Peregrinos do algoritmo juvenil

Em férias tenho gosto em ir à missa à paisana. Gosto de ir com os pais, como quando era miúdo, que o tempo já não sobra muito para estes momentos. Vamos a Fátima, eu não tenho de preparar homilia, nem levar túnica. Ainda estacionamos o carro no mesmo sítio há 30 anos.

Esta semana fomos à Basílica do Rosário às 07h30, porque é de manhã que se começa o dia e para grande surpresa encontrei uma igreja cheia.

Surpreendeu-me, no entanto, o número de comunidades religiosas presentes. Uma boa meia dúzia, todos com um grupo significativo, o que significa que não era uma ida individual, pareceu-me ser a “missa da comunidade”.

Cresci, e já depois de padre e de velho, a ouvir a expressão: “há muito padre em Fátima”. (Sobretudo como forma de reclamação quando não há missa nalguma capela, quando a solução óbvia seria ir buscar um a Fátima. A maior parte destas vozes nem sabe distinguir a Cova da Iria com Fátima, ou a Estrada da Beira com a beira da estrada).

O número de padres ali observados no Santuário (aqui equiparado a um espaço de observação de aves raras – curiosamente também chamado de santuário) é muito enganador. Sempre foi.
Os que vemos nas grandes celebrações são, como os leigos, peregrinos e por isso de passagem.
Outros passam algum tempo e por isso dão uma ajuda temporária, mas não permanecem.
Na cidade, e dado o grande número de casas religiosas, sim, “sempre houve muito”, que vivem nas suas comunidades e vivem o seu ministério de acordo com o seu carisma próprio.

Mas Domingo, ao olhar a quantidade de comunidades, e sim, reconheci várias e são residentes em Fátima, senti como que um arrepio. Uma voz dizia-me que vivemos tempos de mudança. E até onde houve sempre abundância começa a haver escassez. E sim, é uma leitura rápida, que terá outras implicações. Há muitas comunidades novas, algumas recentes em Portugal, com poucos meios, etc, falaremos disso outro dia.

A mudança é óbvia e está lá. É um sinal negativo? Não sei. Sei que desafia e desinstala.
Pode ser aproveitado pelos profetas da desgraça, pode ser um desafio positivo.

Numa semana em que as notícias do Jubileu dos Jovens nos enchem o coração e os números nos surpreendem dou por mim a pensar: “o que é que Vossemecê me quer dizer com isto?”
Não é de todo uma questão de falta de fé, ou o abandono.
Há curiosidade. Não são, no nosso caso 11.000 “apenas” turistas religiosos.
A JMJ 23 deixou-me com uma sensação de montanha que pariu um rato? Sim.
Porquê senhor padre?
Porque não lhe soubemos dar o enquadramento para tirar proveito, talvez. Porque foi uma coisa gira e fixe, mas que não deu o “alão” que gostávamos.

Há uns dias o colega de Constância dizia-me que em todos os países em que se fazem as Jornadas, tem acontecido um boom vocacional, em Portugal não se viu nada semelhante. Creio que não exsta um estudo que prove esta observação, vale o que vale, mas entendo o ponto de vista.

Talvez insistamos em dar respostas aos jovens a perguntas que eles não sentem como suas. E por sua vez, porque teremos dificuldade em responder às perguntas que eles colocam.

Que eles colocam na cabeça deles, porque não falam, não expressam, não articulam, e nem sempre entendem fazer sentido nas suas cabeças. E aguardam um algoritmo que os entenda, e que os ajude a entender o mundo e a perceber de onde lhe vem a fome e a comichão.

 A falta de padres e de vocações pode ser sinal deste desencontro.
Não é culpa de ninguém por assim dizer. É o mundo a acontecer muito depressa. Depressa demais para o nosso ritmo.
Por isso vejo com grande expectativa estas iniciativas, e de modo muito especial este evento do Jubileu e os nossos 8 Peregrinoturistas. E tenho grande esperança.

Ao mesmo tempo sinto uma grande pressão em sermos capazes de nos posicionar corretamente para os acolher, para ouvir, mas sobretudo para recebermos o mundo novo que se está mostrar e a caminhar apressadamente para substituir este em que vivemos.

Bem sei que estamos aqui há pouco. O Papa João Paulo II - que deve estar a rebentar de rir com esta movimentação juvenil e com as suas dimensões – falou em Nova Evangelização. E esmagadora maioria da igreja ainda procura perceber o que significa e como fazer. Passaram 40 anos.

Impõe-se voltar ao Evangelho. À origem. À missão. Ao exemplo de Jesus.

Hoje celebramos o S. Tiago Maior, filho do trovão! Cheio de boa vontade, até queria mandar vir fogo do céu.
A tradição coloca-o a fazer a viagem de Jerusalém até aos “fins da terra[1]” tal não era o desejo ardente de levar Jesus a todo o lado.  
Imaginam o que é uma viagem daquela no primeiro século?
Parar não é opção, ficar quieto menos ainda.
O tempo é de mudança, mas sobretudo de oportunidade.

Jesus chamou gente normal, com o coração na boca! Que demorou muito tempo a perceber o que era a missão.
A igreja mudou muito em 2000 anos. E agora muda ainda mais rápido, rezo para que saibamos acompanhar a mudança e que ela seja uma evolução em ordem à origem e não apenas uma adaptação às necessidades.
Este Jubileu da Esperança, esta geração, que são os próximos, enche o meu coração de inquietação, mas de expectativa.

Anseio o regresso deles, e dos outros, e do brilho de quem diz: “eis-nos aqui e trouxemos ideias e vontade!”

Pe. Patrício Oliveira

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[1] O cabo Finisterra é popularmente tido como o ponto mais ocidental da Espanha. Diz-se que antes da viagem de Colombo, em 1492, era considerada como o ponto extremo do mundo conhecido, algo muito estranho pois tal distinção devia ser antes atribuída ao cabo Touriñán, também na Galiza, e mais ainda ao cabo da Roca, já em território português, verdadeiramente o ponto mais ocidental da Europa continental, facto que é referido no Canto III de Os Lusíadas.

Onde encontro Deus

Sim, é tempo de férias,
mas nem era a mesma coisa se não dissesse nada.

O algoritmo do Youtube chamou-me a atenção para um género que eu não ouvia.

Esta foi uma surpresa muito bonita, chamou-me a atenção a doçura com que um homem tão grande, barbudo e másculo consegue colocar.

Descobri que é um dos grandes nomes da música Country da actualidade, já deu uma perninha com o meu querido Zach Wlliams que deixou a música country para se dedicar ao louvor, mas mantém a barba.

Nestes dias mais tranquilos de férias e de calor e dias demorados, partilho convosco esta, em jeito de oração.

Segue-se a tradução muito livre e automática.

E sim, pode ser em qualquer lado, abrandamos o ritmo (alguns), o que pode ser uma oportunidade incrível para o encontro. Assim como assim, agora sobra mais tempo para a oração e até para ir à missa, mesmo no verão!!

Até já!

Pe. Patrício Oliveira

Naquela noite cheguei ao fundo do poço sentado num velho banco de bar
Ele pagou a minha conta e meteu-me num táxi - não precisava
Mas Ele podia ver que eu estava a sofrer, ah, eu queria ter o nome Dele
Eu não me sentia digna de ser salva, mas ele salvou-me na mesma

E naquele dia na água em que o peixe simplesmente não mordeu
Larguei a minha vara, flutuei - estava tão quieto
Eu ouvia o meu velho... Dizendo: filho, fica quieto
Não se pode encontrar paz assim numa garrafa ou numa pílula 

De um banco de bar, para aquele Evinrude[1]
Domingo de manhã num banco de igreja
Numa barraca de caça de veados ou num campo de feno

Uma autoestrada interestadual de volta para Nashville
Num Chevrolet com as janelas abertas
Eu e Ele apenas a passear
É, às vezes.... Esteja eu à procura Dele ou não
É onde encontro Deus

 Às vezes, tarde da noite, deito-me e ouço
O som do coração dela a bater e aquela música que os grilos cantam
E não sei o que estão a dizer
Mas parece-me um hino
Não, não sou muito bom a rezar
Mas obrigado por tudo 

De um banco de bar, para aquele Evinrude
Domingo de manhã num banco de igreja
Numa barraca de veados ou num campo de feno
Uma autoestrada interestadual de volta para Nashville
Num Chevrolet com as janelas abertas
Eu e ele apenas a passear
Sim, às vezes... Esteja eu à procura dele ou não
É onde encontro Deus

 De um banco de bar, para aquele Evinrude
Domingo de manhã num banco de igreja
Numa barraca de veados ou num campo de feno
Uma autoestrada interestadual de volta para Nashville
Num Chevrolet com as janelas abertas
Eu e ele só a andar por aí a conversar...
Bem, eu faço muito isso, bem, eu faço muito isso
Porque é onde encontro Deus

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[1] Marca de motores de barco

PERDER TEMPO PARA RECUPERAR O SENTIDO DO TEMPO

Esta semana partilho a voz de quem sabe bem  o que diz.

A PROPÓSITO DO JUBILEU DO ANO 2025

Editorial da Revista Brotéria de Fevereiro de 2025, do padre José Frazão Correia, SJ

Tudo, a toda a hora, em todo o lado, escreveu recentemente Stuart Jeffries[1], mostrando como nos temos vindo a tornar mais consumidores acríticos do que cidadãos conscientes. Homens e mulheres pós-moder- nos, dessacralizados e abertos, fluidos, flexíveis e irónicos, cada vez mais sofisticados e especializados, deixou de nos constringir qualquer sentido sacral originário e último que se reconheça à vida e à história. A noção de que o tempo tenha um sentido esvazia-se. Sem qualquer ato fundador, o tempo não vai para lado algum; sem sentido anterior ou exterior a cada indivíduo e às dinâmicas sociais, simplesmente corre, e nós corremos com ele ou atrás dele, constantemente atrasados, sempre com falta de tempo. Parece, por isso, poder-se ignorar a origem e o papel da memória, dispensar o horizonte e um fim último que organize sensatamente o curso do tempo. Bastará o instante presente como lugar de realização do direito à felicidade individual que facilmente se identifica com produção e consumo, competição e sucesso – num artigo publicado no jornal Público no passado dia 5 de janeiro, intitulado “Elon Musk, a parábola de um ‘génio’”, escrevia Davide Scarso que um «individualismo competitivo» se vai elevando «ao estatuto de virtude

suprema». Até para o gozo dos bens culturais passámos a usar o verbo consumir. Estranhamente, também as artes e as letras se consomem. Produzimos, portanto, e consumimos, investimos e acumulamos para crescer sempre mais. Se há progresso, é todo económico, servido pelo tecnológico. Ao mesmo tempo, lamentamos não ter o suficiente. Nunca basta o que temos. Na saúde, na escola, na justiça, na habitação, na defesa… faltam sempre recursos económicos. Entre nós, esta narrativa contabilística e utilitarista parece gerar, hoje, mais consenso do que a causa da qualidade da democracia, da fraternidade que seja verdadei- ramente universal ou do cuidado da casa que partilhamos.

A experiência temporal é, porém, mais complexa e conviria salva- guardar tal complexidade como forma de cuidado da humanidade que nos é comum e dos seus ritmos mais elementares. Hoje, esta poderia ser mesmo uma parcela muito relevante do contributo que o universo religioso, de modo particular o judaico-cristão, poderia oferecer para o bem comum – pena é que, tantas vezes, a palavra pública dos crentes afunile no registo, ora moralizante, ora espiritualizante, e não cultive suficientemente nem consiga expor de forma significativa a sabedoria prática sobre dinâmicas humanas elementares acumulada ao longo de gerações e o seu alcance político.

Entre o tempo do trabalho e o tempo livre, entre o tempo produtivo e o tempo de descanso, há um outro tempo, com uma sabedoria e uma lógica próprias: o tempo festivo, aquele em que, com outros, de modo festivo, precisamente, se perde tempo para recuperar o sentido do tempo. Fazer memória e projetar, religando à verdade da existência, é a função do tempo festivo. Sem esta ordem terceira do tempo, o carácter binário do trabalho e do tempo livre, a que, desde o início da industrialização das nossas sociedades, a lógica do tempo tem vindo a ser reduzida, facilmente degenera, o primeiro, em necessidade funcional e imposição externa da qual não se pode escapar e, o segundo, em fuga temporária do trabalho opressor e procura de divertimento evasivo.

Não podendo o ser humano decidir o próprio início e não tendo total domínio sobre o seu destino, a festa põe de novo em contacto com a bondade e a gratuidade da origem e da promessa das coisas últimas. Faz-se memória grata do mais essencial e necessário para relançar o futuro na confiança. A existência – o tempo e a natureza, as relações e o amor e os outros bens elementares sem os quais não vivemos bem – é recolocada no registo do dom, aquém e além do mero acaso, da produção, do comércio, da conquista. A verdade passa por aqui. Por- tanto, a razão também. A graça é mais originária do que o mérito, o gratuito precede o conseguido, ter recebido vem antes de poder dar, partilhar é mais originário do que comerciar.

Como explica o teólogo Armido Rizzi, perante a dureza da necessidade que o trabalho pode exprimir e o caráter alienante que o tempo livre tende a exibir, a festa recoloca a vida no horizonte da gratuidade do necessário, da necessidade do gratuito, da beleza do essencial.[2]Consequentemente, da responsabilidade pelo dom recebido e do dever da partilha. Por isso, a festa é mais lugar de compromisso ético do que lugar de êxtase estético.

Neste sentido, ainda nas palavras de Rizzi, «a dimensão estética não salva o mundo. O homem que se reconhece na festa bíblica diz que a beleza será o mundo salvado, mas não será a beleza a salvar o mundo. Será antes a responsabilidade pela justiça e pelo amor que o salvará».[3] Reconhecer e acolher a vida como dom, gera gratidão, reforça laços e responsabiliza pelo que é comum. Com outros, porque a festa é estruturalmente comunitária, recorda-se, louva-se, agradece-se e assume-se responsabilidade por um bem originário e promissor, uma dádiva primeira, incondicional e permanente que tudo traz à vida e que tudo mantém em vida. Suspendendo ciclicamente por momentos o fluir inexorável do tempo e a ação produtiva no espaço, recupera-se da tentação existencial ao esquecimento, à inveja, à ingra- tidão, à demissão.[4] Ao interromper o trabalho e ao dar uma fisionomia própria ao descanso, o tempo festivo celebra a vida gratuita, própria e alheia, recuperando o que lhe é mais elementar e necessário. Assim se assume responsabilidade por ela.
A beleza que a festa celebra é a do mundo salvaguardado – salvo pelo cuidado, assim mesmo.

Este longo preâmbulo vem a propósito do Jubileu que a Igreja Católica celebra ao longo de 2025, porque é com a lógica do tempo sensato e com a forma responsável como se age no tempo que o Jubi- leu tem a ver. Este ano, trata-se do 27º Jubileu Ordinário, que, desde o século XV, acontece de 25 em 25 anos, tendo sido o primeiro procla- mado em 1300.[5] O Papa Francisco convocou-o a 9 de maio de 2024 com a Bula Spes non confundit e quis pô-lo, precisamente, sob o sinal da esperança que não engana. As “portas santas” que se têm aberto desde o início do ano ficam como símbolo performativo de passos coerentes de conversão e de passagens promissoras.

Com a santificação do domingo, o primeiro dia da semana, a tradição cristã retomou a tradição hebraica que identificava o sábado como o centro do tempo semanal (há um dia em que não se trabalha, se abstém de produzir e de comerciar e se consome o que se produziu antes), a páscoa como centro do tempo anual (Deus criador age na história salvando), o jubileu como centro da sucessão das gerações (de 49 em 49 anos – 7x7 –, vive-se um tempo em que a terra, da qual Deus é o único senhor, repousa e os escravos readquirem a liberdade). Invenção medieval, o Jubileu cristão recupera e repropõe para o ciclo de uma geração a lógica semanal do sábado/domingo que é outra em relação à da posse e da produção, da conquista e do mérito, do crédito e do débito. A graça – a abundância, a gratidão, a gratuidade – diz o sentido do tempo e pode dar uma forma justa à vida individual e coletiva. Viver bem o presente com outros, sobre a terra recebida como casa, pede memória do bem recebido, arrependimento do mal praticado – recuperando a lógica do dom, abre-se espaço para o perdão pedido e concedido –, projeção do futuro como promessa.

É muito o que se joga no Jubileu como tempo extraordináriopropício para que a forma ordinária da vida se confronte criticamente com a avidez da posse e a obsessão do crédito e recupere o dom e o perdão como seu princípio e fundamento. Será um propósito ingénuo, sem alcance social e político, atendendo às grandes lógicas que determinam a geopolítica mundial e a nossa vida coletiva? Não seria certamente se, como apela o Papa na sua Bula, levasse a atender convenientemente à causa dos doentes e dos idosos, dos migrantes e dos pobres, das dívidas públicas dos países mais pobres e das penas dos reclusos. Mas, mesmo que tal não acontecesse, voltar a considerar a gratuidade do necessário, a necessidade do gratuito, a beleza do essencial é uma necessidade para permanecermos humanos, responsabilidade à qual, cada um ao seu modo, não deverá renunciar.

Paul Krugman, prémio Nobel da Economia em 2008, despediu-se recentemente da coluna que teve durante 25 anos no The New York Times, escrevendo sobre como encontrar esperança numa era de res- sentimento. Também na economia mundial, na política internacional, no conserto das nações, parece importante manter aberta a porta da esperança. A lógica do dom e do perdão que o tempo festivo retoma e celebra poderá orientar os passos que é preciso dar para a atravessar. O Jubileu oferece um tempo oportuno.


Padre José Frazão correia, SJ

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[1] Lisboa: Zigurate, 2024. 

[2] Cf. Il problema del senso del tempo. Tempo, festa, preghiera
(Assis: Cittadella, 2006), 75-84.

[3] Ib., 81.

[4] Cf. Andrea Grillo, Tempo graziato. La liturgia come festa
(Pádua: Messaggero, 2018), 39.

[5] Cf. Bula de Proclamação do Jubileu Ordinário do Ano 2025, Spes non confundit, de 9 de maio de 2024. Para uma breve resenha histórica dos jubileus, veja-se: https://www.iubilaeum2025.va/pt/giubileo-2025/ giubilei-nella-storia.html

 

Gente como a gente

Julho traz consigo várias memórias de santos que trazem consigo histórias de gente humana, normal, “gente como a gente” e que as circunstâncias da vida me têm feito para eles de uma forma nova.

Ontem foi o Tomé, hoje nossa querida Isabel, o Tiago lá para o fim do mês, a Maria Madalena, os amigos de Jesus Marta, Maria e o Lázaro. Não vou esconder, rever The Chosen tem ajudado muito neste novo olhar sobre aquilo que conhecemos. Vejam!

O amigo Tomé e o Evangelho deste domingo enquadram-se muito bem. O João usou de forma muito habilidosa a história de Tomé para humanizar a mensagem de Jesus. O tal que era o Dídimo, gémeo, já sabemos, de todos nós, da nossa humanidade e da nossa miséria também, dá voz a todo um conjunto de sentimentos, questões que todos colocamos e que provavelmente temos medo de verbalizar em voz alta.

Mostra-nos o Pai. Como é que havemos de saber o caminho? Ou até um certo espírito adolescente/inconsequente: vamos também para morrer com Ele!

Na verdade, parece, à primeira vista, que sempre que ele abre a boca, é cada tiro cada melro.

Mas não é verdade. Somos nós ali espelhados e ainda bem.

Porque somos frágeis, hesitamos, duvidamos, porque queremos que nos faça sentido, nem é perceber tudo, mas que faça sentido.

E estes santos deste mês trazem carne como a nossa.

Hesitaram, questionaram, mas não desistiram de ir mais além, mais longe até no caso do Tiago.

Esta semana o evangelho manda-os em Missão com o poder e a autoridade de Jesus, capazes de fazer milagres, curar, expulsar demónios. Mesmo não entendendo, sentiram que era possível serem extensão da autoridade de Jesus.

Tomé queria ver as marcas, as chagas para acreditar. E quem não?

Hoje a missão é a mesma, o envio continua, os milagres são noutro nível, mas não menos reais e transformadores.

Hoje o desejo secreto de querer ver os sinais da Paixão continua bem presente e compreensível, o que muda são os sinais. Já não se trata de ver chagas, feridas da lança. Hoje a missão é mostrar ao mundo sinais de vidas transformadas. Gente normal, frágil, falível, mas que não desiste de ser mais, melhor, de querer ser por inteiro.

Gente que enfrenta o dia com a certeza da Misericórdia do Pai e que encontra a sua Paz no regaço do Pai. E a nossa paz repousará sobre o Mundo.

Pe. Patrício Oliveira

Eu vos chamo amigos. Paróquia viva, padre morto

Em dia de Sagrado Coração de Jesus, as notícias de longe trazem as palavras do Papa Leão (que me parece arrancou com força, vigor e unção, dá gosto ver uma recepção quase de rock star à sua chegada), esta semana decorre o Jubileu do Clero, li com agrado muito do que nos foi chegado e dito pelo Papa, partilho convosco:

 

“Por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes, o Papa Leão XIV se reuniu com milhares deles no Auditório Conciliação, o título do evento é “Sacerdotes Felizes” e foi a partir daí que o Pontífice fez sua reflexão, inspirado no capítulo 15 do Evangelho de João: “Eu vos chamo amigos”.

Para o Pontífice, essas palavras não são só uma declaração afetuosa aos discípulos, mas a chave de compreensão do ministério sacerdotal. 

“O sacerdote é um amigo do Senhor, chamado a viver com Ele uma relação pessoal e de confiança, nutrida pela Palavra, pela celebração dos Sacramentos e pela oração cotidiana. Esta amizade com Cristo é o fundamento espiritual do ministério ordenado, o sentido do nosso celibato e a energia do serviço eclesial ao qual dedicamos a vida. Ela nos ampara nos momentos de provação.”

O Pontífice pediu então um novo ímpeto missionário. “Vê-se quando alguém crê: a felicidade do ministro reflete o seu encontro com Cristo.” E agradeceu aos sacerdotes pela dedicação quotidiana, principalmente nos locais de formação, nas periferias existenciais e nos locais difíceis, com uma menção especial a quem se doou a ponto de entregar a vida, derramando o próprio sangue.

“Obrigado por aquilo que são! Porque lembram a todos que é belo ser sacerdote, e que todo chamado do Senhor é, antes de tudo, um chamado à sua alegria. Não somos perfeitos, mas somos amigos de Cristo.”

E acrescentou:

“Muitas vezes, quando precisarem de ajuda, procurem um bom ‘acompanhante’, um diretor espiritual, um bom confessor. Ninguém aqui está só. E mesmo que esteja trabalhando na missão mais distante, você nunca está sozinho!”

É difícil concordar mais com ele.

Mas por outro lado, não queren doeu ser ave agoirenta, uma parte de mim fica incomodada com tudo isto. Guardo habitualmente estes pensamentos, porque ninguém é bom juiz em causa própria e tenho bem com que me entreter sem ouvir dizer que estou a lamentar-me e a fazer-me coitadinho. Mas, se ninguém nada, ninguém saberá e se ninguém souber o outro lado, as coisas nunca mudam. E quero muito partilhar convosco de forma positiva. E por isso peço a vossa paciência e caridade. 

É pedido muito ao padre e a gente sabe e a coisa faz-se. Mas desgasta. E pesa. E estes dias e estas palavras bonitas pesam de modo particular nestes dias. Porque em Roma tudo é belo, a pizza, a pasta e as palavras sentidas e genuínas do Papa.

Mas e de volta a “casa”? Todos concordam também! Desde que o padre não falhe com nada do que é costume. Acho que não conheço um padre que consiga gozar os dias todos de férias. E atenção que sei que há quem tire mais, mas a esses tenho pouca vontade de os conhecer.

O nosso Leão lá nos recorda a importância da oração. Mas a ele não lhe aparece gente na sacristia a pedir para confessar 5 minutos antes da missa, nem lhe pedem para acrescentar intenções já alinhado com os acólitos no corredor central.

E todos sabem que é maçador e que já não são horas, mas foi um imprevisto, foi o estacionamento, foi só desta vez. E desde que a cara esteja sorridente o padre aguenta-se e deve fazer cara feliz, mesmo que a sua oração tenha sido interrompida e seu tempo roubado.

Faz parte? Faz.

Um homem aguenta? Aguenta.

É caminho de santidade? Sim.

Se calhar tenho de fazer de outra forma, não é?

Dir-me-ão: faz como Jesus, e vai de madrugada.

Sim, mas a reunião acabou às 23h30 na véspera. “E o padre deve descansar! E cuidar de si! Durma! Descanse pelo menos 7/8 horas por dia.”

O dia parece-me curto para tanta coisa que os padres deviam fazer.

Os padres andam cansados. Exaustos. E honestamente boa parte do cansaço vem justamente da incapacidade de ser fiel aos cuidados que o Papa tão bem recomenda. Empurramos com a barriga (a famosa barriga de padre) a vida pessoal, de oração, de descanso, para tentar chegar a todo o lado.

E ainda precisam encontrar um sorriso quando surgem as cobranças disfarçadas de humor, porque não passou na cozinha da festa; porque só liga à família entre reuniões; porque não respondeu ao SMS que foi enviado de madrugada; ou porque já não interaje no grupo do Whatsapp (são só perto de 100 grupos, e dezenas de sms diárias, há notificações que chegam a atingir 150 sms num dia).

E vou ser muito honesto: dói a cobrança. Porque todos entendem, mas esperam que faça o que um jeitinho. Às vezes falta um bocadinho de empatia e “empatizando com o padre” aceitar fazer de outra forma.

E os padres desfazem-se para dar o jeitinho, até que não conseguem e os sorrisos se apagam, porque são todos iguais e os melhores “vão sempre embora, não é sr. Padre Patrício? (sim, disseram-mo e eu sem saber que dizer sorri. Porque já dizia o doutor Branco a propósito das piadas: quem não entendeu riu, quem entendeu apenas sorriu).

 Disse a semana passada que o Corpo de Deus é a sua igreja, somos nós!
Hoje, que celebramos o Sagrado Coração de Jesus e o seu Amor por nós, a igreja precisa de aprender a ser essa presença amorosa, também na vida dos padres.
E não é ser coitadinho e nem estar à espera de convites para jantar e palmadinhas nas costas.

Querem que um padre se sinta amado? Sem proactivos. Rezem por ele e digam-lho! Rezem por ele e com ele.  Sejam criativos, tragam ideias, ajudem a pensar a paróquia, sonhem com ele a Visão da Paróquia. Esqueçam de uma vez por todas o “o senhor padre é que sabe, o que achar melhor é que se faz”. Os padres não chegam para tudo. As soluções precisam vir de todo o lado.

Há muito colegas à beira do burnout. No brasil os números são assustadores. A quantidade de padres que cometem suicídio é tremendo. Num ambiente que é tradicionalmente bem mais caloroso em torno do padre.

Querem cuidar do padre sejam Igreja. E não cobrem, ajudem a construir e a ser esta presença amorosa do Coração de Jesus no Mundo. Apontem soluções, desafiem a caminhos novos.

 Diziam-me esta semana a propósito das olheiras: “lá diz o ditado: paróquia viva, padre morto”, será que não conseguimos fazer de outra maneira?

Uma comunidade viva transforma o mundo e alimenta o padre, podem ter a certeza
Ser padre tem sido a aventura de uma vida, e vai para lá de qualquer sonho ou imaginação.
Mas precisa ser bem feito. E precisa de ajuda.

Penso que o foco nem é tanto o cansaço, é o desgaste. Aqui na Marinha vocês entendem bem esta linguagem, as máquinas têm partes que são de desgaste rápido, precisam ser bem lubrificadas para que o desgaste não seja antecipado.

No padre será a oração, o cuidado próprio, a unção do Espírito recebido na ordenação e renovado na sua própria entrega, mas também a comunidade, o suporte de não estar sozinho na missão. A certeza que sendo chamado a uma missão tão especial, não está de facto sozinho tem uma multidão celeste e humana consigo.

Pe. Patrício Oliveira

Mínimos Olímpicos

Ninguém gosta de obrigações, nem de fazer o que seja por obrigação. Movemos mundos e fundos por alguém, damo-nos sem medida e sem pesar o cansaço quando é oferta gratuita, dom da nossa generosidade, sinal do carinho e do amor que nos une aos que nos são queridos. Mas, obrigatório? Bem chegam os impostos!

Sinto que esta é uma das maiores lutas que a Igreja enfrenta. Educar pelo obrigatório, pelo que sim, que se traduzia no famoso: “enquanto viveres debaixo do meu teto fazes o que eu te mandar”. Cria imunidade. E podemos bem ter imunizado demasiadas gerações.

Mas o contrário também não é bom, uma vez mais, no meio estará a virtude. Porque ele há dias de manhã que uma pessoa se precisa obrigar, a sair da cama, a enfrentar o dia e a vida. Se esperarmos por inspiração, que esteja mesmo a apetecer, então não vamos longe.

Ouvi o Joe Rogan dizer que não é a inspiração que nos move e que nos alcança sucesso, é a disciplina. Ele falava do seu programa de treino “Há dias em que acordamos cheios de energia, com vontade e o treino é óptimo e corre bem. Mas esses dias são a minoria. Na esmagadora maioria dos dias, não apetece, estamos cansados, temos sonos ou outra desculpa válida. É a disciplina que faz a diferença”.

De algum modo, somos nós que abraçamos a obrigatoriedade na medida em que percebemos que para chegar mais longe, temos que nos colocar a caminho.

É este salto interior que sinto que falta à nossa catequese, à nossa pratica dominical. De algum modo somos capazes de fazer uma lista de coisas que temos que fazer em ordem a ser católico comprometido e regular (o que quer que seja isso).

Diz o Catecismo:

II. Os preceitos da Igreja

2041. Os preceitos da Igreja inserem-se nesta linha duma vida moral ligada à vida litúrgica e nutrindo-se dela. O carácter obrigatório destas leis positivas, promulgadas pelas autoridades pastorais, tem por fim garantir aos fiéis o mínimo indispensável de espírito de oração e de esforço moral e de crescimento no amor a Deus e ao próximo. Os preceitos mais gerais da Igreja são cinco:

2042. O primeiro preceitoOuvir missa inteira e abster-se de trabalhos servis nos domingos e festas de guarda») exige aos fiéis que santifiquem o dia em que se comemora a ressurreição do Senhor, bem como as principais festas litúrgicas em honra dos mistérios do Senhor, da Bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos, que a Igreja declara como sendo de preceito, sobretudo participando na celebração eucarística em que a comunidade cristã se reúne e descansando de trabalhos e ocupações que possam impedir a santificação desses dias (86).

O segundo preceitoConfessar-se ao menos uma vez em cada ano») assegura a preparação para a Eucaristia, mediante a recepção do sacramento da Reconciliação que continua a obra de conversão e perdão do Baptismo (87).

O terceiro preceitoComungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição») garante um mínimo na recepção do Corpo e Sangue do Senhor, em ligação com as festas pascais, origem e centro da liturgia cristã (88).

2043. O quarto preceitoGuardar abstinência e jejuar nos dias determinados pela Igreja») assegura os dias de ascese e de penitência que nos preparam para as festas litúrgicas e contribuem para nos fazer adquirir domínio sobre os nossos instintos e a liberdade do coração (89).

O quinto preceitoprover as necessidades da Igreja, segundo os legítimos usos e costumes e as determinações») aponta ainda aos fiéis a obrigação de prover, às necessidades materiais da Igreja consoante as possibilidades de cada um (90).

 

Simples. Mas deixa-me cheio de comichão que isto seja os “mínimos olímpicos” pedidos. Então mas a gente agora contenta-se com os mínimos? Temos os miúdos aí de volta de exames e notas, ficamos felizes porque eles fizeram o mínimo ou queremos que se superem e possam alcançar o seu maior potencial?

Onde é que o padre quer chegar com isto, pergunta o leitor mais assíduo e perspicaz.

À vida sacramental, a Eucaristia (também como estilo de vida), a Confissão, a oração.

Agora que presido a todas as missas, sinto mais falta de pessoas. Até aqui achava que tinham ido à missa do padre Jorge.

E não se trata de apontar dedos, embora sinta falta dos acólitos todos e dos catequistas, e daqueles que me estão a mandar sms a dizer que vão a Fátima ou a outra que deu mais jeito.

A questão é que fazem falta na Missa e na Eucaristia (para quem ouviu no Corpo de Deus) da comunidade.

Não penso na questão da presença, ou da contagem de presenças. Mas na riqueza de uma Eucaristia que é da comunidade. E uma comunidade que quer mais que cumprir preceito.

Uma comunidade que cresce junta, porque entende a importância do laço, do estar presente. Mais do que ir à missa, cumprindo o preceito certinho, mas comprometendo a sua vida, o seu tempo, o seu dom na construção de algo especial aqui no nosso cantinho.

Acho que no fundo me incomoda a facilidade com que não sentimos falta de ir semanalmente, ou nos outros dias de preceito.

Não porque é obrigatório, mas porque me faz falta.

Porque mais do que tem de ser, é o “faz-me bem”.

Gente comprometida com o seu crescimento espiritual, humano, a sua relação com Deus, que se recusa perder uma oportunidade, de encontro, de Graça. Porque somos mais do que o que nos apetece, queremos ser aquilo que Deus sonhou para nós: Santos, inteiros, missionários.

E justamente quando o tempo escasseia, a vida parece virada do avesso, com turnos e actividades, o preceito semanal, traz ordem à vida. A semana organiza-se em torno da participação. Não porque é obrigatório, mas porque é saudável, porque queremos ser donos do nosso crescimento e não nos satisfazemos com migalhas.

Queremos fazer o mínimo para que o coração se alargue e dê espaço ao desejo do máximo, à medida do amor de Deus que morreu na cruz por mim e por cada um de vós.

 

Pe. Patricio Oliveira

Sagrado Coração de Jesus que tanto nos amais

Junho é tradicionalmente marcado como o mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, uma devoção que nos convida a contemplar profundamente o amor insondável de Cristo pela humanidade. Este tempo especial é uma oportunidade para renovarmos nossa fé, reavivarmos nossos compromissos espirituais e nos aproximarmos da fonte inesgotável de misericórdia e compaixão.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus nasceu da revelação privada recebida por Santa Margarida Maria Alacoque no século XVII. Durante essas aparições, Jesus pediu que Seu coração, cheio de amor pela humanidade, fosse venerado e que a devoção fosse propagada como forma de consolo ao Seu Coração ferido pelos pecados do mundo.

O coração de Cristo, cercado por chamas e coroado de espinhos, simboliza os sacrifícios feitos pelo Salvador para resgatar a humanidade. É um sinal do amor ardente e infinito de Cristo, que sofreu e morreu para nos redimir, e também representa o convite à reparação e ao compromisso com Ele.

 Tradicionalmente é também vocacionado para oração pelo clero, Bispos, padre e diáconos de modo muito especial pela santificação dos sacerdotes. Na nossa diocese por convite do nosso bispo celebramos o jubileu dos Sacerdotes no dia do Sagrado Coração de Jesus que será este ano no dia 29 de Junho em Fátima.

Pessoalmente penso nos padres que conheci antes de ser colega deles, recordo, com cada vez maior respeito, o falecido padre Manuel Ferreira – o único pároco que conheci até aos 16 anos, quando a Marinha mandou o padre Sérgio lá para Caxarias, terra de missão; e o padre Zé Luís que sempre me pareceu mais jovem que os jovens que acompanhava, mesmo quando lhe consegui ganhar os famosos 5€ no jogo das entrevistas.

E agora que sou colega deles todos, os que ainda cá andam, que o número reduziu assustadoramente, olho para eles, colegas, professores, amigos, que apreensão. Há cansaço. Nalguns há até desânimo, desencorajamento. Não só porque as forças vão faltando, mas também por uma má escolha de estratégia no decurso do ministério. Talvez porque a missão é mais desafiante neste mundo novo que teima em crescer e desenvolver demasiado rápido, para as nossas capacidades e até para a nossa saúde mental – dos padres e dos leigos.

Pelo que este ano me tocou de forma especial este desafio/convite a rezar pelos padres, a fazermo-nos presentes na sua vida, a suportar. Talvez seja dos 40 ou de assumir esta tarefa de Vigário, aumentou a minha sensibilidade, mas também a minha compreensão da realidade.

Sobretudo porque, e era aqui que queria chegar, não são só os padres que andam marafados pois não? Há um padrão semelhante nas famílias. Nos jovens que procuram perceber o seu lugar no mundo, os que são crismados amanhã e os outros todos.

Também os casais, que no meio disto tudo, parecem, como dizia um amigo padre: 2 carris do comboio, que se estendem paralelamente e nunca se cruzam, fora os que derivam e que criam um vazio entre eles.

O curioso é que os padres fazem o mesmo consigo mesmo! Parece que é um erro de software que a humanidade tem.

No dia em que fui ordenado, procurei refúgio no adro da Sé para ganhar coragem. Chovia torrencialmente e o barulho da chuva abafava o cavalgar do meu coração. Fui abordado por um padre que tinha abandonado o ministério há vários anos. Abordou-me com os olhos a chorar mais que o torrencial que se abateu em Leiria naquela tarde: “- Nunca te deixes isolar, nem ficar sozinho”.

De onde estou é o que vejo mais, gente sozinha, afogada em responsabilidade, boa-vontade e desejo de chegar a todo lado. Gente que engole para não incomodar. Que guardam para si, não como Maria, mas para silenciar e não incomodar. E o vazio aumenta no coração dos padres e no distanciamento dos casais que procurar desesperadamente chegar ao outro, mas que se sentem em planos diferentes, pelo que parece virtualmente impossível tocarem-se novamente.

Neste mês do Sagrado Coração desejo que sejamos todos capazes de ver nele um porto seguro, onde respirar, recuperar o fôlego e a coragem. Sonho que nos possamos sentir fortalecidos e inspirados por Ele. A Amar sem medida, sem medo e sem perder a coragem nem desistir.

Ao longo do mês de junho, que possamos deixar nossos corações serem moldados pelo amor do Sagrado Coração de Jesus. Que cada oração, cada gesto e cada pensamento sejam permeados pela graça divina que emana do Coração do Salvador. E que, unidos em fé e devoção, vivamos como testemunhas vivas do amor de Cristo no mundo.

Que o Sagrado Coração de Jesus abençoe e proteja cada um de nós, hoje e sempre. Amém.

Pe. Patrício Oliveira

Partida, largada, mas nunca fugida

O domingo de Pentecostes marca, se é que se pode dizer assim, o início da Igreja.

Jesus tinha dito que ficassem na cidade até receber o Espírito Santo, agora é o momento da chegada. Chega Aquele que nos há-de ensinar todas as coisas e recordar o que Jesus ensinou. Com Ele, inicia o maior dos movimentos da história da humanidade. Começou com 12 apóstolos, 72 discípulos e mais uns curiosos e não parou mais. A promessa era que A Boa nova fosse levada até aos confins do Mundo e o mundo ainda não parou de crescer. O universo está em expansão acelerada (para saber para onde, podem perguntar David Sobral).

Significa que estamos numa aventura que não tem fim, os quarentões recordar-se-ão da Never Ending Story - História interminável (1986). E sim, pode parecer uma tarefa hercúlea, demasiado grande para a nossa fragilidade, mas Ele ensinará, capacitará e auxiliará (ou Paraclitará!), é essa a promessa. A nós é pedido que nos mantenhamos unidos, preparados, em saída. Conscientes do peso, mas sobretudo da importância da Missão.

Não é demais repetir: a Missão é que tem uma Igreja. E “uma Igreja que não serve, não serve para nada”. Impõe-se reaprendermos as prioridades, o foco, unidos “como Eu e o Pai somos”, conscientes que ninguém se salva sozinho, é uma corrida, mas não entre nós, talvez connosco mesmo, mas os outros não são o inferno – os outros são os irmãos que trilham o mesmo caminho, que buscam a mesma meta. São simultaneamente o objeto da missão e os colaboradores.

Há alguns anos que para nós expressões como Renovação Pastoral são familiares na nossa paróquia e agora também na Diocese, nas vigararias e nas unidades pastorais.

É sempre o mesmo desafio, a mesma corrida: a redescoberta da motivação que nos leva a correr (como atleta que percorre alegremente o seu caminho) mas, sobretudo, o para onde e para quê.

Dizem que quem corre por gosto não cansa. Desconfiei sempre muito dessa gente, sinto sempre que é gente que só corre de ver os outros. Esta Missão que nos foi confiada é exigente, dura, exige, consume energia. E sim, é natural que andemos cansados, seja pelo “fardo da missão”, seja porque não corremos com o devido cuidado e cabeça, ou porque corremos por correr de forma desengonçada.

Sonho com uma igreja missionária. Uma igreja que pensa em conjunto. Uma igreja sinodal que sabe que a sua voz é ouvida, mas sobretudo necessária.

Dou por mim a sentir que muitas vezes, muitos dos nossos processos de escuta, de pedidos de opinião são em jeito do Luís de Matos. Sempre que alguém como ele diz escolha uma carta, uma carta qualquer, é sempre mentira! A carta está a ser forçada, ou a nossa escolha conduzida.

Mas essa é também a postura mais fácil, porque nos retira a responsabilidade.

Eu sonho com uma igreja que ajude a construir o baralho. Se sinta responsável.

Sonho com uma paróquia de pessoas que vêm porque querem ajudar a salvar o mundo e os irmãos e não só a si mesmos.

O processo de renovação passou da Marinha, para a Diocese e a agora retorna de modo especial à Vigararia. O nosso Tartan está me constante mutação, e agora alarga-se à Maceira, a Pataias e Alpedriz. Em tempos de escassez de padres, urge encontrar novos processos, partilhar esforços e ideias.

Vamos confiantes e imploramos a ajuda daquele que virá recordar e ensinar tudo o que precisamos.

O tiro de partida é antigo, mas sempre novo e empurra-nos para a frente, determinados, sem medo, com um coração alicerçado neste Senhor Jesus, seguros de que quando o invocamos ele conduz e inspira.

A meta? A meta é o Céu que havemos de construir aqui na Terra.

Pe. Patrício Oliveira

Problema de expressão

Há semanas que habitam no meu coração um conjunto de situação que gostaria de partilhar com a comunidade. Acho que iniciar estes editoriais foi o concretizar desses pensamentos. Uma forma de proximidade, de partilhar de passar algumas preocupações, perspetivas, que não apenas na homilia.

Há uns dias, na Assembleia do Clero, um padre partilha que chegámos ao ponto de reduzir a oração à missa. E eu penso o mesmo em relação com a relação/interação com o padre. Vocês são muitos, gente boa, mas muitos, tenho a certeza de que há pessoas, de missa semanal, com quem não tive oportunidade de conversar, seja por que motivo ou circunstância seja (e não tem mal! Mas também é verdade que fui correr no sábado e como me enganei dei por mim no meio do mercado, e senti-me uma vedeta, metade eram paroquianos).

Tem sido cada vez mais claro que o modelo tradicional de Paróquia está a ficar desatualizado, a nossa raiz é muito rural, próxima, na medida de pequeninas comunidades, onde todos estão dentro do assunto e sabem como agira, fazer e estar.

O tradicional:

-  “Quanto é Sr. Padre?
- “não é nada”,

Costumava ser seguido por “então fica aqui isto para a paróquia”. Agora o nada é nada!

Por outro lado, aí do padre que cobrasse o que quer que fosse por algum serviço, ou taxa por documentação. Mas o povo dava, porque sabia que as despesas nãos e pagam sozinhas.

Mas agora? Agora o nada é nada, e se cobrarmos, pagam.

Estamos a cair na prestação de serviços? Será tema lá mais para a frente.

Sinto que é a comunicação que falhou, há muita informação que não passou para a geração seguinte.

Ainda hoje uma catequizanda, que fará o crisma nos próximos dias, me perguntava o que escrever na ficha de inscrição onde dizia: “centro de catequese”. Não direi que me convidou para padrinho, para não dizer que foi a princesa. Mas a culpa não é dela, é nossa, que achamos que ela sabe porque foi sempre assim! E depois nos surpreendemos.

Os funerais são outra situação dolorosa, aí sim caímos na prestação de serviços.

Quando o telefone toca e ouço “é para marcar um serviço para amanhã” morro um bocadinho por dentro. Pior fico quando pergunto quem é e a resposta é “não sei que a família ainda não veio falar connosco, estou só a adiantar serviço”

Meus amigos, já me aconteceu desmarcar funerais. Um, porque o senhor afinal não tinha morrido, outro porque afinal a família não queria celebração religiosa.

Já me marcaram funerais de não católicos. Não há muito tempo soube de uma família que veio porque, tendo a funerária sido proactiva e marcado o funeral rapidamente comigo, não tiveram coragem de dizer que não queriam. E lá vieram sem saber fazer o sinal da cruz que fosse.

A família perguntar se sou da funerária também acontece, mas é divertido.

Mas custa quando chegando à celebração percebo que a família é conhecida, e tem o meu contacto, e o da irmã e o do cartório.

Custa dizer à funerária que não haverá custos do funeral porque a família é paroquiana, ativa e assídua, e 2 semanas a mesma família vir perguntar quanto deve.

Isto para dizer uma coisa simples: “quando precisarem de um padre, liguem-me 917 541 756”.

Tratem com quem é o responsável.

As missas de sétimo dia quase desapareceram, porque com as mudanças e não havendo missa todos os dias, a funerária já não a marca automaticamente. Ou então marcam para dias em que não há sequer missa.

A newsletter dá imenso trabalho, os avisos em papel, entregues em mão, para que todos possam estar a par dos horários, das actividades.

O cartório tem duas tardes, o site da paróquia tem opção de agendamento a algumas segundas-feiras do mês, e estamos a trabalhar para que se possa agendar mais horas e mais facilmente.

“- ah e tal mas isso é para os novos”, toda a gente tem Facebook e um neto!

Quem sabe se os crismandos não querem fazer parte de um departamento de comunicação da paróquia e criar um da vigararia.

É uma cidade sim, mas é uma terra pequenina, é fácil encontrar o padre.

Sendo apenas um, os afazeres, as responsabilidades, aumentam, o tempo é curto para tudo.

Começa a ser difícil o modelo tradicional de estar à espera de quem passe.

Porque na verdade, estou duas tardes com a irmã e ainda tenho que dar mais umas horas extra para processos de casamento e atender quem não pode passar de tarde em horário laboral.

O tempo para eu ser eu, para ler, rezar, não fazer nada, fica muito curto. E é um ritmo que não é saudável e não se suporta muito mais tempo que eu já não vou para novo.

Pelo que, meus estimados paroquianos do meu coração, precisamos construir uma paróquia nova, moderna, adaptada aos ritmos de vida que temos, mas que seja próxima.
Onde a proximidade de relação seja possível. Não paguem a alguém para fazer algo por vocês.
As próximas semanas trarão novidades, novas responsabilidades, novas oportunidades, precisarei da vossa ajuda para reconstruirmos uma comunidade que toca e transforma pessoas; uma comunidade que é relevante para todos nós e para a cidade.
Uma comunidade que dá respostas, oferece oportunidades; uma comunidade missionária como Jesus sonhou.

Que vos parece?´

Pe. Patrício Oliveira 

É preciso uma aldeia para criar uma criança

Este fim-de-semana há profissão de Fé, miúdos do sétimo ano, ontem foi serão de reconciliação e de dois dedos de conversa com todos.
É um exercício muito interessante, mas depressa de tornou doloroso. É muito bonito vê-los a crescer, ver as caras de meninos a ganhar traços de adolescentes. E como me lembro de vários serem bebés a fazer barulho nos carrinhos de bebé na missa, torna tudo quase emotivo.
Conversa para aqui e para ali diz-me uma: “o senhor é padre há mais anos do que eu tenho de vida” ...

Caiu-me tudo, demorei um bocadinho a fazer as contas e a retomar o fôlego.

É terreno por trilhar para mim, nunca trabalhei tanto tempo no mesmo sítio, pelo que estes records se vão acumulado dolorosamente, o que explica facilmente o ruído que os meus joelhos fazem quando subo escadas.
Ainda assim, sinto sempre como um enorme privilégio ver estas mudanças e transformações. E apesar de não ser tudo perfeito, a nota geral é muito positiva. E as conversas surpreendem pela positiva, genuinamente.

Recordei a recente viagem a Londres. Durante toda a conferência houve uma enorme insistência na necessidade e na oportunidade de pegar nesta nova geração e de os incentivar, formar, capacitar e responsabilizar. Em inglês dizem: “raise a generation” seria levantar-criar uma geração.

Falam de uma realidade que não é ainda a nossa, mas que nos é familiar.

Há uma geração, a dos joelhos que rangem já, os que já precisam ou fizeram o exame à próstata, que foram “imunizados” ao Evangelho. A sua experiência de igreja não foi feliz, talvez tenham sido crismados para serem padrinhos, mas muitos já nem baptizaram os seus filhos. Há, pois, uma geração de adolescentes que não ouviu falar de Jesus.

Nós ainda vamos vendo muitos na catequese, mas é uma pequenina percentagem. Dizia-me uma mãe há uns dias que “lá na escola serão só três ou quatro”.

O curioso do fenómeno actual, do qual nos chegam ecos mesmo no contexto católico em França[1], é que estes adolescentes têm curiosidade acerca de Deus e estão muito receptivos e à procura de respostas.

Esta semana fui contactado por um jovem, que me lembro bem de ser criança de 2/3 anos, filho de uma professora do tempo que os joelhos não estalavam, é ateia convicta e orgulhosa. Ligou-me ele porque quer baptizar a filha. “A minha mãe educou-nos e dizia aquelas coisas... mas sei lá, cá dentro houve sempre uma curiosidade”.

E agora vejo estes miúdos crescerem, tornarem-se homens e mulheres que com sorte me vão pagar a reforma, e penso que podemos olhar para o futuro com esperança.

Uma esperança talvez como a do sorriso deles: genuínos, tímidos, mas com alegria, ingenuidade, curiosidade e, inevitavelmente, cheios de enorme potencial.

Que precisam de inventivo, de alguém que caminhe com eles, com respeito, com paciência, muuuuita paciência, mas que se acredite neles.

Ontem disse em voz alta que se calhar já estou à tempo de mais na Marinha Grande. Hoje, ao pensar em tudo isto, talvez esteja à tempo suficiente para ver neles o que nem eles sabem ter: potencial, capacidade de mudar o mundo.

Neste tempo pós-moderno, em que retomamos o pré-cristianismo, somos chamados a olhar esta geração com os olhos de Jesus. Ele que olhou para Mateus e viu mais que um cobradore de impostos e um traidor da sua própria gente, viu um poeta que escreveria a sua história; Ele que olhou Pedro e para lá do temperamento, viu um líder a quem confiou a Sua Igreja;

 Ele que olha para cada um de nós e confia que seremos o seu Corpo, as suas mãos e pés, sinas do seu amor.

É com estes olhos que quero olhar para estes que agora fazem a sua profissão de Fé.
É o que eles precisam e estou certo que é o que Deus espera de nós.
O resto, Ele cuidará no seu próprio Kairós. (sim, Deus tem um tempo próprio, diferente do nosso.)

Em londres, havia uma jovem que trazia uma T-shirt que dizia: "é preciso uma aldeia para criar uma criança". Talvez seja o mesmo com os discípulos de Jesus, e seja preciso uma comunidade para erguer esta nova geração. Temos muito que fazer!

(*Imagens totalmente criadas por AI e apenas para ilustrar)
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[1] E logo França que já na década de 40 era vista como país de missão. La France Pays de Mission, de Daniel Godin

Um mandamento novo,
uma missão antiga como a humanidade

 

Esta semana, depois de nos dar um Papa novo, O Senhor vem ao nosso encontro com um mandamento novo, que empurra a igreja para a Missão antiga.

Do Papa novo já vimos o preço do relógio, acabo de ver notícias sobre o Papa movel que vale 500 mil dólares que a Mercedes ofereceu já ao Papa Francisco. Até esquecem que este é novo e anda bem a pé, às tantas nem precisa de papa móvel, vai bem a pé, ou de trotinete!

As tricas eclesiásticas abundam e todas as “facções” parecem querer reclamar para si o novo Papa.

Confesso que só imagino o diabo a rir-se ao ver a divisão que se manifesta no coração de tantos fiéis.

Recordo o paroquiano que me disse: “espero que seja humanista, mais que progressista ou tradicionalista”. O doutor Branco dizia-nos nas aulas que todos os “ismos” são perigosos, até o catolicismo. Pelo que eu rezo para que o Leão seja fiel ao Evangelho. Ele e nós todos.

E os que se entretém a discutir o sexo dos anjos, se preocupassem com a cura de almas, com a missão.

É disso que fala o Evangelho por estes dias da Páscoa.

Em tempos de mudança de papado, de mudanças no mundo, na nossa diocese que abraçou também um processo de renovação pastoral, bem como a nossa paróquia que procura reinventar-se e ser imagem das primeiras comunidades. Porque o tempo passa, as modas vão e voltam, mas o evangelho é o mesmo. E a Missão também.

O evangelho é dado a redundâncias curiosas, Mateus diz que Jesus mandou ir e ensinar, baptizar e ensinar (sim, duas vezes, porque são duas coisas distintas: evangelização e mistagogia).

Esta semana temos outra: “que vos ameis uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos também uns aos outros”.

Não é só amar, é amar como Ele nos amou.

E a avaliar pelos comentários, pelas tricas, ainda falta tanto.

Rezo para que nestes dias que antecedem o Pentecostes possamos deixar-nos tocar por estas palavras. Que os corações de tornem doceis à acção do Espírito, que no nosso esforço de sonhar a visão da nossa Paróquia futura, haja abertura de fazer o que é melhor. Que seja de serviço. Não de prestação de serviços, mas de lavadores de pés, de companheiros de viagem. Gente corajosa para escolher a radicalidade de amar como Jesus amou, lavar os pés a quem precisa.

“Porque uma igreja que não serve.... não serve para nada”

Pe. Patrício Oliveira

E se só rezássemos por ele?

Lembram-se do incêndio que nos levou a mata? E de como de repente todos os comentadores eram experts (ainda venho a falar inglês aqui no avião) na mata nacional, na reflorestação e no cuidado?

E do Covid? Em que todos percebiam de vírus e de saúde pública e álcool gel? Ainda há pessoas que não gastaram o papel higiénico que compraram todo.

Depois foi a guerra na Ucrânia e depois a de Israel, aquelas que aparecem nas notícias, as outras não contam.

Nas últimas semanas todos são experts em eletricidade e gestão de infraestruturas.

E a última moda é cardeais, conclaves e Papas. Como dizia um professor do seminário em Coimbra: “que infecção!”

Esta semana queria partilhar a aventura da Leadership Conference 25, e os sonhos e planos e projectos, mas inevitavelmente a nossa atenção ficou toda no Conclave e na Fumaça Bianca que os italianos que estavam comigo no Sky Garden gritavam (eu ia dizer que viram lá de cima, mas ninguém acreditaria).

Foi com enorme expectativa que lá nos sentámos a imaginar a cerimónia à porta fechada, a agitação da votação, o aceitar, o juramento, experimentar a batina que lhe servia melhor até ser hora de vir espreitar à janela.

Não sei se da idade, se das circunstâncias, como vi online “não me considerando eu velho, já vou no meu quarto Papa”, este processo foi-me mais próximo, parece-me que talvez até com mais informação que o do Papa Francisco.

Gostei de ver um homem sorridente, com aparente genica e, dentro da escolha: muito novo! Tocou-me profundamente ver o contraste do sorriso dos lábios, com os olhos que não sorriam, porque eram esmagados pelo peso do Mundo naquele momento.

Talvez pelo tempo Pascal, só me ocorria a figura de Jesus a preparar-se para entrar em Jerusalém sabendo que o triunfalismo era enganador (e falso!). Ele sorriu e fez tudo bem, mas as imagens em grande plano do rosto sorridente e bonito, não enganavam. De repente era o horto, e a oração de Jesus foi partilhada com ele: “faça-se a Tua vontade”.

Espero que tenha um coração de Leão, cheio do evangelho, corajoso, arrojado e dedicado.

Esta semana rezámos por ele. 5.000 pessoas, uma maioria protestante, de braços erguidos, cabeça baixa, evocou o Espírito Santo para ele, fosse quem fosse, mas que fosse da vontade de Deus.

Quando vi aquele homem que me parecia tremer como varas verdes, mas a fazer-se forte “coragem de leão”, reconheci o brilho nos olhos que vi esta semana nos tais 5.000: olhos cheios de Deus, de desejo de dizer sim, de fazer parte da missão. Olhos cheios de vontade, de sonhos, mas ao mesmo tempo, marcados pelo peso do quanto nos falta ainda fazer, o peso da responsabilidade de ser parte desta multidão chamada por Deus, que agora tem um Leão à frente.

Hoje vi que até a marca do relógio, e o valor (145 dólares) foi notícia, aguardo curioso o comentário inflamado do Trump a dizer que será o melhor Papa e que vai enviar pessoalmente um novo Papa móvel feito como seu carro presidencial. Imagino que o Manuel Luís Goucha já esteja em Roma.

Mas nós por cá, podíamos tentar deixar passar ao lado este sururu todo, poderíamos deixar o homem respirar e ter uma batina que lhe sirva devidamente e, entretanto, rezemos.

Rezemos por ele, pela Igreja. Para que o Leão seja porta-voz do sonho de Deus para a Igreja em renovação.

Pe. Patrício Oliveira

Chamados à Esperança, educados para serem felizes

Na próxima semana a Igreja vive a Semana de Oração pelas Vocações, este ano, integrando também o tema do Jubileu, temos uma espécie de Matrioskas de temas, sentido e significados, o ponto central “Chamados à Esperança”.

Diz o bispo D. Vitorino Soares:

"Chamados" traduz um alvo plural de chamamentos, que inclui a vocação laical, ao ministério ordenado e à vida consagrada, que não esquece ninguém, tendo como ponto de partida o dom da vida. Todos somos chamados à Esperança, que não se traduz numa ideia, numa virtude ou num sentimento de otimismo, mas no encontro com uma pessoa que é Jesus Cristo.  Simultaneamente, estamos chamados a ser chamadores de Esperança num palco comum, onde nos situamos como público e como atores, que o Papa Francisco traduz por Peregrinos de Esperança. A mensagem que nos enviou tem como título "Peregrinos de Esperança: o dom da vida".

Neste caminho de Esperança aponta três suportes geradores de vocações: acolher, discernir e acompanhar.

Sinto sempre que estes momentos, que infelizmente nos passam um pouco ao lado, são de algum modo afunilados na sua compreensão. De modo especial esta semana das vocações, porque automaticamente pensamos nos padres e nas freiras. A vocação laical, de que se fala logo na primeira linha, nem é bem vocação, é a normalidade das pessoas! Padres e freiras é que é diferente. Recordo o belo momento que tive no cemitério enquanto despia a túnica e ouço uma voz que dizia: “ah o senhor padre sem a bata parece um homem normal”.

Mas não sou, sou sempre anormal! Porque chamado a ser no mundo sinal da presença de Deus. sou chamado a ser especial. Eu e os outros padres, as freiras todas, os leigos consagrados e todos os que pelo baptismo se tornaram filhos de Deus.

Será esse o caminho da Esperança?

Não devíamos ter outro cuidado nesta coisa da vocação laical ser a norma?
Casar deve ser uma vocação, realizar-se num projecto comum com o cônjuge, tornarem-se um ao outro (santificarem-se) sinais do amor de Deus no Mundo, que bem precisa!
E não apenas porque é normal “e já tens idade para isso!” “não fiques para tia/o!”

- O que queres ser quando fores grande?

-Astronauta, bombeiro, médico, famoso, youtuber, DJ?

- Feliz...

Não seria assim que devíamos educar os nossos miúdos.

Lembro-me que em Maio de 2005 ao terminar o tempo propedêutico, que antecipou a minha ida para o Seminário de Coimbra, fui assaltado pela dúvida: “e se Deus quer que eu seja padre, mas não é isso que eu quero para mim?
Arrastei-me dolorosamente ao escritório do, na altura padre Virgílio, para abrir o coração, era um domingo de manhã, ali antes da missa.
Daquela vez não me disse que andava aos pinotes, nem fez pouco de mim por não saber onde ficava o Serro Ventoso (sim, tenho traumas mal resolvidos com ele), acolheu-me com um grande sorriso e fez-me sentir acolhido. E explicou-me que o que quer que seja que Deus sonha para mim vai coincidir sempre com a minha felicidade.

Passam agora 20 anos, já dêmos os dois grandes voltas, cambalhotas e pinotes e eu recordo ainda a mesma frase.

Curiosamente, esta semana perguntaram-me se eu sou feliz. Sou. Meio amassado, porque me importo, mas sou.

Nesta semana, rezo para que sejamos capazes de transmitir aos nossos miúdos esta mesma certeza, que Deus nos chama a ser felizes, portadores de esperança. E que cada passo, seja qual fora a direção, deve ser ponderado, como chamamento, porque Ele quer sempre a nossa maior felicidade. Seja padre, freira, casado ou solteiro. Seja sempre o serviço, o amai-vos uns aos outros a comandar.

Pe. Patrício Oliveira

Gosto de ti 3.000

- Gosto muito de ti, diz o pai enquanto aconchega a filhota para dormir.
- Gosto de ti 3.000, responde ela com o sorriso feliz.
- 3.000?! Que loucura!

 

3.000 era o maior número que ela conseguia imaginar. Assim expressava o enorme amor e o carinho que tem pelo pai.

São ambas verdade e expressam sentimentos verdadeiros que bem sabemos não se quantificam, mas são ao mesmo tempo incompletas na medida em que não fazem o outro sentir a verdade do quanto é amado pelo outro.

A menina, é ainda nova demais para perceber o quanto vai crescer ainda, imagino que rapidamente chegue aos 9.000, mas não consegue ainda abarcar a verdade do que vai no coração do pai, que sorrindo embevecido e impressionado pelo 3.000, sabe que trocaria a sua própria vida pela dela num ápice sem hesitar.

Talvez estejamos todos fadados a isto, a não entender o quanto somos/fomos amados pelos pais.
Não deixo de pensar que é justamente isto que vivemos hoje.

O Senhor morreu mesmo por nós. E nós, bem louvamos, bendizemos, para preparar caminho para pedinchar, e pedinchamos muito(!), mas dizemos ainda com leveza que morreu por nós.

Hoje multiplicam-se as publicações mais ou menos cinematográficas que acabamos por rejeitar ou pela violência brutal ou por ser coisa de filme. Mas a verdade permanece: foi feio, violento para lá do que seria humanamente aceitável. E fê-lo porque nos ama. Mais do que conseguimos dizer, mais do que podemos contar.

A menina da história dorme reconfortada com a certeza que o pai a ama. Essa certeza trás tranquilidade e conforto, segurança no dia de amanhã e no futuro.

 Seja hoje, esta a nossa certeza: O Senhor ama-nos para lá do imaginável, deu a vida. Mesmo e apesar das fragilidades, traições e pecados.

Não precisamos de muitas palavras, nem muitas explicações. Talvez hoje baste pedir o dom de nos impressionarmos com os relatos e a certeza que O senhor nos ama, muito mais que 3.000.

Pe. Patrício Oliveira

As Mães sabem sempre

Há uns anos o texto que usámos para a Via-Sacra de Sexta-feira Santa era um relato na pelos olhos de Maria. Era um texto muito bonito, emotivo, que de algum modo humanizava toda a experiência da Paixão. Humanizar no sentido de aproximar, ser algo profundamente humano, real e não apenas uma leitura que ouvimos do ambão.

Este Domingo abrimos a Semana Santa com o Domingo de Ramos e somos já brindados com todo o relato, para que os nomes, personagens, situações, sentimentos e pensamentos de todo aquele relato possam vir à memória. Ao longo da semana, talvez de uma forma muito jesuítica, acompanharemos todos os passos, os diálogos e as escolhas, as corajosas, as cobardes.

O olhar de Maria é particularmente especial, embora seja mais no espaço da nossa imaginação. Mas a esse propósito tenho visto várias abordagens muito interessantes que talvez nos possam lançar uma nova perspetiva.

Gostei muito da simplicidade dos diálogos da série The Chosen, onde deixam à nossa imaginação que Maria vai acompanhando o percurso do Filho, mais ou menos expectante, mas consciente, que nos levam ao momento da “despedida”. A Via-Sacra e a tradição do Senhor dos Passos colocam o encontro de Maria com Jesus a caminho do Calvário.

Personagem de Maria, mãe de Jesus, em The Chosen temporada 4 episodio 8 - Humildade

Nesta perspetiva vemos chegar o momento de Jesus entrar, triunfalmente, em Jerusalém consciente do que iria encontrar, do que o esperava e, portanto, também tempo de se despedir de sua Mãe.

A esse respeito cruze com estas belíssimas ilustrações, que mostrando as duas faces do mesmo momento, conduziram o meu coração nesta espécie de oração que partilho convosco neste texto pré-Semana Santa.

Não sabemos tudo, não sabemos o quanto Maria sabia ou se tinha a certeza do que aconteceria. Mas, por muito que custe admitir, as mães sabem sempre.

Sinto assim reforçar a coragem de deixar o seu Menino que era também o seu Senhor partir porque o Mundo precisava Dele.

Acho que de algum modo, nós que já sabemos “como termina a história”, podemos beneficiar deste novo olhar: corajoso, determinado, esperançado.

Gostava que estes dias nos sentíssemos esmagados pela determinação corajosa do Filho, pela coragem da Mãe que suporta (em todos os sentidos) a missão do seu Senhor.

Que estes dias não sejam apenas a memória de um passado distante e romantizado, que seja uma memória encarnada: morreu por nós; sofreu porque amava cada um; nos ecos das marteladas estão as nossas faltas e fragilidades, mas no coração de Jesus está, já, cada um de nós.

É a oportunidade de dizer sim, de nos sentirmos amados, chamados a uma vida nova.

Que, talvez como Maria, nós que sabemos para o que Ele vai na próxima semana, possamos viver esta semana de um modo novo, aberto à moção do Espírito.

Pe. Patrício Oliveira

No meu tempo não era assim...

Ouvimos todos isto e gostamos todos de ouvir, na minha cabeça ouço sempre a mesma voz: “já no seu tempo os seus avós diziam isso de si!”

Foi sempre assim, e se calhar,vai ser sempre assim e não deve ter mal.

Por estes dias, numa das várias conversas, que tive oportunidade de ter nas visitas, ouvia o mesmo, mas sem lamento. Era mesmo a surpresa de ver diferenças. Ouvi e senti uma ideia que há muito se ia formando, mas sem que fosse concretizada em mim de forma clara.

Há, de facto, uma diferença grande na nossa catequese, na nossa formação cristã.

A questão nem é de tempo ou de modas ou de linguagem, era uma preocupação genuína, que eu partilho, ao ver que talvez possamos estar a perder algo de importante. Demasiado importante.
Não tem que ver, apenas, embora também, com a assiduidade à Eucaristia, à catequese e à confissão.

Confesso que por vezes sinto que falhamos profundamente quando vejo gente entrar na igreja sem qualquer noção da diferença do espaço ou até respeito pelo silêncio e pelo sagrado.
Miúdos, graúdos parecem não ter nunca aprendido a fazer a genuflexão.
É um gosto ver que a igreja é um espaço onde nos sentimos confortáveis, mas teremos perdido a capacidade de educar para o sentir o espaço como sagrado, diferente, “poderoso”?
Há ainda hoje resquícios da ideia de ter que se confessar cada vez que se vai comungar. Mas foi substituído pelo: “não sei quando foi a última vez que me confessei”.

Quando pergunto aos mais novo se sabem o ato de contrição todo eu tremo quando me dizem que nunca ouviram! Quero acreditar que é de serem cabeças de pipoca e não esquecimento dos catequistas.

São neste momento 16:53 de quinta-feira, escrevo na sacristia da capela da Garcia onde cheguei há uma hora para confessar, para atender quem tem dificuldade na deslocação e quem não consegue ir a mais lado nenhum e tantas vezes nem à missa. Apareceu uma comadre.

Não sou de todo apologista do ensino pelo medo. E era disso que falávamos esta semana. O antigamente funcionava com base numa experiência de medo de não cumprir e do castigo. Não é esse o Deus que Jesus revela.
E no esforço de apagarmos esse elemento negativo, podemos ter perdido o bebé na água do banho.

Temos ainda muita dificuldade em, educando pela positiva, criar um entusiasmo. De que procura confessar-se porque se importa consigo e com quem é. E porque não as acertamos todas, procuramos um padre, no nosso caso “o” padre, para confiar o tanto que nos falta, esperançados no quanto somos capazes de fazer quando nos confiamos à misericórdia de Deus.

Estamos a chegar à semana mais marcante do nosso ano, quantos de nós já participámos no Tríduo Pascal todo? (Até porque a celebração começa na quinta e só damos a bênção final no Sábado Santo).

Preocupa-me profundamente que seja possível chegar à idade adulta e nunca ter participado na imposição de cinzas, ou não saber que há uma missa onde o padre lava os pés a pessoas!
Sinto isto como uma falha quase pessoal.

Estamos a falhar onde?

Depois em idade adulta queremos baptizar o filho para lhe dar o que os avós deram aos pais, mas já há dificuldade em saber participar na eucaristia.
Somos ainda reféns do lado festivo da tradição cujo peso a sociedade quer evitar e repudia! La diz o povo: sol na eira e chuva no nabal.

 A semana Santa está cheia de sinais e gestos que falam por si.
As equipas estão a preparar tudo para que tudo seja bem celebrado e fale por si mesmo.  

Porque não organizar a vida e participar no Tríduo de Quinta a Sábado, ver com os olhos do coração o que O Senhor tem para nos dizer ao coração através da sua liturgia?

No Tempo da outra senhora não era assim de facto, mas precisa continuar a ser algo especial, transformador do coração e da vida.

O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo

A imagem da newsletter e dos ecrãs desta semana estava à responsabilidade da coordenadora da Task Force Digital da nossa Paróquia. Temso feito para que as imagens que usamos nos ajudem a transportar para o foco da mensagem do Evangelho Dominical, não importa o estilo, importa sobretudo que ajude a trazer uma certa “cor” ao Evangelho que escutamos.

Esta semana a Daniela estava particularmente entusiasmada com o resultado final. Não porque a imagem seja particularmente criativa, mas porque é uma foto tirada por ela, de um trabalho particularmente especial.

É uma escultura de um artista britânico chamado Charlie Mackesy, que está exposta na entrada da igreja da HTB em Londres, sede do Alpha Internacional.

É uma figura nossa conhecida dos temas do Percurso Alpha. Tornou-se mais familiar nas várias viagens a Londres para participar na Leadership Conference, eu já desde 2015 e vários elementos da nossa equipa Alpha desde 2017 (este ano seremos 10).

Recentemente o Chalie Mackesy tornou-se conhecido globalmente ao ganhar um Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação (roubando a oportunidade ao português Ice Merchants).

Clique na imagem para aceder a uma entrevista (em inglês)

É um homem muito peculiar, todo ele respira “artista”, tem uma bela história de fé – que testemunha nos vídeos Alpha, e durante a pandemia (lembram-se?) criou um conjunto de publicações com frases inspiradoras, em torno de algumas personagens desenhadas por si, que depressa criaram uma comunidade em torno daquela alegria que ele inspirava. Muito rudemente faz lembrar um Principezinho do tempo digital, só para vos fazer perceber o impacto deste trabalho. Acabou pro se tornar um livro e mais tarde numa animação que foi premiada com o Óscar. Recomento vivamente ambos, independentemente da vossa idade.

 

Mas esta semana, e ouvir-me-ão falar disso na missa, se não forem à do padre Jorge – sim, porque eu agora sei quem vai à missa à Marinha e quem não vai(...), destacamos esta escultura que retrata do abraço do Pai ao filho, o tal que era pródigo[1].

E é um trabalho incrível de traduzir o espírito do Amor de Deus e daquilo que é a nossa Fé.

O olhar de alívio do Pai ao ver e abraçar o filho “que estava morto mas agora vive”, a força com que o abraça, e os braços desajeitados do filho que nem devolve o abraço.

E é aqui que está o pormenor que faz toda a diferença, o pobre rapaz não consegue devolver o abraço, porque o Pai faz tudo, é Dom total do Pai que não lhe pede retribuição, apenas que se confie totalmente.

Então os braços desengonçados não são de falta de jeito ou de vergonha, são de total entrega e confiança. O filho confia, entrega e abandona-se totalmente nos braços do Pai que naquele momento o suporta suspenso. (reparem como o Pai o abraça de forma envolvente)

“Quem tem ouvidos oiça...” Não se ganha, não se merece, não se devolve. É puro dom gratuito de um Pai que só quer ver o filho bem, são e salvo e que ignora completamente o seu erro, o seu pecado, sem lhe cobrar o que quer que seja.

Pede apenas a coragem de se deixar cair nos braços amorosos do Pai.

 


[1] pródigo

(pró·di·go)
adjectivo e nome masculino

1. Que ou quem gasta de forma desmedida ou compromete as suas possibilidades económicas com gastos excessivos. = DISSIPADOR, ESBANJADOR, GASTADOR, PERDULÁRIO ≠ AVARENTO, SOMÍTICO, SOVINA

2. Que ou quem tem ou oferece algo de forma abundante. = GENEROSO

"pródigo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/pr%C3%B3digo.

Ouvir o Silêncio da voz do Senhor

O nosso senhor Dom Serafim teve, por muitos anos, vários heterónimos, com estilos e assuntos distintos para os seus escritos e a sua revista Síntese (se não falha a memória). Uma das que mais corria entre os seminaristas, no tempo em que eramos já poucos, mas mais que agora, começava: “da varanda do meu presbitério vejo”.

Eu não tenho uma grande varanda, mas os anos de padre têm sido local de encontro e de vislumbre muito interessante da nossa humanidade. E dou por mim a ver padrões, de comportamento, de dores, de dificuldades e outras que tais.

Esta semana vi expressar de uma forma muito mais articulada e eloquente uma das minhas intuições. Falavam do perigo do vazio das vidas Hiper-ocupadas.

Um conceito que associo sempre aos tubarões que precisam dormir em água corrente porque se pararem morrem (a malta da bilogia marinha que me perdoe).

Hoje há sempre ruído à nossa volta. E quando não é do ambiente que rodeia, procuramo-lo.

Música de Natal nas ruas e nas lojas, o ruído urbano no nosso caso. E quase estranhamos não ouvir nada. Quase tanto quanto o constrangimento de ficar em silêncio sem nada para dizer, seja com amigos, seja com Deus.

Até na fila do pão se puxa do telefone. E já não é um fenómeno de miúdos apenas. É natural o movimento de puxar do telefone para ver as notificações, o Facebook, o Instagram, o tempo, as notícias ou o mail do trabalho, ou um dos mil trezentos e cinquenta e quatro grupos de whatsapp...

Por estes dias, celebrando o Dia do Pai e a Solenidade do S. José, o silêncio voltou a ser chamado à nossa atenção, afinal de contas é a melhor citação de S. José: “______”.

Mas já não estamos habituados e estranhamos. Embora, se diga que seja um sinal de relações saudáveis: a capacidade de partilhar tempos de silêncio – sem vontade de cortar uma artéria ou fugir, acrescento eu.

Penso também nos nossos diálogos com Deus, nas nossas intenções, petições e pedinchices: sol na eira, chuva na horta, o Euromilhões para pagar o centro pastoral, paciência a quilo... então mas e dar tempo à resposta?

Na adoração ao Santíssimo há que haver um esquema, leituras para ir fazendo e pautando o ritmo do momento. E se demora, puxamos a Bíblia, as leituras do dia, a liturgia das horas, puxamos o terço. Tudo para não parar, vale tudo para não estar quieto.

Porque quando paramos podemos ouvir coisas que não queremos e nem é por mal. “agora não” “não estamos com cabeça” ou outra qualquer desculpa.

Recordo o desequilíbrio nos anos de vida de Jesus, trinta em silêncio, para três de acção e voz activa. Lá diz o povo que temos dois ouvidos e uma boca, para ouvir mais do que falar.

Em tempo penitencial, de conversão interior e de maior proximidade com o Senhor Jesus, intuímos já os vários silêncios que a Páscoa trará. Sobretudo dos discípulos incrédulos com o anúncio da paixão, o anúncio da traição, da mão no prato, o escândalo do “serei eu Senhor?”, a oração no horto, o silêncio da multidão diante do julgamento de um inocente, até ao silêncio do último suspiro do Senhor. 

Talvez possamos pedir o dom da coragem, de silenciar, dar espaço à resposta de Deus. nestes dias a meio caminho da Páscoa tenhamos a coragem de ouvir o que Senhor diz a quem se propõe escutar a sua voz silenciosa.

 Estou seguro que haverá agradácveis surpresas.

Pe. Patrício

Haverá vida pós-parto?

Partilharam comigo, esta semana, um pequenino vídeo, já com alguns anos, mas muito curioso. É uma espécie de metáfora para falar de Deus, da sua dimensão, da nossa vida.

É um diálogo entre dois bebés ainda no ventre materno. Um deles pergunta se haverá vida para além do parto. Talvez até conhecessem “a mãe”! ao que o outro responde que não há provas de que haja vida para além do ventre. Como iriam alimentar-se sem o cordão? Conhecer a mãe? Loucura!

O primeiro sonhava em comer com a boca, andar talvez... interagir com a mãe.

É bem claro onde isto nos leva e tem o seu quê de interrogação.

Olhava para o Evangelho deste Domingo e lá encontrava a Transfiguração de Jesus no Monte.

Aquilo que Ele faz é permitir aos seus discípulos entrever a vida pós-parto, que Deus sonha para a sua tão preciosa humanidade e que Jesus veio fazer acontecer.

E que tarefa complexa querer levar alguém para um sítio que não faz parte da sua imaginação ou do seu vocabulário até! Lá dizia o S. Paulo: loucura para os gentios, escândalo para os Judeus.

Pelo que, para além do carácter catequético que o texto tem, vejo sempre aqui um gesto inteligente de Jesus, como quem partilha fotos da viagem, ou da comida do restaurante favorito, onde deseja levar um amigo.

Mostrar-lhes o seu rosto glorioso, ainda que não fossem capazes de o perceber, foi oportunidade de criar um desejo no coração daqueles 3 apóstolos (e só aqueles).

 

Várias pessoas me perguntam como tem sido estes dias agora sozinho e o meu pensamento é sempre o mesmo: eu vejo uma paróquia no seu corpo glorioso. Como Deus a sonhou, como Deus precisa dela. E sinto-me um daqueles três discípulos: privilegiado pela confiança, mas sem saber bem o que vejo ou como chegar lá. Uma coisa é certa precisamos chegar lá e seremos capazes de chegar lá.

 

Tem sido desafiante manter a agenda e os hábitos, especialmente em tempo de visita ao domicílio para ver os nossos compadres que não se juntam a nós na Eucaristia. Mas sempre que vejo aqueles rostos de “pena do padre”, penso nos discípulos e naqueles bebés: não conhecemos, nem imaginamos uma realidade nova!

Eu estou a escrever isto já bem fora das horas da minha sesta nocturna.

Estes dias vários foram os funerais que foram acompanhados aos cemitérios pelos nossos ministros extraordinários da comunhão, que também já presidiram a alguns funerais (e a imagem da Nossa Senhora não caiu!)

Houve quem ficasse indignado por não ver lá o padre, mas também não soube dizer o nome do padre que lá faltava, como também, e isto é conversa para outras núpcias, nunca ninguém sabe quem é o padre para marcar o funeral.

Mas houve também apreço na surpresa, de quem se sentiu acompanhado, de quem apreciou a experiência humana de quem conduziu aquele momento de oração.

E tudo isto porque estamos habituados a fazer as coisas de certa maneira e nem sabemos bem porquê. Ninguém sabe explicar por que motivo é que tem que ser um padre a presidir a uma celebração que não é sacramento. Era boa ideia? -Era. Foi uma coisa que surgiu também para sustentar o clero? -Se calhar houve por aí no passado umas histórias de mercantilismo religioso.

Na próxima semana o Shemá será orientado pela equipa e pelos jovens para que eu possa ficar na igreja a confessar quem precisa. Porque isso só eu posso fazer. E só os sacramentos dependem totalmente de mim (e nem todos! Porque até o matrimónio pode ser presidido por um leigo. Mas estejam descansados que não vai ser possível o avô presidir ao matrimónio de um neto. Calma lá com isso!)

 

Mas verdade seja dita a paróquia precisa mudar. As paróquias precisam mudar.

- mas senhor padre, a Marinha é tão grande! O padre Jorge foi para 2 paróquias, com várias capelas. O que não nos falta por aí são paróquias com muito mais capelas do que nós temos, com maiores dificuldades geográficas, sociais e de deslocação.

 

Esta transformação vai doer a todos. E precisamos de ver o horizonte maior da nossa Diocese.

Sinto que estamos num momento em que nos rebentaram as águas. E embora o plano esteja definido, anda tudo louco à procura do saco para levar para a maternidade e à procura das chaves do carro que estão na mão esquerda entaladas entre a carteira e o saco e o casaco. O pânico cega e transtorna até as mentes mais preparadas.

 

 Este Domingo Jesus permite entrever o seu Rosto Glorioso, peçamos a graça de entrever uma paróquia diferente. Uma paróquia mais inteira, mais capaz, mais responsável, mais organizada, mais proactiva, mais viva, mais presença de Deus!

Não faltará nada a ninguém, mas efetivamente é uma vida nova, uma realidade que estamos a construir sem ter manual de instruções específico.

Da minha parte e onde as forças me chegarem tudo farei para ver esta paróquia tornar-se um farol de esperança, abraçar o convite de Deus.

Estou certo de que posso contar com todos vós para passando o susto das águas rebentadas, o pânico da viagem, enfrentar as dores de parto que culminarão imperiosamente no abração terno da nova criatura.

Padre Patrício Oliveira

Não comer carne à sexta-feira é fácil

Como diria o falecido Raúl Solnado “vinha eu na minha vida muito quentinho” quando me cruzo com uma muy reverente paroquiana, com quem tinha partilhado o dilúvio no cemitério, e pecador me confesso: cobicei-lhe a broa que trazia na mão da loja da Amélia Emília (sem patrocínio).

Acontece que a apanhei de surpresa e de boca cheia, partilhou comigo com uma alegria contagiante: senhor padre apanhou-me com a boca na botija! Vim buscar uns rojões para a janta e cheiravam tão bem que não resisti e já comi um! Estão óptimos!”

Eu nem queria acreditar que aquilo me estava a acontecer, e ainda a pensar na broa e feliz de ver um sorriso tão genuíno perguntei: “Hoje”. Creio que o rojão ainda não terá descido e desconfio que o jantar não terá sido tão aprazível como planeado.

Imaginam o resto da conversa.

Ainda acrescentou: “havia de me confessar, mas nem era por causa dos rojões.”

Fiquei a pensar no episódio que me caiu no colo desta forma tão espontânea. Efetivamente não comer carne nas sextas da Quaresma é fácil. Vivemos num país que tem mais de mil maneiras de cozinhar bacalhau (e acho que não incluí as receitas de bacalhau preto).

Efectivamente os tempos mudaram, bem como o acesso a variedade e quantidade de alimentos.

A Conferência Episcopal Portuguesa lá recorda que este exercício espiritual se pode concretizar na abstinência de carne. E a coisa está tão enraizada que permanece forte na memória coletiva. Quem me dera que o preceito da Eucaristia semanal e a confissão regular mantivessem essa presença na memória do povo.

Incomoda-me sempre a forma mecânica como vejo o preceito ser usado e anunciado: carne não, um peixinho fresco grelhado (caro que dói), ou marisco! O marisco pode-se!

E afinal porque não se pode comer carne ninguém pergunta.

A igreja recorda sempre a Sexta-feira Santa em todas as sextas, em abono da verdade o preceito é indicado para o ano todo (assunto para outro dia). recordamos a morte de Cristo por nós, a sua entrega na Cruz. Podemos ver aqui uma ligação espiritual com a carne de Jesus? Talvez. É importante? Sim, claro, é parte da nossa história e da nossa tradição.

Mas o que queremos mesmo é unirmo-nos ao Seu sacrifício. E sentirmo-nos amados, atrevo-me a dizer até: esmagados por tamanho amor e coragem. Dizemos que morreu por nós com demasiada facilidade.

Queremos sobretudo honrar este sacrifício. Morreu por nós porque nos ama. Porque Viu (Vê...) em nós um valor que talvez nem nós mesmos somos capazes de reconhecer. Deus apostou forte em nós!

Então tudo isto serve apenas para “puxar” por nós. Fazemos sacrifícios e penitências para nos emendar. Para um exame de consciência profundo e honesto. Reconhecer o quanto falta para chegarmos a ser o que aquele Jesus de Nazaré viu em nós. E diante disso, pedimos o dom de querer mudar.

Penitência, pelos pecados, jejum do que está a mais. O exercício de não comer carne, abster de pequeninos gostos, servem para nos lembrar DAQUELA Sexta-feira e que não podemos desistir de sermos inteiros/humanos/santos, ninguém O quer defraudar.

Não comer carne é fácil, pedir perdão é que é complicado.

Não matar, não roubar, não fazer mal a ninguém está muito aquém dos mínimos olímpicos do ser gente séria.

A dificuldade está nas coisas pequenas. As mentiras piedosas, as impaciências, o dedo rápido a julgar, o preconceito, a presunção de não ter pecados e ser melhor que os outros, a certeza de ser o único condutor que sabe entrar numa rotunda.

Difícil não é comer lombinhos de salmão em vez de bife da vazia, difícil é calçar os sapatos do outro.

Difícil é dar do que tenho e não do que me sobra. Difícil é não gastar para partilhar, não é dieta nem esmolazinha, é partilha e solidariedade, de moeda e de tempo.

Dificil é dar-me um pouco, mais até do que merecem

Mas foi isso que Ele fez!

Incomoda-me a beatice, a soberba de cumprir preceitos e coleccionar indulgências e olhar de lado para alguém que nunca ouviu falar da novena do terço dos santos mártires do penedo do norte de África, enquanto se alimentam tricas e ciúmes e maledicência disfarçada de frontalidade.

Mas como, ao contrário de certas pessoas, não comeram rojões: está tudo bem!

Ser católico é desconfortável! E dificilmente podemos andar descansados porque cumpri as minhas obrigações todas e tenho as contas em dias.

O católico caminha vergado pelo quanto nos falta e pela vergonha de teimar em fazer as mesmas coisas, mas caminha fortalecido pela confiança num Pai misericordioso que não o deixa cair e ficar na lama do seu próprio pecado.

É um caminho de tensão, que há-de ser alimentado pelos Sacramentos, pela oração, pela escuta da Palavra e pelos irmãos de caminho.

Que estes dias, sejam de esperança, de coragem, de dar de nós, de voltar para fora.

Vamos ter catequeses Quaresmais, perguntemos, partilhemos. Sejamos curiosos acerca do sentido das tradições.

Hoje no Evangelho perguntavam a Jesus: porque não jejuam os teus discípulos? Eu gostava de perguntar: “Porque jejuam vocês? Só porque sim?”

Não seja só dieta. Seja uma mudança profunda no modo de viver e de abraçar o Amor de Deus que olhamos pregado na Cruz.

Pe. Patrício Oliveira