“O discípulo que Jesus amava”

   Esta expressão, que é muito familiar para nós, está presente em diversas passagens do Evangelho segundo S. João e será certamente esse o motivo por que tendencialmente associamos o personagem indicado à pessoa do Evangelista, o qual teria mantido o nome no anonimato por razões de modéstia e de humildade.

   Poderá ser, mas…

   Mas algo nos diz que essa explicação parece ser demasiado simples, demasiado curta, demasiado distraída. Há alguns detalhes que suscitam algumas reflexões e que nos levam a aprofundar a razão de ser desta expressão, a quem é que ela se refere na realidade e que nos despertam para uma riqueza muito maior, que merece ser explorada.

   Em primeiro lugar, se tivesse sido por uma questão de modéstia, S. João podia perfeitamente ter omitido o complemento “que Jesus amava”, substituindo-o por outra palavra, deixando o nome diluído no conjunto. Poderia escrever apenas “um dos discípulos”. Poderia, inclusivamente, escrever o seu próprio nome, tal como fez com diversos dos restantes discípulos. (Jo 13,21–14,24)

   Por outro lado, é significativo perceber quais os momentos do Evangelho em que S. João coloca esta expressão. Com efeito, ela surge em situações que marcam dramaticamente a Missão de Jesus e da comunidade dos discípulos, da Igreja nascente, momentos em que percebemos que a Igreja é convocada a continuar a mesma Missão.

   A expressão surge no momento da última Ceia (Jo 13, 21-26 – “Um dos discípulos, aquele que Jesus amava, estava à mesa reclinado no seu peito.”), surge ao pé da Cruz (Jo 19, 25-27 – “Então Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua.”), ocorre na ida de Pedro ao túmulo (Jo 20, 2-10 – “Correndo, foi ter com Simão Pedro e com o outro discípulo, o que Jesus amava, e disse-lhes: «O Senhor foi levado do túmulo e não sabemos onde o puseram.»”), acontece na sequência da pesca abundante no lago de Tiberíades (Jo 21, 6-7 – “Lançaram-na e, devido à grande quantidade de peixes, já não tinham forças para a arrastar. Então, o discípulo que Jesus amava disse a Pedro: «É o Senhor!» Simão Pedro, ao ouvir que era o Senhor, apertou o saio, porque estava sem mais roupa, e lançou-se à água.”) e também no momento em que Jesus ordena a Pedro para O seguir (Jo 21, 20 – “Pedro voltou-se e viu que o seguia o discípulo que Jesus amava, o mesmo que na ceia se tinha apoiado sobre o seu peito e lhe tinha perguntado: ‘Senhor, quem é que te vai entregar?’”).

   Pelo exposto e pelo significado que estas passagens contém, começa a ficar claro que “o discípulo que Jesus amava” não diz respeito apenas a uma pessoa, não diz respeito somente a um personagem que estava presente e que registou factos a partir de um local privilegiado, mas pode ser assumido por todos os discípulos.

   Começa também a ficar claro que o que torna a expressão referenciada tão marcante é a qualidade do SER DISCÍPULO. Esse facto, só por si, faz com que sejamos amados por Jesus, faz com que todos e cada um de nós sejamos realmente “o discípulo que Jesus ama”, faz também que cada um de nós seja convocado a continuar a Sua Missão. Ser discípulo é ser amado e investido da mesma Missão que Ele iniciou.

   Essa Missão contém tudo aquilo que Ele viveu, anunciou e transmitiu: a Missão de celebrar em Sua memória a Fracção do Pão; a Missão de receber como nossa Mãe a Sua Mãe; a Missão de reconhecer nos sinais que observamos os sinais de Ressurreição; a Missão de sermos pescadores e anunciadores, mesmo quando já não temos forças para arrastar a rede; a Missão de O seguir, como o discípulo seguiu Pedro, e nós seguirmos os seus sucessores; a Missão de cumprir o mandamento novo, de nos amarmos como Ele nos amou; a Missão de nos amarmos uns aos outros como discípulos amados, dando testemunho que todos poderão conhecer, de que somos discípulos amados por Jesus, que reclinam a cabeça no seu peito, que olham para a sua como nossa Mãe, que O procuram nos sinais difíceis e inesperados da nossa vida, que O anunciam e dão a conhecer, que O seguem com amor e confiança, seguindo os sucessores de Pedro, em comunidade, em Igreja, seu Corpo místico. Como discípulos que Jesus ama!

Fernando Brites