Sagrado Coração de Jesus que tanto nos amais

Junho é tradicionalmente marcado como o mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, uma devoção que nos convida a contemplar profundamente o amor insondável de Cristo pela humanidade. Este tempo especial é uma oportunidade para renovarmos nossa fé, reavivarmos nossos compromissos espirituais e nos aproximarmos da fonte inesgotável de misericórdia e compaixão.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus nasceu da revelação privada recebida por Santa Margarida Maria Alacoque no século XVII. Durante essas aparições, Jesus pediu que Seu coração, cheio de amor pela humanidade, fosse venerado e que a devoção fosse propagada como forma de consolo ao Seu Coração ferido pelos pecados do mundo.

O coração de Cristo, cercado por chamas e coroado de espinhos, simboliza os sacrifícios feitos pelo Salvador para resgatar a humanidade. É um sinal do amor ardente e infinito de Cristo, que sofreu e morreu para nos redimir, e também representa o convite à reparação e ao compromisso com Ele.

 Tradicionalmente é também vocacionado para oração pelo clero, Bispos, padre e diáconos de modo muito especial pela santificação dos sacerdotes. Na nossa diocese por convite do nosso bispo celebramos o jubileu dos Sacerdotes no dia do Sagrado Coração de Jesus que será este ano no dia 29 de Junho em Fátima.

Pessoalmente penso nos padres que conheci antes de ser colega deles, recordo, com cada vez maior respeito, o falecido padre Manuel Ferreira – o único pároco que conheci até aos 16 anos, quando a Marinha mandou o padre Sérgio lá para Caxarias, terra de missão; e o padre Zé Luís que sempre me pareceu mais jovem que os jovens que acompanhava, mesmo quando lhe consegui ganhar os famosos 5€ no jogo das entrevistas.

E agora que sou colega deles todos, os que ainda cá andam, que o número reduziu assustadoramente, olho para eles, colegas, professores, amigos, que apreensão. Há cansaço. Nalguns há até desânimo, desencorajamento. Não só porque as forças vão faltando, mas também por uma má escolha de estratégia no decurso do ministério. Talvez porque a missão é mais desafiante neste mundo novo que teima em crescer e desenvolver demasiado rápido, para as nossas capacidades e até para a nossa saúde mental – dos padres e dos leigos.

Pelo que este ano me tocou de forma especial este desafio/convite a rezar pelos padres, a fazermo-nos presentes na sua vida, a suportar. Talvez seja dos 40 ou de assumir esta tarefa de Vigário, aumentou a minha sensibilidade, mas também a minha compreensão da realidade.

Sobretudo porque, e era aqui que queria chegar, não são só os padres que andam marafados pois não? Há um padrão semelhante nas famílias. Nos jovens que procuram perceber o seu lugar no mundo, os que são crismados amanhã e os outros todos.

Também os casais, que no meio disto tudo, parecem, como dizia um amigo padre: 2 carris do comboio, que se estendem paralelamente e nunca se cruzam, fora os que derivam e que criam um vazio entre eles.

O curioso é que os padres fazem o mesmo consigo mesmo! Parece que é um erro de software que a humanidade tem.

No dia em que fui ordenado, procurei refúgio no adro da Sé para ganhar coragem. Chovia torrencialmente e o barulho da chuva abafava o cavalgar do meu coração. Fui abordado por um padre que tinha abandonado o ministério há vários anos. Abordou-me com os olhos a chorar mais que o torrencial que se abateu em Leiria naquela tarde: “- Nunca te deixes isolar, nem ficar sozinho”.

De onde estou é o que vejo mais, gente sozinha, afogada em responsabilidade, boa-vontade e desejo de chegar a todo lado. Gente que engole para não incomodar. Que guardam para si, não como Maria, mas para silenciar e não incomodar. E o vazio aumenta no coração dos padres e no distanciamento dos casais que procurar desesperadamente chegar ao outro, mas que se sentem em planos diferentes, pelo que parece virtualmente impossível tocarem-se novamente.

Neste mês do Sagrado Coração desejo que sejamos todos capazes de ver nele um porto seguro, onde respirar, recuperar o fôlego e a coragem. Sonho que nos possamos sentir fortalecidos e inspirados por Ele. A Amar sem medida, sem medo e sem perder a coragem nem desistir.

Ao longo do mês de junho, que possamos deixar nossos corações serem moldados pelo amor do Sagrado Coração de Jesus. Que cada oração, cada gesto e cada pensamento sejam permeados pela graça divina que emana do Coração do Salvador. E que, unidos em fé e devoção, vivamos como testemunhas vivas do amor de Cristo no mundo.

Que o Sagrado Coração de Jesus abençoe e proteja cada um de nós, hoje e sempre. Amém.

Pe. Patrício Oliveira

Partida, largada, mas nunca fugida

O domingo de Pentecostes marca, se é que se pode dizer assim, o início da Igreja.

Jesus tinha dito que ficassem na cidade até receber o Espírito Santo, agora é o momento da chegada. Chega Aquele que nos há-de ensinar todas as coisas e recordar o que Jesus ensinou. Com Ele, inicia o maior dos movimentos da história da humanidade. Começou com 12 apóstolos, 72 discípulos e mais uns curiosos e não parou mais. A promessa era que A Boa nova fosse levada até aos confins do Mundo e o mundo ainda não parou de crescer. O universo está em expansão acelerada (para saber para onde, podem perguntar David Sobral).

Significa que estamos numa aventura que não tem fim, os quarentões recordar-se-ão da Never Ending Story - História interminável (1986). E sim, pode parecer uma tarefa hercúlea, demasiado grande para a nossa fragilidade, mas Ele ensinará, capacitará e auxiliará (ou Paraclitará!), é essa a promessa. A nós é pedido que nos mantenhamos unidos, preparados, em saída. Conscientes do peso, mas sobretudo da importância da Missão.

Não é demais repetir: a Missão é que tem uma Igreja. E “uma Igreja que não serve, não serve para nada”. Impõe-se reaprendermos as prioridades, o foco, unidos “como Eu e o Pai somos”, conscientes que ninguém se salva sozinho, é uma corrida, mas não entre nós, talvez connosco mesmo, mas os outros não são o inferno – os outros são os irmãos que trilham o mesmo caminho, que buscam a mesma meta. São simultaneamente o objeto da missão e os colaboradores.

Há alguns anos que para nós expressões como Renovação Pastoral são familiares na nossa paróquia e agora também na Diocese, nas vigararias e nas unidades pastorais.

É sempre o mesmo desafio, a mesma corrida: a redescoberta da motivação que nos leva a correr (como atleta que percorre alegremente o seu caminho) mas, sobretudo, o para onde e para quê.

Dizem que quem corre por gosto não cansa. Desconfiei sempre muito dessa gente, sinto sempre que é gente que só corre de ver os outros. Esta Missão que nos foi confiada é exigente, dura, exige, consume energia. E sim, é natural que andemos cansados, seja pelo “fardo da missão”, seja porque não corremos com o devido cuidado e cabeça, ou porque corremos por correr de forma desengonçada.

Sonho com uma igreja missionária. Uma igreja que pensa em conjunto. Uma igreja sinodal que sabe que a sua voz é ouvida, mas sobretudo necessária.

Dou por mim a sentir que muitas vezes, muitos dos nossos processos de escuta, de pedidos de opinião são em jeito do Luís de Matos. Sempre que alguém como ele diz escolha uma carta, uma carta qualquer, é sempre mentira! A carta está a ser forçada, ou a nossa escolha conduzida.

Mas essa é também a postura mais fácil, porque nos retira a responsabilidade.

Eu sonho com uma igreja que ajude a construir o baralho. Se sinta responsável.

Sonho com uma paróquia de pessoas que vêm porque querem ajudar a salvar o mundo e os irmãos e não só a si mesmos.

O processo de renovação passou da Marinha, para a Diocese e a agora retorna de modo especial à Vigararia. O nosso Tartan está me constante mutação, e agora alarga-se à Maceira, a Pataias e Alpedriz. Em tempos de escassez de padres, urge encontrar novos processos, partilhar esforços e ideias.

Vamos confiantes e imploramos a ajuda daquele que virá recordar e ensinar tudo o que precisamos.

O tiro de partida é antigo, mas sempre novo e empurra-nos para a frente, determinados, sem medo, com um coração alicerçado neste Senhor Jesus, seguros de que quando o invocamos ele conduz e inspira.

A meta? A meta é o Céu que havemos de construir aqui na Terra.

Pe. Patrício Oliveira

Problema de expressão

Há semanas que habitam no meu coração um conjunto de situação que gostaria de partilhar com a comunidade. Acho que iniciar estes editoriais foi o concretizar desses pensamentos. Uma forma de proximidade, de partilhar de passar algumas preocupações, perspetivas, que não apenas na homilia.

Há uns dias, na Assembleia do Clero, um padre partilha que chegámos ao ponto de reduzir a oração à missa. E eu penso o mesmo em relação com a relação/interação com o padre. Vocês são muitos, gente boa, mas muitos, tenho a certeza de que há pessoas, de missa semanal, com quem não tive oportunidade de conversar, seja por que motivo ou circunstância seja (e não tem mal! Mas também é verdade que fui correr no sábado e como me enganei dei por mim no meio do mercado, e senti-me uma vedeta, metade eram paroquianos).

Tem sido cada vez mais claro que o modelo tradicional de Paróquia está a ficar desatualizado, a nossa raiz é muito rural, próxima, na medida de pequeninas comunidades, onde todos estão dentro do assunto e sabem como agira, fazer e estar.

O tradicional:

-  “Quanto é Sr. Padre?
- “não é nada”,

Costumava ser seguido por “então fica aqui isto para a paróquia”. Agora o nada é nada!

Por outro lado, aí do padre que cobrasse o que quer que fosse por algum serviço, ou taxa por documentação. Mas o povo dava, porque sabia que as despesas nãos e pagam sozinhas.

Mas agora? Agora o nada é nada, e se cobrarmos, pagam.

Estamos a cair na prestação de serviços? Será tema lá mais para a frente.

Sinto que é a comunicação que falhou, há muita informação que não passou para a geração seguinte.

Ainda hoje uma catequizanda, que fará o crisma nos próximos dias, me perguntava o que escrever na ficha de inscrição onde dizia: “centro de catequese”. Não direi que me convidou para padrinho, para não dizer que foi a princesa. Mas a culpa não é dela, é nossa, que achamos que ela sabe porque foi sempre assim! E depois nos surpreendemos.

Os funerais são outra situação dolorosa, aí sim caímos na prestação de serviços.

Quando o telefone toca e ouço “é para marcar um serviço para amanhã” morro um bocadinho por dentro. Pior fico quando pergunto quem é e a resposta é “não sei que a família ainda não veio falar connosco, estou só a adiantar serviço”

Meus amigos, já me aconteceu desmarcar funerais. Um, porque o senhor afinal não tinha morrido, outro porque afinal a família não queria celebração religiosa.

Já me marcaram funerais de não católicos. Não há muito tempo soube de uma família que veio porque, tendo a funerária sido proactiva e marcado o funeral rapidamente comigo, não tiveram coragem de dizer que não queriam. E lá vieram sem saber fazer o sinal da cruz que fosse.

A família perguntar se sou da funerária também acontece, mas é divertido.

Mas custa quando chegando à celebração percebo que a família é conhecida, e tem o meu contacto, e o da irmã e o do cartório.

Custa dizer à funerária que não haverá custos do funeral porque a família é paroquiana, ativa e assídua, e 2 semanas a mesma família vir perguntar quanto deve.

Isto para dizer uma coisa simples: “quando precisarem de um padre, liguem-me 917 541 756”.

Tratem com quem é o responsável.

As missas de sétimo dia quase desapareceram, porque com as mudanças e não havendo missa todos os dias, a funerária já não a marca automaticamente. Ou então marcam para dias em que não há sequer missa.

A newsletter dá imenso trabalho, os avisos em papel, entregues em mão, para que todos possam estar a par dos horários, das actividades.

O cartório tem duas tardes, o site da paróquia tem opção de agendamento a algumas segundas-feiras do mês, e estamos a trabalhar para que se possa agendar mais horas e mais facilmente.

“- ah e tal mas isso é para os novos”, toda a gente tem Facebook e um neto!

Quem sabe se os crismandos não querem fazer parte de um departamento de comunicação da paróquia e criar um da vigararia.

É uma cidade sim, mas é uma terra pequenina, é fácil encontrar o padre.

Sendo apenas um, os afazeres, as responsabilidades, aumentam, o tempo é curto para tudo.

Começa a ser difícil o modelo tradicional de estar à espera de quem passe.

Porque na verdade, estou duas tardes com a irmã e ainda tenho que dar mais umas horas extra para processos de casamento e atender quem não pode passar de tarde em horário laboral.

O tempo para eu ser eu, para ler, rezar, não fazer nada, fica muito curto. E é um ritmo que não é saudável e não se suporta muito mais tempo que eu já não vou para novo.

Pelo que, meus estimados paroquianos do meu coração, precisamos construir uma paróquia nova, moderna, adaptada aos ritmos de vida que temos, mas que seja próxima.
Onde a proximidade de relação seja possível. Não paguem a alguém para fazer algo por vocês.
As próximas semanas trarão novidades, novas responsabilidades, novas oportunidades, precisarei da vossa ajuda para reconstruirmos uma comunidade que toca e transforma pessoas; uma comunidade que é relevante para todos nós e para a cidade.
Uma comunidade que dá respostas, oferece oportunidades; uma comunidade missionária como Jesus sonhou.

Que vos parece?´

Pe. Patrício Oliveira 

É preciso uma aldeia para criar uma criança

Este fim-de-semana há profissão de Fé, miúdos do sétimo ano, ontem foi serão de reconciliação e de dois dedos de conversa com todos.
É um exercício muito interessante, mas depressa de tornou doloroso. É muito bonito vê-los a crescer, ver as caras de meninos a ganhar traços de adolescentes. E como me lembro de vários serem bebés a fazer barulho nos carrinhos de bebé na missa, torna tudo quase emotivo.
Conversa para aqui e para ali diz-me uma: “o senhor é padre há mais anos do que eu tenho de vida” ...

Caiu-me tudo, demorei um bocadinho a fazer as contas e a retomar o fôlego.

É terreno por trilhar para mim, nunca trabalhei tanto tempo no mesmo sítio, pelo que estes records se vão acumulado dolorosamente, o que explica facilmente o ruído que os meus joelhos fazem quando subo escadas.
Ainda assim, sinto sempre como um enorme privilégio ver estas mudanças e transformações. E apesar de não ser tudo perfeito, a nota geral é muito positiva. E as conversas surpreendem pela positiva, genuinamente.

Recordei a recente viagem a Londres. Durante toda a conferência houve uma enorme insistência na necessidade e na oportunidade de pegar nesta nova geração e de os incentivar, formar, capacitar e responsabilizar. Em inglês dizem: “raise a generation” seria levantar-criar uma geração.

Falam de uma realidade que não é ainda a nossa, mas que nos é familiar.

Há uma geração, a dos joelhos que rangem já, os que já precisam ou fizeram o exame à próstata, que foram “imunizados” ao Evangelho. A sua experiência de igreja não foi feliz, talvez tenham sido crismados para serem padrinhos, mas muitos já nem baptizaram os seus filhos. Há, pois, uma geração de adolescentes que não ouviu falar de Jesus.

Nós ainda vamos vendo muitos na catequese, mas é uma pequenina percentagem. Dizia-me uma mãe há uns dias que “lá na escola serão só três ou quatro”.

O curioso do fenómeno actual, do qual nos chegam ecos mesmo no contexto católico em França[1], é que estes adolescentes têm curiosidade acerca de Deus e estão muito receptivos e à procura de respostas.

Esta semana fui contactado por um jovem, que me lembro bem de ser criança de 2/3 anos, filho de uma professora do tempo que os joelhos não estalavam, é ateia convicta e orgulhosa. Ligou-me ele porque quer baptizar a filha. “A minha mãe educou-nos e dizia aquelas coisas... mas sei lá, cá dentro houve sempre uma curiosidade”.

E agora vejo estes miúdos crescerem, tornarem-se homens e mulheres que com sorte me vão pagar a reforma, e penso que podemos olhar para o futuro com esperança.

Uma esperança talvez como a do sorriso deles: genuínos, tímidos, mas com alegria, ingenuidade, curiosidade e, inevitavelmente, cheios de enorme potencial.

Que precisam de inventivo, de alguém que caminhe com eles, com respeito, com paciência, muuuuita paciência, mas que se acredite neles.

Ontem disse em voz alta que se calhar já estou à tempo de mais na Marinha Grande. Hoje, ao pensar em tudo isto, talvez esteja à tempo suficiente para ver neles o que nem eles sabem ter: potencial, capacidade de mudar o mundo.

Neste tempo pós-moderno, em que retomamos o pré-cristianismo, somos chamados a olhar esta geração com os olhos de Jesus. Ele que olhou para Mateus e viu mais que um cobradore de impostos e um traidor da sua própria gente, viu um poeta que escreveria a sua história; Ele que olhou Pedro e para lá do temperamento, viu um líder a quem confiou a Sua Igreja;

 Ele que olha para cada um de nós e confia que seremos o seu Corpo, as suas mãos e pés, sinas do seu amor.

É com estes olhos que quero olhar para estes que agora fazem a sua profissão de Fé.
É o que eles precisam e estou certo que é o que Deus espera de nós.
O resto, Ele cuidará no seu próprio Kairós. (sim, Deus tem um tempo próprio, diferente do nosso.)

Em londres, havia uma jovem que trazia uma T-shirt que dizia: "é preciso uma aldeia para criar uma criança". Talvez seja o mesmo com os discípulos de Jesus, e seja preciso uma comunidade para erguer esta nova geração. Temos muito que fazer!

(*Imagens totalmente criadas por AI e apenas para ilustrar)
____________________________________________
[1] E logo França que já na década de 40 era vista como país de missão. La France Pays de Mission, de Daniel Godin

Um mandamento novo,
uma missão antiga como a humanidade

 

Esta semana, depois de nos dar um Papa novo, O Senhor vem ao nosso encontro com um mandamento novo, que empurra a igreja para a Missão antiga.

Do Papa novo já vimos o preço do relógio, acabo de ver notícias sobre o Papa movel que vale 500 mil dólares que a Mercedes ofereceu já ao Papa Francisco. Até esquecem que este é novo e anda bem a pé, às tantas nem precisa de papa móvel, vai bem a pé, ou de trotinete!

As tricas eclesiásticas abundam e todas as “facções” parecem querer reclamar para si o novo Papa.

Confesso que só imagino o diabo a rir-se ao ver a divisão que se manifesta no coração de tantos fiéis.

Recordo o paroquiano que me disse: “espero que seja humanista, mais que progressista ou tradicionalista”. O doutor Branco dizia-nos nas aulas que todos os “ismos” são perigosos, até o catolicismo. Pelo que eu rezo para que o Leão seja fiel ao Evangelho. Ele e nós todos.

E os que se entretém a discutir o sexo dos anjos, se preocupassem com a cura de almas, com a missão.

É disso que fala o Evangelho por estes dias da Páscoa.

Em tempos de mudança de papado, de mudanças no mundo, na nossa diocese que abraçou também um processo de renovação pastoral, bem como a nossa paróquia que procura reinventar-se e ser imagem das primeiras comunidades. Porque o tempo passa, as modas vão e voltam, mas o evangelho é o mesmo. E a Missão também.

O evangelho é dado a redundâncias curiosas, Mateus diz que Jesus mandou ir e ensinar, baptizar e ensinar (sim, duas vezes, porque são duas coisas distintas: evangelização e mistagogia).

Esta semana temos outra: “que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.

Não é só amar, é amar como Ele nos amou.

E a avaliar pelos comentários, pelas tricas, ainda falta tanto.

Rezo para que nestes dias que antecedem o Pentecostes possamos deixar-nos tocar por estas palavras. Que os corações de tornem doceis à acção do Espírito, que no nosso esforço de sonhar a visão da nossa Paróquia futura, haja abertura de fazer o que é melhor. Que seja de serviço. Não de prestação de serviços, mas de lavadores de pés, de companheiros de viagem. Gente corajosa para escolher a radicalidade de amar como Jesus amou, lavar os pés a quem precisa.

“Porque uma igreja que não serve.... não serve para nada”

Pe. Patrício Oliveira

E se só rezássemos por ele?

Lembram-se do incêndio que nos levou a mata? E de como de repente todos os comentadores eram experts (ainda venho a falar inglês aqui no avião) na mata nacional, na reflorestação e no cuidado?

E do Covid? Em que todos percebiam de vírus e de saúde pública e álcool gel? Ainda há pessoas que não gastaram o papel higiénico que compraram todo.

Depois foi a guerra na Ucrânia e depois a de Israel, aquelas que aparecem nas notícias, as outras não contam.

Nas últimas semanas todos são experts em eletricidade e gestão de infraestruturas.

E a última moda é cardeais, conclaves e Papas. Como dizia um professor do seminário em Coimbra: “que infecção!”

Esta semana queria partilhar a aventura da Leadership Conference 25, e os sonhos e planos e projectos, mas inevitavelmente a nossa atenção ficou toda no Conclave e na Fumaça Bianca que os italianos que estavam comigo no Sky Garden gritavam (eu ia dizer que viram lá de cima, mas ninguém acreditaria).

Foi com enorme expectativa que lá nos sentámos a imaginar a cerimónia à porta fechada, a agitação da votação, o aceitar, o juramento, experimentar a batina que lhe servia melhor até ser hora de vir espreitar à janela.

Não sei se da idade, se das circunstâncias, como vi online “não me considerando eu velho, já vou no meu quarto Papa”, este processo foi-me mais próximo, parece-me que talvez até com mais informação que o do Papa Francisco.

Gostei de ver um homem sorridente, com aparente genica e, dentro da escolha: muito novo! Tocou-me profundamente ver o contraste do sorriso dos lábios, com os olhos que não sorriam, porque eram esmagados pelo peso do Mundo naquele momento.

Talvez pelo tempo Pascal, só me ocorria a figura de Jesus a preparar-se para entrar em Jerusalém sabendo que o triunfalismo era enganador (e falso!). Ele sorriu e fez tudo bem, mas as imagens em grande plano do rosto sorridente e bonito, não enganavam. De repente era o horto, e a oração de Jesus foi partilhada com ele: “faça-se a Tua vontade”.

Espero que tenha um coração de Leão, cheio do evangelho, corajoso, arrojado e dedicado.

Esta semana rezámos por ele. 5.000 pessoas, uma maioria protestante, de braços erguidos, cabeça baixa, evocou o Espírito Santo para ele, fosse quem fosse, mas que fosse da vontade de Deus.

Quando vi aquele homem que me parecia tremer como varas verdes, mas a fazer-se forte “coragem de leão”, reconheci o brilho nos olhos que vi esta semana nos tais 5.000: olhos cheios de Deus, de desejo de dizer sim, de fazer parte da missão. Olhos cheios de vontade, de sonhos, mas ao mesmo tempo, marcados pelo peso do quanto nos falta ainda fazer, o peso da responsabilidade de ser parte desta multidão chamada por Deus, que agora tem um Leão à frente.

Hoje vi que até a marca do relógio, e o valor (145 dólares) foi notícia, aguardo curioso o comentário inflamado do Trump a dizer que será o melhor Papa e que vai enviar pessoalmente um novo Papa móvel feito como seu carro presidencial. Imagino que o Manuel Luís Goucha já esteja em Roma.

Mas nós por cá, podíamos tentar deixar passar ao lado este sururu todo, poderíamos deixar o homem respirar e ter uma batina que lhe sirva devidamente e, entretanto, rezemos.

Rezemos por ele, pela Igreja. Para que o Leão seja porta-voz do sonho de Deus para a Igreja em renovação.

Pe. Patrício Oliveira

Chamados à Esperança, educados para serem felizes

Na próxima semana a Igreja vive a Semana de Oração pelas Vocações, este ano, integrando também o tema do Jubileu, temos uma espécie de Matrioskas de temas, sentido e significados, o ponto central “Chamados à Esperança”.

Diz o bispo D. Vitorino Soares:

"Chamados" traduz um alvo plural de chamamentos, que inclui a vocação laical, ao ministério ordenado e à vida consagrada, que não esquece ninguém, tendo como ponto de partida o dom da vida. Todos somos chamados à Esperança, que não se traduz numa ideia, numa virtude ou num sentimento de otimismo, mas no encontro com uma pessoa que é Jesus Cristo.  Simultaneamente, estamos chamados a ser chamadores de Esperança num palco comum, onde nos situamos como público e como atores, que o Papa Francisco traduz por Peregrinos de Esperança. A mensagem que nos enviou tem como título "Peregrinos de Esperança: o dom da vida".

Neste caminho de Esperança aponta três suportes geradores de vocações: acolher, discernir e acompanhar.

Sinto sempre que estes momentos, que infelizmente nos passam um pouco ao lado, são de algum modo afunilados na sua compreensão. De modo especial esta semana das vocações, porque automaticamente pensamos nos padres e nas freiras. A vocação laical, de que se fala logo na primeira linha, nem é bem vocação, é a normalidade das pessoas! Padres e freiras é que é diferente. Recordo o belo momento que tive no cemitério enquanto despia a túnica e ouço uma voz que dizia: “ah o senhor padre sem a bata parece um homem normal”.

Mas não sou, sou sempre anormal! Porque chamado a ser no mundo sinal da presença de Deus. sou chamado a ser especial. Eu e os outros padres, as freiras todas, os leigos consagrados e todos os que pelo baptismo se tornaram filhos de Deus.

Será esse o caminho da Esperança?

Não devíamos ter outro cuidado nesta coisa da vocação laical ser a norma?
Casar deve ser uma vocação, realizar-se num projecto comum com o cônjuge, tornarem-se um ao outro (santificarem-se) sinais do amor de Deus no Mundo, que bem precisa!
E não apenas porque é normal “e já tens idade para isso!” “não fiques para tia/o!”

- O que queres ser quando fores grande?

-Astronauta, bombeiro, médico, famoso, youtuber, DJ?

- Feliz...

Não seria assim que devíamos educar os nossos miúdos.

Lembro-me que em Maio de 2005 ao terminar o tempo propedêutico, que antecipou a minha ida para o Seminário de Coimbra, fui assaltado pela dúvida: “e se Deus quer que eu seja padre, mas não é isso que eu quero para mim?
Arrastei-me dolorosamente ao escritório do, na altura padre Virgílio, para abrir o coração, era um domingo de manhã, ali antes da missa.
Daquela vez não me disse que andava aos pinotes, nem fez pouco de mim por não saber onde ficava o Serro Ventoso (sim, tenho traumas mal resolvidos com ele), acolheu-me com um grande sorriso e fez-me sentir acolhido. E explicou-me que o que quer que seja que Deus sonha para mim vai coincidir sempre com a minha felicidade.

Passam agora 20 anos, já dêmos os dois grandes voltas, cambalhotas e pinotes e eu recordo ainda a mesma frase.

Curiosamente, esta semana perguntaram-me se eu sou feliz. Sou. Meio amassado, porque me importo, mas sou.

Nesta semana, rezo para que sejamos capazes de transmitir aos nossos miúdos esta mesma certeza, que Deus nos chama a ser felizes, portadores de esperança. E que cada passo, seja qual fora a direção, deve ser ponderado, como chamamento, porque Ele quer sempre a nossa maior felicidade. Seja padre, freira, casado ou solteiro. Seja sempre o serviço, o amai-vos uns aos outros a comandar.

Pe. Patrício Oliveira

Gosto de ti 3.000

- Gosto muito de ti, diz o pai enquanto aconchega a filhota para dormir.
- Gosto de ti 3.000, responde ela com o sorriso feliz.
- 3.000?! Que loucura!

 

3.000 era o maior número que ela conseguia imaginar. Assim expressava o enorme amor e o carinho que tem pelo pai.

São ambas verdade e expressam sentimentos verdadeiros que bem sabemos não se quantificam, mas são ao mesmo tempo incompletas na medida em que não fazem o outro sentir a verdade do quanto é amado pelo outro.

A menina, é ainda nova demais para perceber o quanto vai crescer ainda, imagino que rapidamente chegue aos 9.000, mas não consegue ainda abarcar a verdade do que vai no coração do pai, que sorrindo embevecido e impressionado pelo 3.000, sabe que trocaria a sua própria vida pela dela num ápice sem hesitar.

Talvez estejamos todos fadados a isto, a não entender o quanto somos/fomos amados pelos pais.
Não deixo de pensar que é justamente isto que vivemos hoje.

O Senhor morreu mesmo por nós. E nós, bem louvamos, bendizemos, para preparar caminho para pedinchar, e pedinchamos muito(!), mas dizemos ainda com leveza que morreu por nós.

Hoje multiplicam-se as publicações mais ou menos cinematográficas que acabamos por rejeitar ou pela violência brutal ou por ser coisa de filme. Mas a verdade permanece: foi feio, violento para lá do que seria humanamente aceitável. E fê-lo porque nos ama. Mais do que conseguimos dizer, mais do que podemos contar.

A menina da história dorme reconfortada com a certeza que o pai a ama. Essa certeza trás tranquilidade e conforto, segurança no dia de amanhã e no futuro.

 Seja hoje, esta a nossa certeza: O Senhor ama-nos para lá do imaginável, deu a vida. Mesmo e apesar das fragilidades, traições e pecados.

Não precisamos de muitas palavras, nem muitas explicações. Talvez hoje baste pedir o dom de nos impressionarmos com os relatos e a certeza que O senhor nos ama, muito mais que 3.000.

Pe. Patrício Oliveira

As Mães sabem sempre

Há uns anos o texto que usámos para a Via-Sacra de Sexta-feira Santa era um relato na pelos olhos de Maria. Era um texto muito bonito, emotivo, que de algum modo humanizava toda a experiência da Paixão. Humanizar no sentido de aproximar, ser algo profundamente humano, real e não apenas uma leitura que ouvimos do ambão.

Este Domingo abrimos a Semana Santa com o Domingo de Ramos e somos já brindados com todo o relato, para que os nomes, personagens, situações, sentimentos e pensamentos de todo aquele relato possam vir à memória. Ao longo da semana, talvez de uma forma muito jesuítica, acompanharemos todos os passos, os diálogos e as escolhas, as corajosas, as cobardes.

O olhar de Maria é particularmente especial, embora seja mais no espaço da nossa imaginação. Mas a esse propósito tenho visto várias abordagens muito interessantes que talvez nos possam lançar uma nova perspetiva.

Gostei muito da simplicidade dos diálogos da série The Chosen, onde deixam à nossa imaginação que Maria vai acompanhando o percurso do Filho, mais ou menos expectante, mas consciente, que nos levam ao momento da “despedida”. A Via-Sacra e a tradição do Senhor dos Passos colocam o encontro de Maria com Jesus a caminho do Calvário.

Personagem de Maria, mãe de Jesus, em The Chosen temporada 4 episodio 8 - Humildade

Nesta perspetiva vemos chegar o momento de Jesus entrar, triunfalmente, em Jerusalém consciente do que iria encontrar, do que o esperava e, portanto, também tempo de se despedir de sua Mãe.

A esse respeito cruze com estas belíssimas ilustrações, que mostrando as duas faces do mesmo momento, conduziram o meu coração nesta espécie de oração que partilho convosco neste texto pré-Semana Santa.

Não sabemos tudo, não sabemos o quanto Maria sabia ou se tinha a certeza do que aconteceria. Mas, por muito que custe admitir, as mães sabem sempre.

Sinto assim reforçar a coragem de deixar o seu Menino que era também o seu Senhor partir porque o Mundo precisava Dele.

Acho que de algum modo, nós que já sabemos “como termina a história”, podemos beneficiar deste novo olhar: corajoso, determinado, esperançado.

Gostava que estes dias nos sentíssemos esmagados pela determinação corajosa do Filho, pela coragem da Mãe que suporta (em todos os sentidos) a missão do seu Senhor.

Que estes dias não sejam apenas a memória de um passado distante e romantizado, que seja uma memória encarnada: morreu por nós; sofreu porque amava cada um; nos ecos das marteladas estão as nossas faltas e fragilidades, mas no coração de Jesus está, já, cada um de nós.

É a oportunidade de dizer sim, de nos sentirmos amados, chamados a uma vida nova.

Que, talvez como Maria, nós que sabemos para o que Ele vai na próxima semana, possamos viver esta semana de um modo novo, aberto à moção do Espírito.

Pe. Patrício Oliveira

No meu tempo não era assim...

Ouvimos todos isto e gostamos todos de ouvir, na minha cabeça ouço sempre a mesma voz: “já no seu tempo os seus avós diziam isso de si!”

Foi sempre assim, e se calhar,vai ser sempre assim e não deve ter mal.

Por estes dias, numa das várias conversas, que tive oportunidade de ter nas visitas, ouvia o mesmo, mas sem lamento. Era mesmo a surpresa de ver diferenças. Ouvi e senti uma ideia que há muito se ia formando, mas sem que fosse concretizada em mim de forma clara.

Há, de facto, uma diferença grande na nossa catequese, na nossa formação cristã.

A questão nem é de tempo ou de modas ou de linguagem, era uma preocupação genuína, que eu partilho, ao ver que talvez possamos estar a perder algo de importante. Demasiado importante.
Não tem que ver, apenas, embora também, com a assiduidade à Eucaristia, à catequese e à confissão.

Confesso que por vezes sinto que falhamos profundamente quando vejo gente entrar na igreja sem qualquer noção da diferença do espaço ou até respeito pelo silêncio e pelo sagrado.
Miúdos, graúdos parecem não ter nunca aprendido a fazer a genuflexão.
É um gosto ver que a igreja é um espaço onde nos sentimos confortáveis, mas teremos perdido a capacidade de educar para o sentir o espaço como sagrado, diferente, “poderoso”?
Há ainda hoje resquícios da ideia de ter que se confessar cada vez que se vai comungar. Mas foi substituído pelo: “não sei quando foi a última vez que me confessei”.

Quando pergunto aos mais novo se sabem o ato de contrição todo eu tremo quando me dizem que nunca ouviram! Quero acreditar que é de serem cabeças de pipoca e não esquecimento dos catequistas.

São neste momento 16:53 de quinta-feira, escrevo na sacristia da capela da Garcia onde cheguei há uma hora para confessar, para atender quem tem dificuldade na deslocação e quem não consegue ir a mais lado nenhum e tantas vezes nem à missa. Apareceu uma comadre.

Não sou de todo apologista do ensino pelo medo. E era disso que falávamos esta semana. O antigamente funcionava com base numa experiência de medo de não cumprir e do castigo. Não é esse o Deus que Jesus revela.
E no esforço de apagarmos esse elemento negativo, podemos ter perdido o bebé na água do banho.

Temos ainda muita dificuldade em, educando pela positiva, criar um entusiasmo. De que procura confessar-se porque se importa consigo e com quem é. E porque não as acertamos todas, procuramos um padre, no nosso caso “o” padre, para confiar o tanto que nos falta, esperançados no quanto somos capazes de fazer quando nos confiamos à misericórdia de Deus.

Estamos a chegar à semana mais marcante do nosso ano, quantos de nós já participámos no Tríduo Pascal todo? (Até porque a celebração começa na quinta e só damos a bênção final no Sábado Santo).

Preocupa-me profundamente que seja possível chegar à idade adulta e nunca ter participado na imposição de cinzas, ou não saber que há uma missa onde o padre lava os pés a pessoas!
Sinto isto como uma falha quase pessoal.

Estamos a falhar onde?

Depois em idade adulta queremos baptizar o filho para lhe dar o que os avós deram aos pais, mas já há dificuldade em saber participar na eucaristia.
Somos ainda reféns do lado festivo da tradição cujo peso a sociedade quer evitar e repudia! La diz o povo: sol na eira e chuva no nabal.

 A semana Santa está cheia de sinais e gestos que falam por si.
As equipas estão a preparar tudo para que tudo seja bem celebrado e fale por si mesmo.  

Porque não organizar a vida e participar no Tríduo de Quinta a Sábado, ver com os olhos do coração o que O Senhor tem para nos dizer ao coração através da sua liturgia?

No Tempo da outra senhora não era assim de facto, mas precisa continuar a ser algo especial, transformador do coração e da vida.

O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

A imagem da newsletter e dos ecrãs desta semana estava à responsabilidade da coordenadora da Task Force Digital da nossa Paróquia. Temso feito para que as imagens que usamos nos ajudem a transportar para o foco da mensagem do Evangelho Dominical, não importa o estilo, importa sobretudo que ajude a trazer uma certa “cor” ao Evangelho que escutamos.

Esta semana a Daniela estava particularmente entusiasmada com o resultado final. Não porque a imagem seja particularmente criativa, mas porque é uma foto tirada por ela, de um trabalho particularmente especial.

É uma escultura de um artista britânico chamado Charlie Mackesy, que está exposta na entrada da igreja da HTB em Londres, sede do Alpha Internacional.

É uma figura nossa conhecida dos temas do Percurso Alpha. Tornou-se mais familiar nas várias viagens a Londres para participar na Leadership Conference, eu já desde 2015 e vários elementos da nossa equipa Alpha desde 2017 (este ano seremos 10).

Recentemente o Chalie Mackesy tornou-se conhecido globalmente ao ganhar um Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação (roubando a oportunidade ao português Ice Merchants).

Clique na imagem para aceder a uma entrevista (em inglês)

É um homem muito peculiar, todo ele respira “artista”, tem uma bela história de fé – que testemunha nos vídeos Alpha, e durante a pandemia (lembram-se?) criou um conjunto de publicações com frases inspiradoras, em torno de algumas personagens desenhadas por si, que depressa criaram uma comunidade em torno daquela alegria que ele inspirava. Muito rudemente faz lembrar um Principezinho do tempo digital, só para vos fazer perceber o impacto deste trabalho. Acabou pro se tornar um livro e mais tarde numa animação que foi premiada com o Óscar. Recomento vivamente ambos, independentemente da vossa idade.

 

Mas esta semana, e ouvir-me-ão falar disso na missa, se não forem à do padre Jorge – sim, porque eu agora sei quem vai à missa à Marinha e quem não vai(...), destacamos esta escultura que retrata do abraço do Pai ao filho, o tal que era pródigo[1].

E é um trabalho incrível de traduzir o espírito do Amor de Deus e daquilo que é a nossa Fé.

O olhar de alívio do Pai ao ver e abraçar o filho “que estava morto mas agora vive”, a força com que o abraça, e os braços desajeitados do filho que nem devolve o abraço.

E é aqui que está o pormenor que faz toda a diferença, o pobre rapaz não consegue devolver o abraço, porque o Pai faz tudo, é Dom total do Pai que não lhe pede retribuição, apenas que se confie totalmente.

Então os braços desengonçados não são de falta de jeito ou de vergonha, são de total entrega e confiança. O filho confia, entrega e abandona-se totalmente nos braços do Pai que naquele momento o suporta suspenso. (reparem como o Pai o abraça de forma envolvente)

“Quem tem ouvidos oiça...” Não se ganha, não se merece, não se devolve. É puro dom gratuito de um Pai que só quer ver o filho bem, são e salvo e que ignora completamente o seu erro, o seu pecado, sem lhe cobrar o que quer que seja.

Pede apenas a coragem de se deixar cair nos braços amorosos do Pai.

 


[1] pródigo

(pró·di·go)
adjectivo e nome masculino

1. Que ou quem gasta de forma desmedida ou compromete as suas possibilidades económicas com gastos excessivos. = DISSIPADOR, ESBANJADOR, GASTADOR, PERDULÁRIO ≠ AVARENTO, SOMÍTICO, SOVINA

2. Que ou quem tem ou oferece algo de forma abundante. = GENEROSO

"pródigo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/pr%C3%B3digo.

Ouvir o Silêncio da voz do Senhor

O nosso senhor Dom Serafim teve, por muitos anos, vários heterónimos, com estilos e assuntos distintos para os seus escritos e a sua revista Síntese (se não falha a memória). Uma das que mais corria entre os seminaristas, no tempo em que eramos já poucos, mas mais que agora, começava: “da varanda do meu presbitério vejo”.

Eu não tenho uma grande varanda, mas os anos de padre têm sido local de encontro e de vislumbre muito interessante da nossa humanidade. E dou por mim a ver padrões, de comportamento, de dores, de dificuldades e outras que tais.

Esta semana vi expressar de uma forma muito mais articulada e eloquente uma das minhas intuições. Falavam do perigo do vazio das vidas Hiper-ocupadas.

Um conceito que associo sempre aos tubarões que precisam dormir em água corrente porque se pararem morrem (a malta da bilogia marinha que me perdoe).

Hoje há sempre ruído à nossa volta. E quando não é do ambiente que rodeia, procuramo-lo.

Música de Natal nas ruas e nas lojas, o ruído urbano no nosso caso. E quase estranhamos não ouvir nada. Quase tanto quanto o constrangimento de ficar em silêncio sem nada para dizer, seja com amigos, seja com Deus.

Até na fila do pão se puxa do telefone. E já não é um fenómeno de miúdos apenas. É natural o movimento de puxar do telefone para ver as notificações, o Facebook, o Instagram, o tempo, as notícias ou o mail do trabalho, ou um dos mil trezentos e cinquenta e quatro grupos de whatsapp...

Por estes dias, celebrando o Dia do Pai e a Solenidade do S. José, o silêncio voltou a ser chamado à nossa atenção, afinal de contas é a melhor citação de S. José: “______”.

Mas já não estamos habituados e estranhamos. Embora, se diga que seja um sinal de relações saudáveis: a capacidade de partilhar tempos de silêncio – sem vontade de cortar uma artéria ou fugir, acrescento eu.

Penso também nos nossos diálogos com Deus, nas nossas intenções, petições e pedinchices: sol na eira, chuva na horta, o Euromilhões para pagar o centro pastoral, paciência a quilo... então mas e dar tempo à resposta?

Na adoração ao Santíssimo há que haver um esquema, leituras para ir fazendo e pautando o ritmo do momento. E se demora, puxamos a Bíblia, as leituras do dia, a liturgia das horas, puxamos o terço. Tudo para não parar, vale tudo para não estar quieto.

Porque quando paramos podemos ouvir coisas que não queremos e nem é por mal. “agora não” “não estamos com cabeça” ou outra qualquer desculpa.

Recordo o desequilíbrio nos anos de vida de Jesus, trinta em silêncio, para três de acção e voz activa. Lá diz o povo que temos dois ouvidos e uma boca, para ouvir mais do que falar.

Em tempo penitencial, de conversão interior e de maior proximidade com o Senhor Jesus, intuímos já os vários silêncios que a Páscoa trará. Sobretudo dos discípulos incrédulos com o anúncio da paixão, o anúncio da traição, da mão no prato, o escândalo do “serei eu Senhor?”, a oração no horto, o silêncio da multidão diante do julgamento de um inocente, até ao silêncio do último suspiro do Senhor. 

Talvez possamos pedir o dom da coragem, de silenciar, dar espaço à resposta de Deus. nestes dias a meio caminho da Páscoa tenhamos a coragem de ouvir o que Senhor diz a quem se propõe escutar a sua voz silenciosa.

 Estou seguro que haverá agradácveis surpresas.

Pe. Patrício

Haverá vida pós-parto?

Partilharam comigo, esta semana, um pequenino vídeo, já com alguns anos, mas muito curioso. É uma espécie de metáfora para falar de Deus, da sua dimensão, da nossa vida.

É um diálogo entre dois bebés ainda no ventre materno. Um deles pergunta se haverá vida para além do parto. Talvez até conhecessem “a mãe”! ao que o outro responde que não há provas de que haja vida para além do ventre. Como iriam alimentar-se sem o cordão? Conhecer a mãe? Loucura!

O primeiro sonhava em comer com a boca, andar talvez... interagir com a mãe.

É bem claro onde isto nos leva e tem o seu quê de interrogação.

Olhava para o Evangelho deste Domingo e lá encontrava a Transfiguração de Jesus no Monte.

Aquilo que Ele faz é permitir aos seus discípulos entrever a vida pós-parto, que Deus sonha para a sua tão preciosa humanidade e que Jesus veio fazer acontecer.

E que tarefa complexa querer levar alguém para um sítio que não faz parte da sua imaginação ou do seu vocabulário até! Lá dizia o S. Paulo: loucura para os gentios, escândalo para os Judeus.

Pelo que, para além do carácter catequético que o texto tem, vejo sempre aqui um gesto inteligente de Jesus, como quem partilha fotos da viagem, ou da comida do restaurante favorito, onde deseja levar um amigo.

Mostrar-lhes o seu rosto glorioso, ainda que não fossem capazes de o perceber, foi oportunidade de criar um desejo no coração daqueles 3 apóstolos (e só aqueles).

 

Várias pessoas me perguntam como tem sido estes dias agora sozinho e o meu pensamento é sempre o mesmo: eu vejo uma paróquia no seu corpo glorioso. Como Deus a sonhou, como Deus precisa dela. E sinto-me um daqueles três discípulos: privilegiado pela confiança, mas sem saber bem o que vejo ou como chegar lá. Uma coisa é certa precisamos chegar lá e seremos capazes de chegar lá.

 

Tem sido desafiante manter a agenda e os hábitos, especialmente em tempo de visita ao domicílio para ver os nossos compadres que não se juntam a nós na Eucaristia. Mas sempre que vejo aqueles rostos de “pena do padre”, penso nos discípulos e naqueles bebés: não conhecemos, nem imaginamos uma realidade nova!

Eu estou a escrever isto já bem fora das horas da minha sesta nocturna.

Estes dias vários foram os funerais que foram acompanhados aos cemitérios pelos nossos ministros extraordinários da comunhão, que também já presidiram a alguns funerais (e a imagem da Nossa Senhora não caiu!)

Houve quem ficasse indignado por não ver lá o padre, mas também não soube dizer o nome do padre que lá faltava, como também, e isto é conversa para outras núpcias, nunca ninguém sabe quem é o padre para marcar o funeral.

Mas houve também apreço na surpresa, de quem se sentiu acompanhado, de quem apreciou a experiência humana de quem conduziu aquele momento de oração.

E tudo isto porque estamos habituados a fazer as coisas de certa maneira e nem sabemos bem porquê. Ninguém sabe explicar por que motivo é que tem que ser um padre a presidir a uma celebração que não é sacramento. Era boa ideia? -Era. Foi uma coisa que surgiu também para sustentar o clero? -Se calhar houve por aí no passado umas histórias de mercantilismo religioso.

Na próxima semana o Shemá será orientado pela equipa e pelos jovens para que eu possa ficar na igreja a confessar quem precisa. Porque isso só eu posso fazer. E só os sacramentos dependem totalmente de mim (e nem todos! Porque até o matrimónio pode ser presidido por um leigo. Mas estejam descansados que não vai ser possível o avô presidir ao matrimónio de um neto. Calma lá com isso!)

 

Mas verdade seja dita a paróquia precisa mudar. As paróquias precisam mudar.

- mas senhor padre, a Marinha é tão grande! O padre Jorge foi para 2 paróquias, com várias capelas. O que não nos falta por aí são paróquias com muito mais capelas do que nós temos, com maiores dificuldades geográficas, sociais e de deslocação.

 

Esta transformação vai doer a todos. E precisamos de ver o horizonte maior da nossa Diocese.

Sinto que estamos num momento em que nos rebentaram as águas. E embora o plano esteja definido, anda tudo louco à procura do saco para levar para a maternidade e à procura das chaves do carro que estão na mão esquerda entaladas entre a carteira e o saco e o casaco. O pânico cega e transtorna até as mentes mais preparadas.

 

 Este Domingo Jesus permite entrever o seu Rosto Glorioso, peçamos a graça de entrever uma paróquia diferente. Uma paróquia mais inteira, mais capaz, mais responsável, mais organizada, mais proactiva, mais viva, mais presença de Deus!

Não faltará nada a ninguém, mas efetivamente é uma vida nova, uma realidade que estamos a construir sem ter manual de instruções específico.

Da minha parte e onde as forças me chegarem tudo farei para ver esta paróquia tornar-se um farol de esperança, abraçar o convite de Deus.

Estou certo de que posso contar com todos vós para passando o susto das águas rebentadas, o pânico da viagem, enfrentar as dores de parto que culminarão imperiosamente no abração terno da nova criatura.

Padre Patrício Oliveira

Não comer carne à sexta-feira é fácil

Como diria o falecido Raúl Solnado “vinha eu na minha vida muito quentinho” quando me cruzo com uma muy reverente paroquiana, com quem tinha partilhado o dilúvio no cemitério, e pecador me confesso: cobicei-lhe a broa que trazia na mão da loja da Amélia Emília (sem patrocínio).

Acontece que a apanhei de surpresa e de boca cheia, partilhou comigo com uma alegria contagiante: senhor padre apanhou-me com a boca na botija! Vim buscar uns rojões para a janta e cheiravam tão bem que não resisti e já comi um! Estão óptimos!”

Eu nem queria acreditar que aquilo me estava a acontecer, e ainda a pensar na broa e feliz de ver um sorriso tão genuíno perguntei: “Hoje”. Creio que o rojão ainda não terá descido e desconfio que o jantar não terá sido tão aprazível como planeado.

Imaginam o resto da conversa.

Ainda acrescentou: “havia de me confessar, mas nem era por causa dos rojões.”

Fiquei a pensar no episódio que me caiu no colo desta forma tão espontânea. Efetivamente não comer carne nas sextas da Quaresma é fácil. Vivemos num país que tem mais de mil maneiras de cozinhar bacalhau (e acho que não incluí as receitas de bacalhau preto).

Efectivamente os tempos mudaram, bem como o acesso a variedade e quantidade de alimentos.

A Conferência Episcopal Portuguesa lá recorda que este exercício espiritual se pode concretizar na abstinência de carne. E a coisa está tão enraizada que permanece forte na memória coletiva. Quem me dera que o preceito da Eucaristia semanal e a confissão regular mantivessem essa presença na memória do povo.

Incomoda-me sempre a forma mecânica como vejo o preceito ser usado e anunciado: carne não, um peixinho fresco grelhado (caro que dói), ou marisco! O marisco pode-se!

E afinal porque não se pode comer carne ninguém pergunta.

A igreja recorda sempre a Sexta-feira Santa em todas as sextas, em abono da verdade o preceito é indicado para o ano todo (assunto para outro dia). recordamos a morte de Cristo por nós, a sua entrega na Cruz. Podemos ver aqui uma ligação espiritual com a carne de Jesus? Talvez. É importante? Sim, claro, é parte da nossa história e da nossa tradição.

Mas o que queremos mesmo é unirmo-nos ao Seu sacrifício. E sentirmo-nos amados, atrevo-me a dizer até: esmagados por tamanho amor e coragem. Dizemos que morreu por nós com demasiada facilidade.

Queremos sobretudo honrar este sacrifício. Morreu por nós porque nos ama. Porque Viu (Vê...) em nós um valor que talvez nem nós mesmos somos capazes de reconhecer. Deus apostou forte em nós!

Então tudo isto serve apenas para “puxar” por nós. Fazemos sacrifícios e penitências para nos emendar. Para um exame de consciência profundo e honesto. Reconhecer o quanto falta para chegarmos a ser o que aquele Jesus de Nazaré viu em nós. E diante disso, pedimos o dom de querer mudar.

Penitência, pelos pecados, jejum do que está a mais. O exercício de não comer carne, abster de pequeninos gostos, servem para nos lembrar DAQUELA Sexta-feira e que não podemos desistir de sermos inteiros/humanos/santos, ninguém O quer defraudar.

Não comer carne é fácil, pedir perdão é que é complicado.

Não matar, não roubar, não fazer mal a ninguém está muito aquém dos mínimos olímpicos do ser gente séria.

A dificuldade está nas coisas pequenas. As mentiras piedosas, as impaciências, o dedo rápido a julgar, o preconceito, a presunção de não ter pecados e ser melhor que os outros, a certeza de ser o único condutor que sabe entrar numa rotunda.

Difícil não é comer lombinhos de salmão em vez de bife da vazia, difícil é calçar os sapatos do outro.

Difícil é dar do que tenho e não do que me sobra. Difícil é não gastar para partilhar, não é dieta nem esmolazinha, é partilha e solidariedade, de moeda e de tempo.

Dificil é dar-me um pouco, mais até do que merecem

Mas foi isso que Ele fez!

Incomoda-me a beatice, a soberba de cumprir preceitos e coleccionar indulgências e olhar de lado para alguém que nunca ouviu falar da novena do terço dos santos mártires do penedo do norte de África, enquanto se alimentam tricas e ciúmes e maledicência disfarçada de frontalidade.

Mas como, ao contrário de certas pessoas, não comeram rojões: está tudo bem!

Ser católico é desconfortável! E dificilmente podemos andar descansados porque cumpri as minhas obrigações todas e tenho as contas em dias.

O católico caminha vergado pelo quanto nos falta e pela vergonha de teimar em fazer as mesmas coisas, mas caminha fortalecido pela confiança num Pai misericordioso que não o deixa cair e ficar na lama do seu próprio pecado.

É um caminho de tensão, que há-de ser alimentado pelos Sacramentos, pela oração, pela escuta da Palavra e pelos irmãos de caminho.

Que estes dias, sejam de esperança, de coragem, de dar de nós, de voltar para fora.

Vamos ter catequeses Quaresmais, perguntemos, partilhemos. Sejamos curiosos acerca do sentido das tradições.

Hoje no Evangelho perguntavam a Jesus: porque não jejuam os teus discípulos? Eu gostava de perguntar: “Porque jejuam vocês? Só porque sim?”

Não seja só dieta. Seja uma mudança profunda no modo de viver e de abraçar o Amor de Deus que olhamos pregado na Cruz.

Pe. Patrício Oliveira

O meu mais novo vai embora

Tem sido uma grande aventura ser pároco da Marinha Grande, desde descobrir por SMS que o ia ser, bem como o vigário paroquial que nos foi enviado e posteriormente este mais “novo” que agora se vai embora.

Não conhecia nenhum particularmente bem, e a avaliar pelo tamanho de ambos parece que o senhor bispo anda a tentar acertar no tamanho certo.

Embora meio assustadora, tem sido uma aventura interessante e desafiadora. Tanto o meu mais velho, como o meu mais novo são bem distintos, mas cada um deles traz consigo um tesouro precioso que acrescenta valor à paróquia e a mim, que sobrevivo a eles e à paróquia.

O padre Jorge despede-se hoje, depois destes anos de trabalho e casa partilhada. E é inevitável olhar para estes anos, que com pandemia e guerras e outras coisas tais, parece que foram noutra vida.

Hoje sinto que é tempo de manifestar gratidão. A Deus que nos foi conduzindo e cuidado de ambos (nunca foi preciso chegar a vias de facto!) e de modo particular ao padre Jorge que trouxe a sua história, a sua paciência interminável, uma serenidade que roça o irritante, mas sobretudo um grande desejo de trazer o amor de Deus onde quer que chegue.

Hoje sentimo-nos mais pobres ao despedir-nos dele, mas é inegável que estamos mais ricos por ter estado connosco.

Até já Senhor Prior do Souto e Bajouca.

Pe. Patrício Oliveira

Padres nossos

Cruzei-me quase por acidente com o texto do padre Augusto Pascoal, que partilho aqui e senti-o como meu. A residência de que ele fala sempre mexeu comigo a um nível muito íntimo, que me perturba profundamente, mais do que eu gostaria de admitir. Durante vários anos tive até muito dificuldade em entrar lá sem que me viessem algumas lágrimas mais atrevidas.

Nunca conheci muito dos padres que lá passaram, a não ser pelas histórias. O meu contacto com o presbitério é relativamente recente e antes disso só conhecia o meu pároco, o saudoso padre Manuel Ferreira e os vizinhos. Recordo com especial carinho o padre Zé Luís que sempre conheci em Seiça, que nos acompanhava nas actividades da pastoral juvenil da vigararia e a quem ganhei 5€ num jogo de autocarro numa dessas viagens. Só este ano é que ele passou à condição de emérito.

Mas ali na casa do clero, tudo me soava a injusto. Talvez por ter uma impressão tão positiva dos padres que conhecia, ver aqueles homens, reduzidos a uma sombra do que eram, magoava-me; talvez por me identificar ou antever ali um futuro longínquo. (não é muito diferente em qualquer lar onde vá, é diferente apenas por ser menos pessoal, os padres mais velhos, são para nós, os ainda novos, uma espécie de tios).

O padre Pascoal fala hoje em nome próprio das dores e dos medos que a humanidade carrega e transporta mais ou menos dolorosamente. A busca do sentido, para a vida e para as dores e alegrias. Podemos dar-lhe nomes diferentes, mas a dor é a mesma.

Por estes dias, com o Papa internado e com todo o ambiente de morte anunciada que a comunicação social nos vai impingindo, numa altura de profundas mudanças na nossa diocese, dou por mim a olhar para estes homens lá daquela “residência”, os que conheci na força da vida, os que vi decair; penso nos que foram meus professores, até penso nos meus dois mais novos, na véspera do mais novo sair de casa e sinto uma oração silenciosa por todo eles. Sento-me a escrever e junto o meu nome à lista dos que confio à oração dos meus paroquianos favoritos.

Tenho observado todo este processo com preocupação, surpresa e alguma apreensão. Custa-me ver as resistências, as conversas e as dores de todo o presbitério que se vê obrigado a reinventar-se sem saber bem como nem em quê. Um presbitério que enfrenta as mesmas dificuldades e resistências que as comunidades tiveram e que tanta luta deram a estes mesmos padres. Somos todos tão parecidos. Gostamos todos das nossas seguranças, estruturas e hábitos e lutamos com determinação para não as perder. Mesmo quem prega que “o Espírito sopra onde quer”.

O padre Albino dizia-me em Minde que a geração dele tinha sido educada e treinada para ser “o padre contra o mundo!” e alegrava-se com a diferença que via hoje em dia. mas na verdade o presbitério é ainda todo ele marcado por esta mentalidade de ser o que a psicologia chama “o super-homem”, fortes, determinados, sempre capazes, incansáveis, capazes de chegar a tudo, a centralizar e a micro gerir paróquias, serviços e movimentos. O super-homem só corre bem na banda desenhada e essa é uma lição que estamos todos a aprender da forma mais dolorosa possível. Sobretudo ao perceber que fizemos a fortaleza da solidão casa de habitação permanente e não apenas refúgio para dias difíceis e agora somos obrigados a mudar. A mudar para sobreviver e assumir que fomos vítimas de nós mesmos. Que não vimos os sinais, que não soubemos ler a diminuição das vocações e as comunidades a afastarem-se da responsabilidade.

Hoje estamos num ponto de viragem particularmente assustador, mesmo que confiantes na graça de Deus e na acção do Espírito Santo, é um momento é solene e difícil. A vós, comunidade cristã, não se pede já apenas que rezem pelo Papa e por nós clero, mas que voltem a casa, que voltem a assumir o cuidado e o governo das comunidades, não porque somos poucos padres, mas porque há coisas que os leigos sabem fazer tão melhor que nós. Partilhem da criatividade, deixem-nos ajudar-vos a fazer das paróquias casa e escola de comunhão.

Que se possa dizer em breve também de nós: “vede como eles se amam”.

Estou convicto que por detrás de todo este ruído está um Deus presente que desafia e conduz a uma igreja nova. Diferente daquela que conhecemos, eu e o padre Augusto. Já não é uma realidade para daqui a futuro mais ou menos distante, já começou. E já começou há mais tempo do que queremos admitir.

Abracemos este novo futuro com coragem, confiança e sobretudo de coração aberto ao sussurro do Espírito que continua a indicar o caminho.

Mudanças no tempo!

Mudanças… para muitos aparecem como um medo, para outros uma desgraça, para outros uma desculpa, para outros tantos uma graça, ainda que no meio da dor, a mudança se apresenta como um recomeço.

Há mudanças previstas e planeadas, sabemos que outras são inesperadas, umas grandes, outras pequenas, por vezes libertadoras e outras vezes mudanças indesejadas, pequenas, grandes, entusiasmantes. As mudanças podem, também, vir como o vento que na sua brisa nos revela que está na hora de dar lugar ao que de novo está para chegar.

 As mudanças, por vezes, chegam sem pedir licença… mas elas acontecem e acontecem no tempo!

Na nossa vida tudo requer tempo, por menor que esse seja; “tempo para nascer e tempo para morrer; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de destruir e tempo de construir; tempo de buscar e tempo de perder, tempo de guerra e tempo de paz....” (Ecl.3, 1-8), até a natureza é regida pelo tempo, nas suas diferentes estações (primavera, verão, outono, inverno), e também há tempo para esperar o agir de Deus e ver o cumprimento da Sua promessa. 

A ideia de que sempre temos que estar bem, ser felizes, saudáveis, ricos e andar sempre em festa, talvez possa ser uma ideia muito romanceada ou de filmes, de novelas e sermões da prosperidade, mas nem sempre assim acontece! Há tempos em que sofremos, choramos, estamos doentes, desistimos, calamos a dor, a injustiça, a solidão.

Mudanças no tempo que pedem a mudança do “eu”.

Na vida de Jesus também houve tempo para tudo: tempo para nascer, tempo para rir, tempo de ensinar, tempo de chamar discípulos, tempo de curar, tempo de ficar em silêncio diante da barulheira do mundo, tempo de falar do amor de Deus enquanto partiam o pão da ceia, tempo de suar gotas de sangue com o tão grande sofrimento e tempo de morrer e de ressuscitar. 

Jesus teve que esperar ser adulto, esperar para ser batizado por João, esperar para que se cumprisse através d’Ele todas as profecias, esperar pelas acusações, esperar pela dor, esperar pela cruz, esperar para estar novamente a direita de Deus Pai. 

E Jesus como é que respondeu diante deste tempo de espera? 

Oração, tempo com o Pai, silêncio, lágrimas sim, mas em momento nenhum, revolta, desanimo ou vontade de desistir. 

O Senhor permite todas as "estações" nas nossas vidas para que a Sua vida se possa ir aperfeiçoando na nossa vida! Para que a Sua Glória possa ser vista em nós e outros perguntem e digam: “Estás diferente”, e nós possamos responder: “É a luz de Cristo em mim!.” 

Mas para isso precisamos pedir sabedoria para agir no tempo em que nos são pedidas mudanças.

Ao nível eclesial e da Igreja também somos desafiados a “agarrar” as mudanças que nos são ditadas pelos sinais dos tempos, e, a acolhê-las na fidelidade ao Evangelho e na senda daquilo que foram sendo os ensinamentos dados e deixados pela Tradição e Magistério da Igreja.

Nessas mudanças, “Não escondemos que experimentámos em nós o cansaço, a resistência à mudança, a tentação de fazer prevalecer as nossas ideias sobre a escuta da Palavra de Deus e a prática do discernimento.(...) O discernimento que podemos classificar de eclesial, exercido pelo Povo de Deus...que se esforça por discernir nos acontecimentos, nas exigências e aspirações, em que participa juntamente com os homens de hoje , quais são os verdadeiros sinais da presença ou da vontade de Deus.

(...) Ao viver o processo sinodal, tomámos nova consciência de que a salvação a receber e a anunciar passa através das relações. Ela vive-se e testemunha-se juntos. (...) O sentido último da sinodalidade é o testemunho que a Igreja é chamada a dar de Deus, Pai, Filho e Espirito Santo...” (Documento final do Sinodo dos Bispos) que precisamos que chegue até aos confins da terra e a todos os corações dos homens e mulheres nossos irmãos do nosso tempo.

Neste caminho sinodal também a nossa diocese foi participante e, na escuta que fizemos uns dos outros, iluminados pelo que nos diz o Espírito, chegou o tempo de mudanças que tocaram também á nossa paroquia da Marinha Grande.

A formação das Unidades Pastorais torna-se uma realidade e abre o tempo para o desafio de mudarmos ritmos, compromissos, disposições pessoais e nos abrirmos a vivência da fé em comunhão eclesial e de maior proximidade ao coração de Jesus e dos irmãos.

Nada ficará como dantes, porque Jesus quer ser dito e anunciado de maneira criativa de modo a tocar todos os corações inquietos que procuram desbravar caminhos novos e a viver na plenitude a sua humanidade.

Para que isso seja uma realidade é preciso “partir” com o sentido de que “É necessário que Eu anuncie também as Boas Novas do Reino de Deus em outras cidades, pois precisamente para isso fui enviado.”(Lc 4, 43).

É com este sentido da missão e da realização do meu ministério que parto e deixo a paroquia da Marinha Grande, com as expectativas que as mudanças acarretam, mas, com a certeza de que é por vontade de Deus e de que irmanados na fé permaneceremos juntos!

Mudanças no tempo que humanamente se apresentam difíceis, mas que em Deus são pacificadas e felizes!

Até já....!

à sombra da barragem...

Sento-me à sombra da barragem
Do lado da secura
Não para resolver a sede, porque sei
Que a sede não se cura

 E tentei escalar esta parede
Tentei furar até ao outro lado
Mas nada há pior para um homem
Que querer viver saciado

Sento-me à sombra da barragem
Do lado dos desertos
Como um mendigo de mão estendida
E de olhos muito abertos 

E perdi a voz a gritar para o alto
Juntei entulho para fazer um monte
Mas se quero abolir a sede
Quem me guiará até à fonte
 

Permaneço no deserto
Eu não vou tomar atalhos
 

Sento-me à sombra da barragem
Do lado do desejo
Vivo de uma invencível esperança
No que não sei, não toco, não vejo
 

E pedi respostas já prontas
Como um ferro dobrei a verdade
Foram barras de uma prisão maior
É que a sede é condição da liberdade
 

Sento-me à sombra da barragem
Do lado da espera
Sempre me soube como lixo, o plástico

Que a pressa gera 
E já provei o desespero
E já se esgotou a coragem
Mas não se vive senão da sede
Sentado à sombra da barragem
 

Permaneço no deserto
Eu não vou tomar atalhos
 

Permaneço no deserto
Eu não vou tomar atalhos

- Pe. Duarte Rosado, SJ

  

Cruzei-me com o trabalho do padre Duarte muito recentemente, para minha grande vergonha, e tem sido uma lufada de ar fresco.

Está em grande destaque o trabalho Isaías e a Fragilidade, onde traz melodia ao livro de Isaías, mas as letras de autor, revelam uma humanidade tão profunda e tão verdadeira, que parecem dar voz a pensamentos e sentimentos que nem sabia ter, mas que estão cá dentro e trazem peso aos dias.

Temos partilhado com a comunidade a eminência das mudanças, nomeações, re-organização da Diocese, da Paróquia e tudo o mais que isso implica. Sinto um processo necessário, mas doloroso, que valerá a pena, mas que será desafiante.

E sinto as reservas, as dúvidas, os apegos e as dificuldades de abraçar algo novo mesmo sabendo ser para melhor.

Sei que precisamos de uma forte ligação com a raiz da nossa Fé, com a Palavra, com a pessoa de Jesus e uma enorme atenção às moções do Espírito que sopra, conduz e suporta a Igreja que somos e a que gostávamos de ser e sobretudo a que Deus quer que sejamos.

A humanidade da fragilidade do coração humano, que o padre Duarte tão bem canta, toca-me profundamente nestes dias. Sinto-a como minha, provocada por mim ou pelas circunstâncias, mas minha, que me abala, me faz tremer e duvidar de tudo.

E mesmo sem ver, que agora o futuro me parece muito opaco, sei que do outro lado há um Deus que chama, que aguarda pacientemente, tal como o Pai do(s) filho(s) pródigo(s): à espera que percebamos que é a confiar nele que encontramos a nossa casa.

É ali que encontraremos a igreja que Deus sonha para nós, uma casa que oferece paz, tranquilidade, conforto, segurança, mas também a coragem de sair para mais longe.

Mas hoje, hoje sento-me à sombra da barragem e temo que possa estar do lado errado à procura do Pai que aguarda que me(nos) encontremos.

Rezemos por estes dias, pela comunidade, por um coração disponível que se deixe amar e transformar.

padre Patrício Oliveira

(Para quem tiver tempo e paciência e auscultadores para ouvir fica aqui o trabalho do padre Duarte)

 

Vamos transformar o mundo...discipulando!

Mudar o mundo é um objetivo muito altruísta, muito bonito, uma visão muito romântica, até podemos dizer muito encantadora. Ao querermos empreender em tal missão talvez possamos descurar o quanto isso requer de nós, mas é um ideal que faz arder o coração. Será que conseguiremos mudar algo sentados no comodismo do nosso sofá, sem abandonarmos nada, sem sacrificarmos nada?

A resposta parece-nos lógica: não!  

O Papa Francisco  na Vigília de oração da Jornada Mundial da Juventude realizada em Cracóvia, Polónia, em julho de 2016, falou-nos sobre a atitude de “sair do sofá” para sermos atores da mudança do mundo:

“Julgar que, para ser felizes, temos necessidade de um bom sofá. Um sofá que nos ajude a estar cómodos, tranquilos, bem seguros.(...) Um sofá contra todo o tipo de dores e medos. Um sofá que nos faça estar fechados em casa, sem nos cansarmos nem nos preocuparmos.

Jesus não é o Senhor do conforto, da segurança e da comodidade. Para seguir a Jesus, é preciso ter uma boa dose de coragem, é preciso decidir-se a trocar o sofá por um par de sapatos que te ajudem a caminhar por estradas nunca sonhadas e nem mesmo pensadas, por estradas que podem abrir novos horizontes, capazes de contagiar-te a alegria, aquela alegria que nasce do amor de Deus, a alegria que deixa no teu coração cada gesto, cada atitude de misericórdia. (...) Caminhar pelas estradas do nosso Deus, que nos convida a ser atores políticos, pessoas que pensam, animadores sociais; que nos encoraja a pensar uma economia mais solidária do que esta.(...) Deus espera algo de ti, Deus quer algo de ti, Deus está à tua espera.” 

O que disse aos jovens naquela noite a todos nós se dirigia!

Jesus já nos tinha deixado claro a atitude a que somos chamados:

Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, mas, o que perder a sua vida por minha causa e do Evangelho, salvá-la-á.” (Mc 8, 34-35)

No seguimento das palavras de Jesus devemos pensar e avaliar se realmente estamos dispostos a mudar o mundo custe o que custar inclusive a nossa “liberdade”. Cristo usa a palavra “quiser”, entenda-se que nem todos querem viver esta vida de renúncia, que implica escutar a sua voz, respeitar e obedecer às suas ordens sem questionar se para isso temos que morrer para nós mesmos.

È um dado adquirido e humano que renunciar aos projetos, vontades e desejos pessoais se trata de um exercício difícil, doloroso e, para lá disso, suportar humilhações, perseguições, traições e manter a alegria, harmonia e paz é uma situação que se apresenta quase utópica.

Será que estamos dispostos a isso, sem colocar a Deus limites, como: “olha Senhor é melhor parar por aqui...nesse sentido não consigo prosseguir...não tenho coragem, não sou capaz, não tenho qualidades para...! e com essas desculpas querer fazer as coisas apenas á minha maneira?

É certo que estamos num mundo em mudança e de muitas mudanças no mundo, onde Deus e o Evangelho aparecem como idealismos ultrapassados e que bloqueiam a felicidade humana.

O mundo mudou muito, principalmente nos anos que abrem o século XXI. Não se pode negar a consequência dessa transformação no panorama cultural, social, político e religioso ao nosso redor. Por isso, entender o que se passa deve ser a primeira reação daqueles que querem mudar o mundo, não de uma maneira qualquer, mas no seguimento de Cristo e por Cristo... numa atitude de discípulos missionários dispostos a fazer disseminar a Boa Nova que nos foi deixada pelo Mestre.

Hoje nas nossas comunidades, ou mesmo dentro das nossas casas, existem por causa dessas mudanças, pessoas com dificuldades em confiar nas outras, intolerância em grau extremo ou um tipo de tolerância/fechar de olhos que não é mais do que complacência com as situações de guerra, fome, solidão, abandono, abusos, autossuficiência, que degradam a dignidade da pessoas humana. Pior que esta “tolerância” é a indiferença que deflagra no coração e mente dos homens. Uma indiferença que mata!

A denúncia e o combate à indiferença perante a injustiça e o sofrimento dos outros tem sido um dos motes do discurso e da ação do Papa Francisco. Na sua encíclica Fratelli Tutti, o Papa fala-nos duma “indiferença acomodada, fria e globalizada, filha duma profunda desilusão” [30], falsamente justificada pelo determinismo ou fatalismo em que nos deixamos, tantas vezes, cair [cf. 57].

O amor que dá vida à fé em Jesus não permite que os seus discípulos se fechem num individualismo asfixiador, escondido nas pregas duma intimidade espiritual, sem qualquer efeito na vida social (cf. FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 183).

Podemos então dizer que para o cristão também nada é indiferente! Seguindo as pegadas do Mestre, é preciso que nos esforcemos por ser verdadeiros discípulos que irradiam a alegria do Evangelho nas sua vidas, que contagiam os outros com a sua palavra e paz, que transformam vidas com o seu amor e fraternidade. Isto é viver o discipulado com autenticidade, na fidelidade á tradição, perscrutando caminhos novos onde o Evangelho se apresenta como bálsamo para a humanidade.

Viver como verdadeiros discípulos missionários é mostrar a coerência entre o que pregamos e o que vivemos, levar a que os que escutam a nossa mensagem possam ser conduzidos ao Mensageiro.

Se assim agirmos, se a nossa ação e, consequente discipulado, tiver as marcas reais de Jesus Cristo, o Evangelho continuará a ser, como de fato o é, a mensagem que salva, liberta, esclarece, limpa, satisfaz e eleva o ser humano à sua dignidade original.

Sejamos discípulos autênticos. E demos o testemunho autêntico que leva a gerar novos discípulos, tudo para a maior glória de Deus!

Li e gostei e por isso deixo abaixo este belo texto, de autor desconhecido, que vem ao encontro da nossa reflexão:

Quando era jovem, queria mudar o mundo. Achava difícil mudar o mundo, então eu tentei mudar a minha nação. Quando descobri que não conseguia mudar a nação, comecei a focar-me na minha cidade. Não conseguia mudar a cidade e como um homem mais velho, eu tentei mudar a minha família.

Agora, como um velho, percebo que a única coisa que posso mudar sou eu mesmo, e de repente percebo que se há muito tempo eu tivesse mudado a mim mesmo, eu poderia ter causado um impacto na minha família. A minha família e eu poderíamos ter causado um impacto na nossa cidade. O impacto deles poderia ter mudado a nação e eu poderia, de fato, ter mudado o mundo.

Queres mesmo mudar o mundo?

Não te esqueças que “Deus espera algo de ti, Deus quer algo de ti, Deus está à tua espera.”!

O poder da palavra

Não é preciso muito para fazer um rápido exercício de memória e recordar momentos da nossa vida em que uma única palavra tocou as nossas fundações mais profundas. As memórias da primária: “És burro!”, “Feio”, “Gordo”, “Não vales nada”, “odeio-te”; “Obrigado”, “Gostei muito”, “Amo-te”...

Ficam marcadas na memória, trazem angústia e esperança, conforto ou uma dor profunda que nos faz duvidar de nós. Mas uma só palavra pode também fortalecer e ser a diferença entre a vida e a morte.

A quem iremos Senhor? Só tu tens palavras de vida eterna”, dizia S. Pedro; mas Aquela Palavra já estava na criação, aquela Palavra foi instrumento de criação dos céus, da terra, das esferas celestes, tudo o que se vê e não vê.

Aquela Palavra chamou Samuel, mas era também a brisa suave que fez Elias sair da gruta. Aquela palavra atraía multidões: curiosos, doentes, coxos, gente sem esperança, que vinham de todo o lado, que se colocavam em peregrinação para ouvir.

Penso sempre quão marcante terá sido para leprosos e marginalizados que era evitados a todo custo, ignorados, e que de ouvem Jesus dirigir-se-lhes, talvez pela primeira vez em anos.

O que terá sentido a Samaritana quando percebeu que Ele estava à espera dela!

A Palavra continua à nossa espera tal como esperou a mulher Samaritana, continua a passar entre nós e pára quando chamamos, mas também chama por nós quando subimos a uma árvore para o ver melhor.

Talvez para nós hoje não seja tão óbvio ou tão visual, mas a Palavra é a mesma e está até mais perto e acessível. Li em tempos que toda a Bíblia é uma carta de amor que Deus escreve à humanidade. Os mais velhos recordar-se-ão, e aposto que muitos ainda as guardam.

 Neste Domingo da Palavra de Deus, o Papa Francisco desafia-nos a lê-la com novos olhos. É carta para cada um de nós. Foi escrita para a nossa história e para as nossas circunstâncias. E adapta-se sempre, e é sempre nova, porque é viva e Eficaz, porque é Deus que se torna presente, ou porque nos abre caminho à oração. Seja um Salmo que rezamos como se fosse nosso, seja rever-nos em qualquer uma das personagens que ali são descritas. Ou porque simplesmente revelam como Deus fala.

Num mundo tão marcado pela escuridão, para nós que nos sentimos tantas vezes sozinhos a Bíblia que temos ali guardada na estante pode bem ser o bilhete para sair dessa desolação.

Neste dia, peçamos novos olhos, novo olhar, um coração disponível que faz uma pergunta apenas: o que diz Deus à minha vida hoje, com esta palavra.

Pe. Patrício Oliveira