocar coisas também. Já vão perceber.

Amar os filhos sem lhes dar coisas

Sei que pareço má mãe quando eles não têm dossiers e mochilas novas quando querem. Mas acredito que valorizam o compromisso que temos, enquanto família, para com a sustentabilidade e os destinos do planeta.

Às vezes, aos olhos dos outros, sou uma má mãe. Porque não compro ao meu filho mais velho um casaco bom para o frio, camisolas e calças novas para a minha filha adolescente, uma caneca barata do Benfica para o pequenino, de 5 anos, que a pediu e não tem uma caneca com o seu nome como os irmãos.

É difícil dizer que não a uma criança. Sobretudo quando insiste. E sobretudo quando o que pede aparenta ser (quase) uma necessidade prática. E mais ainda quando essa criança é um filho nosso que se porta bem e merece e tudo o mais.

Mas a verdade é que acabo sempre por me arrepender xmuito mais quando cedo do que quando resisto por fidelidade aos meus princípios. Por exemplo, cedi no Natal, quando ofereci ao meu filhote mais novo um “panda de peluche gigante”, como ele tinha pedido na sua lista de presentes, apesar de eu achar que era uma prenda pateta, à qual ele ia deixar de achar graça rapidamente, que iria ficar só a apanhar pó aos pés da cama sem servir para nada. E infelizmente, assim foi. Não lhe quis dar o desgosto de não receber o panda gigante, mas arrependi-me. É mais um brinquedo que é como se fosse lixo antes de o ser, pois está para ali sem que se brinque com ele, só pelo capricho de uma criança que viu um peluche semelhante no quarto de um amigo e quis ter um também. Mãe tola, que não soube arranjar uma estratégia para dar a volta à coisa, em vez de contribuir para a loucura de consumismo e desperdício que é, atualmente, o Natal

Melhor fiz quando ele pediu a caneca do Benfica e eu lhe disse que não.

– Porquê, mãe?

– Porque cá em casa não compramos coisas de que não precisamos.

– Mas eu preciso, porque não tenho nenhuma caneca minha, mãe.

– Não “precisas”. Tu “queres”, que é diferente. Não precisas realmente de uma caneca só tua, quando no armário temos umas 15 canecas diferentes, que podes usar.

Mas…

… e mas e mas. A argumentação continuou, ao longo de vários dias, até que ele desistiu e deixou de pensar no assunto. E eis que então aparece uma caneca nova na cozinha. Nova, mas velha, pois veio de um saco cheio de loiça e talheres que, juntamente com dezenas de outros sacos, vasos e cadeiras, eu trouxe de uma casa que fui ajudar a esvaziar. Era da minha antiga vizinha de baixo, que agora foi para um lar e que deixou centenas de milhares de objetos na casa onde viveu, sozinha, toda a vida. É uma caneca amarela com flores brancas, que o Tomé viu no armário e que adorou:

– Pode ficar para mim, mãe?

– Sim, boa ideia, de agora em diante será a Tua caneca.

Ficou radiante, aos pulos, não se lembrando nem remotamente que um dia tinha querido tanto, tanto, uma caneca do Benfica.

E foi este episódio que me deu a ideia de escrever este artigo. Porque precisamos sempre de nos lembrar que a grande maioria das nossas prementes “necessidades” são só caprichos, e basta esperar um pouco para que se resolvam. Ou porque acabamos por nos esquecer delas, dada a sua insignificância, ou porque, com criatividade, arranjaremos outra forma de as resolver. Feiras de garagem, lojas e sites de vendas em segunda mão, mensagens para amigos e conhecidos que sabemos que têm filhos um pouco mais velhos do que os nossos e que ficarão todos contentes por passarem para outra casa a roupa que já ficou pequena.

Há anos e anos que não compro roupa nova, nem para mim, nem para os meus filhos, tirando os ténis de desporto federado. E recebo tantos sacos de roupa “herdada”, por parte de colegas meus de trabalho, pais de amigos dos filhos, etc, que vos garanto que nunca há falta lá em casa e eles até têm muito por onde escolher. Mas é preciso ter um bocado de lata (e sei que para algumas pessoas não é fácil esta iniciativa de andar a pedir roupa aos colegas e afins), fazer desta atitude rotina e cultivar nos filhos este espírito, fazendo-os compreender o porquê. Compreender que cada uma das coisas que compramos (e poderíamos não comprar) é mais um objeto cuja produção teve um custo ecológico enorme (7.000 litros de água só para umas calças de ganga, por exemplo) e que irá acabar por atolar em lixo a nossa Casa Comum.

Saber o porquê e assumir hábitos anti-consumistas leva a que os nossos filhos, quando precisam de algo novo, saibam que o procedimento é: mãe, pode mandar mensagens a pedir roupa para eu herdar? No espaço de uma semana, no máximo, haverá calças e camisolas novas, casacos e pijamas, garantindo uma economia circular em vez de contribuirmos para a lógica da extração, produção, poluição e desperdício que tão bem foi retratada no recente documentário: “Buy Now! The shopping conspiracy”, que aconselho todos a ver na Netflix.

À semelhança da roupa, também toda a mobília da minha casa (incluindo os quartos dos miúdos) e até de um anexo que remodelei foi herdada, apanhada na rua, restaurada (por mim ou por carpinteiros) ou comprada em segunda mão. O olhar nosso sobre um candeeiro recuperado, uma porta a que foi dada nova vida ou um beliche comprado no OLX é de ternura e orgulho. O olhar deles, dos filhos, é de naturalidade. É claro que a minha cama não foi comprada nova! É claro que, quando preciso de algo para o quarto (uma nova prateleira, uma nova cadeira, uma nova secretária), vou procurar numa feirinha ou no OLX. Nem outra coisa faria sentido.

Sei que pareço má mãe quando eles não têm dossiers novos e mochilas novas quando querem. Quando as festas de anos lá em casa não são temáticas e não estão cheias de balões e decorações a condizer. Mas acredito que eles valorizam o compromisso coletivo que temos, enquanto família, para com a sustentabilidade e com os destinos do nosso planeta. Será o deles, muito mais do que o meu, pois são eles que têm a vida toda pela frente.

Joana Rigato, no site www.pontosj.pt

Peregrinos do algoritmo juvenil

Em férias tenho gosto em ir à missa à paisana. Gosto de ir com os pais, como quando era miúdo, que o tempo já não sobra muito para estes momentos. Vamos a Fátima, eu não tenho de preparar homilia, nem levar túnica. Ainda estacionamos o carro no mesmo sítio há 30 anos.

Esta semana fomos à Basílica do Rosário às 07h30, porque é de manhã que se começa o dia e para grande surpresa encontrei uma igreja cheia.

Surpreendeu-me, no entanto, o número de comunidades religiosas presentes. Uma boa meia dúzia, todos com um grupo significativo, o que significa que não era uma ida individual, pareceu-me ser a “missa da comunidade”.

Cresci, e já depois de padre e de velho, a ouvir a expressão: “há muito padre em Fátima”. (Sobretudo como forma de reclamação quando não há missa nalguma capela, quando a solução óbvia seria ir buscar um a Fátima. A maior parte destas vozes nem sabe distinguir a Cova da Iria com Fátima, ou a Estrada da Beira com a beira da estrada).

O número de padres ali observados no Santuário (aqui equiparado a um espaço de observação de aves raras – curiosamente também chamado de santuário) é muito enganador. Sempre foi.
Os que vemos nas grandes celebrações são, como os leigos, peregrinos e por isso de passagem.
Outros passam algum tempo e por isso dão uma ajuda temporária, mas não permanecem.
Na cidade, e dado o grande número de casas religiosas, sim, “sempre houve muito”, que vivem nas suas comunidades e vivem o seu ministério de acordo com o seu carisma próprio.

Mas Domingo, ao olhar a quantidade de comunidades, e sim, reconheci várias e são residentes em Fátima, senti como que um arrepio. Uma voz dizia-me que vivemos tempos de mudança. E até onde houve sempre abundância começa a haver escassez. E sim, é uma leitura rápida, que terá outras implicações. Há muitas comunidades novas, algumas recentes em Portugal, com poucos meios, etc, falaremos disso outro dia.

A mudança é óbvia e está lá. É um sinal negativo? Não sei. Sei que desafia e desinstala.
Pode ser aproveitado pelos profetas da desgraça, pode ser um desafio positivo.

Numa semana em que as notícias do Jubileu dos Jovens nos enchem o coração e os números nos surpreendem dou por mim a pensar: “o que é que Vossemecê me quer dizer com isto?”
Não é de todo uma questão de falta de fé, ou o abandono.
Há curiosidade. Não são, no nosso caso 11.000 “apenas” turistas religiosos.
A JMJ 23 deixou-me com uma sensação de montanha que pariu um rato? Sim.
Porquê senhor padre?
Porque não lhe soubemos dar o enquadramento para tirar proveito, talvez. Porque foi uma coisa gira e fixe, mas que não deu o “alão” que gostávamos.

Há uns dias o colega de Constância dizia-me que em todos os países em que se fazem as Jornadas, tem acontecido um boom vocacional, em Portugal não se viu nada semelhante. Creio que não exsta um estudo que prove esta observação, vale o que vale, mas entendo o ponto de vista.

Talvez insistamos em dar respostas aos jovens a perguntas que eles não sentem como suas. E por sua vez, porque teremos dificuldade em responder às perguntas que eles colocam.

Que eles colocam na cabeça deles, porque não falam, não expressam, não articulam, e nem sempre entendem fazer sentido nas suas cabeças. E aguardam um algoritmo que os entenda, e que os ajude a entender o mundo e a perceber de onde lhe vem a fome e a comichão.

 A falta de padres e de vocações pode ser sinal deste desencontro.
Não é culpa de ninguém por assim dizer. É o mundo a acontecer muito depressa. Depressa demais para o nosso ritmo.
Por isso vejo com grande expectativa estas iniciativas, e de modo muito especial este evento do Jubileu e os nossos 8 Peregrinoturistas. E tenho grande esperança.

Ao mesmo tempo sinto uma grande pressão em sermos capazes de nos posicionar corretamente para os acolher, para ouvir, mas sobretudo para recebermos o mundo novo que se está mostrar e a caminhar apressadamente para substituir este em que vivemos.

Bem sei que estamos aqui há pouco. O Papa João Paulo II - que deve estar a rebentar de rir com esta movimentação juvenil e com as suas dimensões – falou em Nova Evangelização. E esmagadora maioria da igreja ainda procura perceber o que significa e como fazer. Passaram 40 anos.

Impõe-se voltar ao Evangelho. À origem. À missão. Ao exemplo de Jesus.

Hoje celebramos o S. Tiago Maior, filho do trovão! Cheio de boa vontade, até queria mandar vir fogo do céu.
A tradição coloca-o a fazer a viagem de Jerusalém até aos “fins da terra[1]” tal não era o desejo ardente de levar Jesus a todo o lado.  
Imaginam o que é uma viagem daquela no primeiro século?
Parar não é opção, ficar quieto menos ainda.
O tempo é de mudança, mas sobretudo de oportunidade.

Jesus chamou gente normal, com o coração na boca! Que demorou muito tempo a perceber o que era a missão.
A igreja mudou muito em 2000 anos. E agora muda ainda mais rápido, rezo para que saibamos acompanhar a mudança e que ela seja uma evolução em ordem à origem e não apenas uma adaptação às necessidades.
Este Jubileu da Esperança, esta geração, que são os próximos, enche o meu coração de inquietação, mas de expectativa.

Anseio o regresso deles, e dos outros, e do brilho de quem diz: “eis-nos aqui e trouxemos ideias e vontade!”

Pe. Patrício Oliveira

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[1] O cabo Finisterra é popularmente tido como o ponto mais ocidental da Espanha. Diz-se que antes da viagem de Colombo, em 1492, era considerada como o ponto extremo do mundo conhecido, algo muito estranho pois tal distinção devia ser antes atribuída ao cabo Touriñán, também na Galiza, e mais ainda ao cabo da Roca, já em território português, verdadeiramente o ponto mais ocidental da Europa continental, facto que é referido no Canto III de Os Lusíadas.

Onde encontro Deus

Sim, é tempo de férias,
mas nem era a mesma coisa se não dissesse nada.

O algoritmo do Youtube chamou-me a atenção para um género que eu não ouvia.

Esta foi uma surpresa muito bonita, chamou-me a atenção a doçura com que um homem tão grande, barbudo e másculo consegue colocar.

Descobri que é um dos grandes nomes da música Country da actualidade, já deu uma perninha com o meu querido Zach Wlliams que deixou a música country para se dedicar ao louvor, mas mantém a barba.

Nestes dias mais tranquilos de férias e de calor e dias demorados, partilho convosco esta, em jeito de oração.

Segue-se a tradução muito livre e automática.

E sim, pode ser em qualquer lado, abrandamos o ritmo (alguns), o que pode ser uma oportunidade incrível para o encontro. Assim como assim, agora sobra mais tempo para a oração e até para ir à missa, mesmo no verão!!

Até já!

Pe. Patrício Oliveira

Naquela noite cheguei ao fundo do poço sentado num velho banco de bar
Ele pagou a minha conta e meteu-me num táxi - não precisava
Mas Ele podia ver que eu estava a sofrer, ah, eu queria ter o nome Dele
Eu não me sentia digna de ser salva, mas ele salvou-me na mesma

E naquele dia na água em que o peixe simplesmente não mordeu
Larguei a minha vara, flutuei - estava tão quieto
Eu ouvia o meu velho... Dizendo: filho, fica quieto
Não se pode encontrar paz assim numa garrafa ou numa pílula 

De um banco de bar, para aquele Evinrude[1]
Domingo de manhã num banco de igreja
Numa barraca de caça de veados ou num campo de feno

Uma autoestrada interestadual de volta para Nashville
Num Chevrolet com as janelas abertas
Eu e Ele apenas a passear
É, às vezes.... Esteja eu à procura Dele ou não
É onde encontro Deus

 Às vezes, tarde da noite, deito-me e ouço
O som do coração dela a bater e aquela música que os grilos cantam
E não sei o que estão a dizer
Mas parece-me um hino
Não, não sou muito bom a rezar
Mas obrigado por tudo 

De um banco de bar, para aquele Evinrude
Domingo de manhã num banco de igreja
Numa barraca de veados ou num campo de feno
Uma autoestrada interestadual de volta para Nashville
Num Chevrolet com as janelas abertas
Eu e ele apenas a passear
Sim, às vezes... Esteja eu à procura dele ou não
É onde encontro Deus

 De um banco de bar, para aquele Evinrude
Domingo de manhã num banco de igreja
Numa barraca de veados ou num campo de feno
Uma autoestrada interestadual de volta para Nashville
Num Chevrolet com as janelas abertas
Eu e ele só a andar por aí a conversar...
Bem, eu faço muito isso, bem, eu faço muito isso
Porque é onde encontro Deus

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[1] Marca de motores de barco

PERDER TEMPO PARA RECUPERAR O SENTIDO DO TEMPO

Esta semana partilho a voz de quem sabe bem  o que diz.

A PROPÓSITO DO JUBILEU DO ANO 2025

Editorial da Revista Brotéria de Fevereiro de 2025, do padre José Frazão Correia, SJ

Tudo, a toda a hora, em todo o lado, escreveu recentemente Stuart Jeffries[1], mostrando como nos temos vindo a tornar mais consumidores acríticos do que cidadãos conscientes. Homens e mulheres pós-moder- nos, dessacralizados e abertos, fluidos, flexíveis e irónicos, cada vez mais sofisticados e especializados, deixou de nos constringir qualquer sentido sacral originário e último que se reconheça à vida e à história. A noção de que o tempo tenha um sentido esvazia-se. Sem qualquer ato fundador, o tempo não vai para lado algum; sem sentido anterior ou exterior a cada indivíduo e às dinâmicas sociais, simplesmente corre, e nós corremos com ele ou atrás dele, constantemente atrasados, sempre com falta de tempo. Parece, por isso, poder-se ignorar a origem e o papel da memória, dispensar o horizonte e um fim último que organize sensatamente o curso do tempo. Bastará o instante presente como lugar de realização do direito à felicidade individual que facilmente se identifica com produção e consumo, competição e sucesso – num artigo publicado no jornal Público no passado dia 5 de janeiro, intitulado “Elon Musk, a parábola de um ‘génio’”, escrevia Davide Scarso que um «individualismo competitivo» se vai elevando «ao estatuto de virtude

suprema». Até para o gozo dos bens culturais passámos a usar o verbo consumir. Estranhamente, também as artes e as letras se consomem. Produzimos, portanto, e consumimos, investimos e acumulamos para crescer sempre mais. Se há progresso, é todo económico, servido pelo tecnológico. Ao mesmo tempo, lamentamos não ter o suficiente. Nunca basta o que temos. Na saúde, na escola, na justiça, na habitação, na defesa… faltam sempre recursos económicos. Entre nós, esta narrativa contabilística e utilitarista parece gerar, hoje, mais consenso do que a causa da qualidade da democracia, da fraternidade que seja verdadei- ramente universal ou do cuidado da casa que partilhamos.

A experiência temporal é, porém, mais complexa e conviria salva- guardar tal complexidade como forma de cuidado da humanidade que nos é comum e dos seus ritmos mais elementares. Hoje, esta poderia ser mesmo uma parcela muito relevante do contributo que o universo religioso, de modo particular o judaico-cristão, poderia oferecer para o bem comum – pena é que, tantas vezes, a palavra pública dos crentes afunile no registo, ora moralizante, ora espiritualizante, e não cultive suficientemente nem consiga expor de forma significativa a sabedoria prática sobre dinâmicas humanas elementares acumulada ao longo de gerações e o seu alcance político.

Entre o tempo do trabalho e o tempo livre, entre o tempo produtivo e o tempo de descanso, há um outro tempo, com uma sabedoria e uma lógica próprias: o tempo festivo, aquele em que, com outros, de modo festivo, precisamente, se perde tempo para recuperar o sentido do tempo. Fazer memória e projetar, religando à verdade da existência, é a função do tempo festivo. Sem esta ordem terceira do tempo, o carácter binário do trabalho e do tempo livre, a que, desde o início da industrialização das nossas sociedades, a lógica do tempo tem vindo a ser reduzida, facilmente degenera, o primeiro, em necessidade funcional e imposição externa da qual não se pode escapar e, o segundo, em fuga temporária do trabalho opressor e procura de divertimento evasivo.

Não podendo o ser humano decidir o próprio início e não tendo total domínio sobre o seu destino, a festa põe de novo em contacto com a bondade e a gratuidade da origem e da promessa das coisas últimas. Faz-se memória grata do mais essencial e necessário para relançar o futuro na confiança. A existência – o tempo e a natureza, as relações e o amor e os outros bens elementares sem os quais não vivemos bem – é recolocada no registo do dom, aquém e além do mero acaso, da produção, do comércio, da conquista. A verdade passa por aqui. Por- tanto, a razão também. A graça é mais originária do que o mérito, o gratuito precede o conseguido, ter recebido vem antes de poder dar, partilhar é mais originário do que comerciar.

Como explica o teólogo Armido Rizzi, perante a dureza da necessidade que o trabalho pode exprimir e o caráter alienante que o tempo livre tende a exibir, a festa recoloca a vida no horizonte da gratuidade do necessário, da necessidade do gratuito, da beleza do essencial.[2]Consequentemente, da responsabilidade pelo dom recebido e do dever da partilha. Por isso, a festa é mais lugar de compromisso ético do que lugar de êxtase estético.

Neste sentido, ainda nas palavras de Rizzi, «a dimensão estética não salva o mundo. O homem que se reconhece na festa bíblica diz que a beleza será o mundo salvado, mas não será a beleza a salvar o mundo. Será antes a responsabilidade pela justiça e pelo amor que o salvará».[3] Reconhecer e acolher a vida como dom, gera gratidão, reforça laços e responsabiliza pelo que é comum. Com outros, porque a festa é estruturalmente comunitária, recorda-se, louva-se, agradece-se e assume-se responsabilidade por um bem originário e promissor, uma dádiva primeira, incondicional e permanente que tudo traz à vida e que tudo mantém em vida. Suspendendo ciclicamente por momentos o fluir inexorável do tempo e a ação produtiva no espaço, recupera-se da tentação existencial ao esquecimento, à inveja, à ingra- tidão, à demissão.[4] Ao interromper o trabalho e ao dar uma fisionomia própria ao descanso, o tempo festivo celebra a vida gratuita, própria e alheia, recuperando o que lhe é mais elementar e necessário. Assim se assume responsabilidade por ela.
A beleza que a festa celebra é a do mundo salvaguardado – salvo pelo cuidado, assim mesmo.

Este longo preâmbulo vem a propósito do Jubileu que a Igreja Católica celebra ao longo de 2025, porque é com a lógica do tempo sensato e com a forma responsável como se age no tempo que o Jubi- leu tem a ver. Este ano, trata-se do 27º Jubileu Ordinário, que, desde o século XV, acontece de 25 em 25 anos, tendo sido o primeiro procla- mado em 1300.[5] O Papa Francisco convocou-o a 9 de maio de 2024 com a Bula Spes non confundit e quis pô-lo, precisamente, sob o sinal da esperança que não engana. As “portas santas” que se têm aberto desde o início do ano ficam como símbolo performativo de passos coerentes de conversão e de passagens promissoras.

Com a santificação do domingo, o primeiro dia da semana, a tradição cristã retomou a tradição hebraica que identificava o sábado como o centro do tempo semanal (há um dia em que não se trabalha, se abstém de produzir e de comerciar e se consome o que se produziu antes), a páscoa como centro do tempo anual (Deus criador age na história salvando), o jubileu como centro da sucessão das gerações (de 49 em 49 anos – 7x7 –, vive-se um tempo em que a terra, da qual Deus é o único senhor, repousa e os escravos readquirem a liberdade). Invenção medieval, o Jubileu cristão recupera e repropõe para o ciclo de uma geração a lógica semanal do sábado/domingo que é outra em relação à da posse e da produção, da conquista e do mérito, do crédito e do débito. A graça – a abundância, a gratidão, a gratuidade – diz o sentido do tempo e pode dar uma forma justa à vida individual e coletiva. Viver bem o presente com outros, sobre a terra recebida como casa, pede memória do bem recebido, arrependimento do mal praticado – recuperando a lógica do dom, abre-se espaço para o perdão pedido e concedido –, projeção do futuro como promessa.

É muito o que se joga no Jubileu como tempo extraordináriopropício para que a forma ordinária da vida se confronte criticamente com a avidez da posse e a obsessão do crédito e recupere o dom e o perdão como seu princípio e fundamento. Será um propósito ingénuo, sem alcance social e político, atendendo às grandes lógicas que determinam a geopolítica mundial e a nossa vida coletiva? Não seria certamente se, como apela o Papa na sua Bula, levasse a atender convenientemente à causa dos doentes e dos idosos, dos migrantes e dos pobres, das dívidas públicas dos países mais pobres e das penas dos reclusos. Mas, mesmo que tal não acontecesse, voltar a considerar a gratuidade do necessário, a necessidade do gratuito, a beleza do essencial é uma necessidade para permanecermos humanos, responsabilidade à qual, cada um ao seu modo, não deverá renunciar.

Paul Krugman, prémio Nobel da Economia em 2008, despediu-se recentemente da coluna que teve durante 25 anos no The New York Times, escrevendo sobre como encontrar esperança numa era de res- sentimento. Também na economia mundial, na política internacional, no conserto das nações, parece importante manter aberta a porta da esperança. A lógica do dom e do perdão que o tempo festivo retoma e celebra poderá orientar os passos que é preciso dar para a atravessar. O Jubileu oferece um tempo oportuno.


Padre José Frazão correia, SJ

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[1] Lisboa: Zigurate, 2024. 

[2] Cf. Il problema del senso del tempo. Tempo, festa, preghiera
(Assis: Cittadella, 2006), 75-84.

[3] Ib., 81.

[4] Cf. Andrea Grillo, Tempo graziato. La liturgia come festa
(Pádua: Messaggero, 2018), 39.

[5] Cf. Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, Spes non confundit, de 9 de maio de 2024. Para uma breve resenha histórica dos jubileus, veja-se: https://www.iubilaeum2025.va/pt/giubileo-2025/ giubilei-nella-storia.html

 

Gente como a gente

Julho traz consigo várias memórias de santos que trazem consigo histórias de gente humana, normal, “gente como a gente” e que as circunstâncias da vida me têm feito para eles de uma forma nova.

Ontem foi o Tomé, hoje nossa querida Isabel, o Tiago lá para o fim do mês, a Maria Madalena, os amigos de Jesus Marta, Maria e o Lázaro. Não vou esconder, rever The Chosen tem ajudado muito neste novo olhar sobre aquilo que conhecemos. Vejam!

O amigo Tomé e o Evangelho deste domingo enquadram-se muito bem. O João usou de forma muito habilidosa a história de Tomé para humanizar a mensagem de Jesus. O tal que era o Dídimo, gémeo, já sabemos, de todos nós, da nossa humanidade e da nossa miséria também, dá voz a todo um conjunto de sentimentos, questões que todos colocamos e que provavelmente temos medo de verbalizar em voz alta.

Mostra-nos o Pai. Como é que havemos de saber o caminho? Ou até um certo espírito adolescente/inconsequente: vamos também para morrer com Ele!

Na verdade, parece, à primeira vista, que sempre que ele abre a boca, é cada tiro cada melro.

Mas não é verdade. Somos nós ali espelhados e ainda bem.

Porque somos frágeis, hesitamos, duvidamos, porque queremos que nos faça sentido, nem é perceber tudo, mas que faça sentido.

E estes santos deste mês trazem carne como a nossa.

Hesitaram, questionaram, mas não desistiram de ir mais além, mais longe até no caso do Tiago.

Esta semana o evangelho manda-os em Missão com o poder e a autoridade de Jesus, capazes de fazer milagres, curar, expulsar demónios. Mesmo não entendendo, sentiram que era possível serem extensão da autoridade de Jesus.

Tomé queria ver as marcas, as chagas para acreditar. E quem não?

Hoje a missão é a mesma, o envio continua, os milagres são noutro nível, mas não menos reais e transformadores.

Hoje o desejo secreto de querer ver os sinais da Paixão continua bem presente e compreensível, o que muda são os sinais. Já não se trata de ver chagas, feridas da lança. Hoje a missão é mostrar ao mundo sinais de vidas transformadas. Gente normal, frágil, falível, mas que não desiste de ser mais, melhor, de querer ser por inteiro.

Gente que enfrenta o dia com a certeza da Misericórdia do Pai e que encontra a sua Paz no regaço do Pai. E a nossa paz repousará sobre o Mundo.

Pe. Patrício Oliveira

Eu vos chamo amigos. Paróquia viva, padre morto

Em dia de Sagrado Coração de Jesus, as notícias de longe trazem as palavras do Papa Leão (que me parece arrancou com força, vigor e unção, dá gosto ver uma recepção quase de rock star à sua chegada), esta semana decorre o Jubileu do Clero, li com agrado muito do que nos foi chegado e dito pelo Papa, partilho convosco:

 

“Por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes, o Papa Leão XIV se reuniu com milhares deles no Auditório Conciliação, o título do evento é “Sacerdotes Felizes” e foi a partir daí que o Pontífice fez sua reflexão, inspirado no capítulo 15 do Evangelho de João: “Eu vos chamo amigos”.

Para o Pontífice, essas palavras não são só uma declaração afetuosa aos discípulos, mas a chave de compreensão do ministério sacerdotal. 

“O sacerdote é um amigo do Senhor, chamado a viver com Ele uma relação pessoal e de confiança, nutrida pela Palavra, pela celebração dos Sacramentos e pela oração cotidiana. Esta amizade com Cristo é o fundamento espiritual do ministério ordenado, o sentido do nosso celibato e a energia do serviço eclesial ao qual dedicamos a vida. Ela nos ampara nos momentos de provação.”

O Pontífice pediu então um novo ímpeto missionário. “Vê-se quando alguém crê: a felicidade do ministro reflete o seu encontro com Cristo.” E agradeceu aos sacerdotes pela dedicação quotidiana, principalmente nos locais de formação, nas periferias existenciais e nos locais difíceis, com uma menção especial a quem se doou a ponto de entregar a vida, derramando o próprio sangue.

“Obrigado por aquilo que são! Porque lembram a todos que é belo ser sacerdote, e que todo chamado do Senhor é, antes de tudo, um chamado à sua alegria. Não somos perfeitos, mas somos amigos de Cristo.”

E acrescentou:

“Muitas vezes, quando precisarem de ajuda, procurem um bom ‘acompanhante’, um diretor espiritual, um bom confessor. Ninguém aqui está só. E mesmo que esteja trabalhando na missão mais distante, você nunca está sozinho!”

É difícil concordar mais com ele.

Mas por outro lado, não queren doeu ser ave agoirenta, uma parte de mim fica incomodada com tudo isto. Guardo habitualmente estes pensamentos, porque ninguém é bom juiz em causa própria e tenho bem com que me entreter sem ouvir dizer que estou a lamentar-me e a fazer-me coitadinho. Mas, se ninguém nada, ninguém saberá e se ninguém souber o outro lado, as coisas nunca mudam. E quero muito partilhar convosco de forma positiva. E por isso peço a vossa paciência e caridade. 

É pedido muito ao padre e a gente sabe e a coisa faz-se. Mas desgasta. E pesa. E estes dias e estas palavras bonitas pesam de modo particular nestes dias. Porque em Roma tudo é belo, a pizza, a pasta e as palavras sentidas e genuínas do Papa.

Mas e de volta a “casa”? Todos concordam também! Desde que o padre não falhe com nada do que é costume. Acho que não conheço um padre que consiga gozar os dias todos de férias. E atenção que sei que há quem tire mais, mas a esses tenho pouca vontade de os conhecer.

O nosso Leão lá nos recorda a importância da oração. Mas a ele não lhe aparece gente na sacristia a pedir para confessar 5 minutos antes da missa, nem lhe pedem para acrescentar intenções já alinhado com os acólitos no corredor central.

E todos sabem que é maçador e que já não são horas, mas foi um imprevisto, foi o estacionamento, foi só desta vez. E desde que a cara esteja sorridente o padre aguenta-se e deve fazer cara feliz, mesmo que a sua oração tenha sido interrompida e seu tempo roubado.

Faz parte? Faz.

Um homem aguenta? Aguenta.

É caminho de santidade? Sim.

Se calhar tenho de fazer de outra forma, não é?

Dir-me-ão: faz como Jesus, e vai de madrugada.

Sim, mas a reunião acabou às 23h30 na véspera. “E o padre deve descansar! E cuidar de si! Durma! Descanse pelo menos 7/8 horas por dia.”

O dia parece-me curto para tanta coisa que os padres deviam fazer.

Os padres andam cansados. Exaustos. E honestamente boa parte do cansaço vem justamente da incapacidade de ser fiel aos cuidados que o Papa tão bem recomenda. Empurramos com a barriga (a famosa barriga de padre) a vida pessoal, de oração, de descanso, para tentar chegar a todo o lado.

E ainda precisam encontrar um sorriso quando surgem as cobranças disfarçadas de humor, porque não passou na cozinha da festa; porque só liga à família entre reuniões; porque não respondeu ao SMS que foi enviado de madrugada; ou porque já não interaje no grupo do Whatsapp (são só perto de 100 grupos, e dezenas de sms diárias, há notificações que chegam a atingir 150 sms num dia).

E vou ser muito honesto: dói a cobrança. Porque todos entendem, mas esperam que faça o que um jeitinho. Às vezes falta um bocadinho de empatia e “empatizando com o padre” aceitar fazer de outra forma.

E os padres desfazem-se para dar o jeitinho, até que não conseguem e os sorrisos se apagam, porque são todos iguais e os melhores “vão sempre embora, não é sr. Padre Patrício? (sim, disseram-mo e eu sem saber que dizer sorri. Porque já dizia o doutor Branco a propósito das piadas: quem não entendeu riu, quem entendeu apenas sorriu).

 Disse a semana passada que o Corpo de Deus é a sua igreja, somos nós!
Hoje, que celebramos o Sagrado Coração de Jesus e o seu Amor por nós, a igreja precisa de aprender a ser essa presença amorosa, também na vida dos padres.
E não é ser coitadinho e nem estar à espera de convites para jantar e palmadinhas nas costas.

Querem que um padre se sinta amado? Sem proactivos. Rezem por ele e digam-lho! Rezem por ele e com ele.  Sejam criativos, tragam ideias, ajudem a pensar a paróquia, sonhem com ele a Visão da Paróquia. Esqueçam de uma vez por todas o “o senhor padre é que sabe, o que achar melhor é que se faz”. Os padres não chegam para tudo. As soluções precisam vir de todo o lado.

Há muito colegas à beira do burnout. No brasil os números são assustadores. A quantidade de padres que cometem suicídio é tremendo. Num ambiente que é tradicionalmente bem mais caloroso em torno do padre.

Querem cuidar do padre sejam Igreja. E não cobrem, ajudem a construir e a ser esta presença amorosa do Coração de Jesus no Mundo. Apontem soluções, desafiem a caminhos novos.

 Diziam-me esta semana a propósito das olheiras: “lá diz o ditado: paróquia viva, padre morto”, será que não conseguimos fazer de outra maneira?

Uma comunidade viva transforma o mundo e alimenta o padre, podem ter a certeza
Ser padre tem sido a aventura de uma vida, e vai para lá de qualquer sonho ou imaginação.
Mas precisa ser bem feito. E precisa de ajuda.

Penso que o foco nem é tanto o cansaço, é o desgaste. Aqui na Marinha vocês entendem bem esta linguagem, as máquinas têm partes que são de desgaste rápido, precisam ser bem lubrificadas para que o desgaste não seja antecipado.

No padre será a oração, o cuidado próprio, a unção do Espírito recebido na ordenação e renovado na sua própria entrega, mas também a comunidade, o suporte de não estar sozinho na missão. A certeza que sendo chamado a uma missão tão especial, não está de facto sozinho tem uma multidão celeste e humana consigo.

Pe. Patrício Oliveira

Mínimos Olímpicos

Ninguém gosta de obrigações, nem de fazer o que seja por obrigação. Movemos mundos e fundos por alguém, damo-nos sem medida e sem pesar o cansaço quando é oferta gratuita, dom da nossa generosidade, sinal do carinho e do amor que nos une aos que nos são queridos. Mas, obrigatório? Bem chegam os impostos!

Sinto que esta é uma das maiores lutas que a Igreja enfrenta. Educar pelo obrigatório, pelo que sim, que se traduzia no famoso: “enquanto viveres debaixo do meu teto fazes o que eu te mandar”. Cria imunidade. E podemos bem ter imunizado demasiadas gerações.

Mas o contrário também não é bom, uma vez mais, no meio estará a virtude. Porque ele há dias de manhã que uma pessoa se precisa obrigar, a sair da cama, a enfrentar o dia e a vida. Se esperarmos por inspiração, que esteja mesmo a apetecer, então não vamos longe.

Ouvi o Joe Rogan dizer que não é a inspiração que nos move e que nos alcança sucesso, é a disciplina. Ele falava do seu programa de treino “Há dias em que acordamos cheios de energia, com vontade e o treino é óptimo e corre bem. Mas esses dias são a minoria. Na esmagadora maioria dos dias, não apetece, estamos cansados, temos sonos ou outra desculpa válida. É a disciplina que faz a diferença”.

De algum modo, somos nós que abraçamos a obrigatoriedade na medida em que percebemos que para chegar mais longe, temos que nos colocar a caminho.

É este salto interior que sinto que falta à nossa catequese, à nossa pratica dominical. De algum modo somos capazes de fazer uma lista de coisas que temos que fazer em ordem a ser católico comprometido e regular (o que quer que seja isso).

Diz o Catecismo:

II. Os preceitos da Igreja

2041. Os preceitos da Igreja inserem-se nesta linha duma vida moral ligada à vida litúrgica e nutrindo-se dela. O carácter obrigatório destas leis positivas, promulgadas pelas autoridades pastorais, tem por fim garantir aos fiéis o mínimo indispensável de espírito de oração e de esforço moral e de crescimento no amor a Deus e ao próximo. Os preceitos mais gerais da Igreja são cinco:

2042. O primeiro preceitoOuvir missa inteira e abster-se de trabalhos servis nos domingos e festas de guarda») exige aos fiéis que santifiquem o dia em que se comemora a ressurreição do Senhor, bem como as principais festas litúrgicas em honra dos mistérios do Senhor, da Bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos, que a Igreja declara como sendo de preceito, sobretudo participando na celebração eucarística em que a comunidade cristã se reúne e descansando de trabalhos e ocupações que possam impedir a santificação desses dias (86).

O segundo preceitoConfessar-se ao menos uma vez em cada ano») assegura a preparação para a Eucaristia, mediante a recepção do sacramento da Reconciliação que continua a obra de conversão e perdão do Baptismo (87).

O terceiro preceitoComungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição») garante um mínimo na recepção do Corpo e Sangue do Senhor, em ligação com as festas pascais, origem e centro da liturgia cristã (88).

2043. O quarto preceitoGuardar abstinência e jejuar nos dias determinados pela Igreja») assegura os dias de ascese e de penitência que nos preparam para as festas litúrgicas e contribuem para nos fazer adquirir domínio sobre os nossos instintos e a liberdade do coração (89).

O quinto preceitoprover as necessidades da Igreja, segundo os legítimos usos e costumes e as determinações») aponta ainda aos fiéis a obrigação de prover, às necessidades materiais da Igreja consoante as possibilidades de cada um (90).

 

Simples. Mas deixa-me cheio de comichão que isto seja os “mínimos olímpicos” pedidos. Então mas a gente agora contenta-se com os mínimos? Temos os miúdos aí de volta de exames e notas, ficamos felizes porque eles fizeram o mínimo ou queremos que se superem e possam alcançar o seu maior potencial?

Onde é que o padre quer chegar com isto, pergunta o leitor mais assíduo e perspicaz.

À vida sacramental, a Eucaristia (também como estilo de vida), a Confissão, a oração.

Agora que presido a todas as missas, sinto mais falta de pessoas. Até aqui achava que tinham ido à missa do padre Jorge.

E não se trata de apontar dedos, embora sinta falta dos acólitos todos e dos catequistas, e daqueles que me estão a mandar sms a dizer que vão a Fátima ou a outra que deu mais jeito.

A questão é que fazem falta na Missa e na Eucaristia (para quem ouviu no Corpo de Deus) da comunidade.

Não penso na questão da presença, ou da contagem de presenças. Mas na riqueza de uma Eucaristia que é da comunidade. E uma comunidade que quer mais que cumprir preceito.

Uma comunidade que cresce junta, porque entende a importância do laço, do estar presente. Mais do que ir à missa, cumprindo o preceito certinho, mas comprometendo a sua vida, o seu tempo, o seu dom na construção de algo especial aqui no nosso cantinho.

Acho que no fundo me incomoda a facilidade com que não sentimos falta de ir semanalmente, ou nos outros dias de preceito.

Não porque é obrigatório, mas porque me faz falta.

Porque mais do que tem de ser, é o “faz-me bem”.

Gente comprometida com o seu crescimento espiritual, humano, a sua relação com Deus, que se recusa perder uma oportunidade, de encontro, de Graça. Porque somos mais do que o que nos apetece, queremos ser aquilo que Deus sonhou para nós: Santos, inteiros, missionários.

E justamente quando o tempo escasseia, a vida parece virada do avesso, com turnos e actividades, o preceito semanal, traz ordem à vida. A semana organiza-se em torno da participação. Não porque é obrigatório, mas porque é saudável, porque queremos ser donos do nosso crescimento e não nos satisfazemos com migalhas.

Queremos fazer o mínimo para que o coração se alargue e dê espaço ao desejo do máximo, à medida do amor de Deus que morreu na cruz por mim e por cada um de vós.

 

Pe. Patricio Oliveira

Sagrado Coração de Jesus que tanto nos amais

Junho é tradicionalmente marcado como o mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, uma devoção que nos convida a contemplar profundamente o amor insondável de Cristo pela humanidade. Este tempo especial é uma oportunidade para renovarmos nossa fé, reavivarmos nossos compromissos espirituais e nos aproximarmos da fonte inesgotável de misericórdia e compaixão.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus nasceu da revelação privada recebida por Santa Margarida Maria Alacoque no século XVII. Durante essas aparições, Jesus pediu que Seu coração, cheio de amor pela humanidade, fosse venerado e que a devoção fosse propagada como forma de consolo ao Seu Coração ferido pelos pecados do mundo.

O coração de Cristo, cercado por chamas e coroado de espinhos, simboliza os sacrifícios feitos pelo Salvador para resgatar a humanidade. É um sinal do amor ardente e infinito de Cristo, que sofreu e morreu para nos redimir, e também representa o convite à reparação e ao compromisso com Ele.

 Tradicionalmente é também vocacionado para oração pelo clero, Bispos, padre e diáconos de modo muito especial pela santificação dos sacerdotes. Na nossa diocese por convite do nosso bispo celebramos o jubileu dos Sacerdotes no dia do Sagrado Coração de Jesus que será este ano no dia 29 de Junho em Fátima.

Pessoalmente penso nos padres que conheci antes de ser colega deles, recordo, com cada vez maior respeito, o falecido padre Manuel Ferreira – o único pároco que conheci até aos 16 anos, quando a Marinha mandou o padre Sérgio lá para Caxarias, terra de missão; e o padre Zé Luís que sempre me pareceu mais jovem que os jovens que acompanhava, mesmo quando lhe consegui ganhar os famosos 5€ no jogo das entrevistas.

E agora que sou colega deles todos, os que ainda cá andam, que o número reduziu assustadoramente, olho para eles, colegas, professores, amigos, que apreensão. Há cansaço. Nalguns há até desânimo, desencorajamento. Não só porque as forças vão faltando, mas também por uma má escolha de estratégia no decurso do ministério. Talvez porque a missão é mais desafiante neste mundo novo que teima em crescer e desenvolver demasiado rápido, para as nossas capacidades e até para a nossa saúde mental – dos padres e dos leigos.

Pelo que este ano me tocou de forma especial este desafio/convite a rezar pelos padres, a fazermo-nos presentes na sua vida, a suportar. Talvez seja dos 40 ou de assumir esta tarefa de Vigário, aumentou a minha sensibilidade, mas também a minha compreensão da realidade.

Sobretudo porque, e era aqui que queria chegar, não são só os padres que andam marafados pois não? Há um padrão semelhante nas famílias. Nos jovens que procuram perceber o seu lugar no mundo, os que são crismados amanhã e os outros todos.

Também os casais, que no meio disto tudo, parecem, como dizia um amigo padre: 2 carris do comboio, que se estendem paralelamente e nunca se cruzam, fora os que derivam e que criam um vazio entre eles.

O curioso é que os padres fazem o mesmo consigo mesmo! Parece que é um erro de software que a humanidade tem.

No dia em que fui ordenado, procurei refúgio no adro da Sé para ganhar coragem. Chovia torrencialmente e o barulho da chuva abafava o cavalgar do meu coração. Fui abordado por um padre que tinha abandonado o ministério há vários anos. Abordou-me com os olhos a chorar mais que o torrencial que se abateu em Leiria naquela tarde: “- Nunca te deixes isolar, nem ficar sozinho”.

De onde estou é o que vejo mais, gente sozinha, afogada em responsabilidade, boa-vontade e desejo de chegar a todo lado. Gente que engole para não incomodar. Que guardam para si, não como Maria, mas para silenciar e não incomodar. E o vazio aumenta no coração dos padres e no distanciamento dos casais que procurar desesperadamente chegar ao outro, mas que se sentem em planos diferentes, pelo que parece virtualmente impossível tocarem-se novamente.

Neste mês do Sagrado Coração desejo que sejamos todos capazes de ver nele um porto seguro, onde respirar, recuperar o fôlego e a coragem. Sonho que nos possamos sentir fortalecidos e inspirados por Ele. A Amar sem medida, sem medo e sem perder a coragem nem desistir.

Ao longo do mês de junho, que possamos deixar nossos corações serem moldados pelo amor do Sagrado Coração de Jesus. Que cada oração, cada gesto e cada pensamento sejam permeados pela graça divina que emana do Coração do Salvador. E que, unidos em fé e devoção, vivamos como testemunhas vivas do amor de Cristo no mundo.

Que o Sagrado Coração de Jesus abençoe e proteja cada um de nós, hoje e sempre. Amém.

Pe. Patrício Oliveira