As sementes vêm dos frutos

Para uma pedagogia interior que nos ajude a saborear os frutos, a combater a frustração, a semear virtudes como quem faz bons enxertos.

P. Carlos Carvalho sj

10 Setembro 2025

Há uma frustração inútil que vem do cansaço infértil de perseguir o êxito e que não dá fruto: frustração, porque turva o olhar e faz sofrer o sentido; inútil, porque vem do engano e acorrenta a liberdade. Na educação, como na vida, vivemos o constante desafio de recolher os frutos dos gestos e palavras que semeamos. Tantas vezes, inutilmente, como educadores desesperamos porque o sistema excessivamente burocrático não muda, porque os alunos não têm uma atitude adequada, não conseguem estar atentos e não progridem. Tantas vezes, no dia-a-dia, estamos cansados porque não temos tempo para tudo, não conseguimos acompanhar os filhos, não somos reconhecidos ou valorizados, não temos tempo para nós. Tantas vezes, na sala de aula, estamos ansiosos com o peso das expectativas dos pais, dos professores e dos colegas, temos medo de errar e socorremo-nos dos filtros para não lidar com a frustração. Queremos evitar-nos em todas as esquinas e ignorar-nos em todos os espelhos.

Tal como os frutos amadurecem, nutrem e dão sementes, assim também, a semente deve ser preparada para ser lançada, com temperança e coragem, possibilitando a morte lenta que leva à vida virtuosa.

Todavia, os frutos podem salvar-nos. Não apenas por nos centrarem naquilo que é autêntico e fértil, mas porque da sua memória nascem as sementes, que lançadas no terreno irmão fazem brotar o futuro. Tal como os frutos amadurecem, nutrem e dão sementes, assim também, a semente deve ser preparada para ser lançada, com temperança e coragem, possibilitando a morte lenta que leva à vida virtuosa. A arte de bem semear está na paciência  e na escolha do tempo favorável, atendendo tanto à meteorologia como ao ambiente interno e às caraterísticas do terreno. Em lugar de promover uma autoexigência ou disciplina autocentrada, matando a praga do medo e evitando que a larva da ansiedade se alimente das nossas raízes, reconheçamos que Deus se inclina para fazer chover sobre todos campos a misericórdia, transformando a aridez em húmus e o deserto num descampado de narcisos. Cultivando a gratidão, somos desafiados a semear de graça o que de graça outros em nós semearam: evitando acumular em grandes celeiros o que partilhado pode ainda dar mais fruto.

Neste início de ano letivo, contra a cegueira da frustração inútil ou a secura infernal do desânimo, inspirados pelas catequeses do Papa Francisco, contemplemos três sementes que podem ajudar-nos a transformar o fruto do descanso das férias em liberdade para servir.

a) Liberdade: a semente do serviço

“A liberdade não é um modo libertino de viver, segundo a carne, ou segundo o instinto, desejos individuais e impulsos egoístas; pelo contrário, a liberdade de Jesus leva-nos a estar – escreve o Apóstolo – «ao serviço uns dos outros».  Mas é isto escravidão? Sim, a liberdade em Cristo contém alguma “escravidão”, alguma dimensão que nos leva ao serviço, a viver para os outros. Em síntese, a verdadeira liberdade é plenamente expressa na caridade. Mais uma vez encontramo-nos perante o paradoxo do Evangelho: somos livres para servir, não para fazer o que queremos. Somos livres quando servimos, e é disto que vem a liberdade; encontramo-nos plenamente na medida em que nos doamos. Encontramo-nos plenamente na medida em que nos doamos, em que temos a coragem de nos doar; possuímos a vida se a perdermos (cf. Mc 8, 35). Isto é Evangelho puro!” – Papa Francisco, Audiência Geral, 20 de outubro 2021.

b) Fortaleza: a semente da coragem

“Há inimigos internos que devemos derrotar, e o seu nome é ansiedade, angústia, medo, culpa: todas estas forças que se agitam no nosso íntimo e que, em certas situações, nos paralisam. Quantos combatentes sucumbem até antes de começar o desafio! Porque desconhecem estes inimigos interiores. A fortaleza é, antes de tudo, uma vitória contra nós próprios. A maior parte dos medos que surgem dentro de nós são irrealistas e não se concretizam de forma alguma. É melhor então invocar o Espírito Santo e enfrentar tudo com fortaleza paciente: um problema de cada vez, como formos capazes, mas não sozinhos! O Senhor está ao nosso lado, se confiarmos nele e procurarmos sinceramente o bem. Então, em todas as situações, podemos contar com a Providência de Deus para nos amparar e blindar.” – Papa Francisco, Audiência Geral, 1 de abril 2024.

c) Temperança: a semente da sabedoria

“A temperança, como diz a palavra, é a virtude da medida certa. Em todas as situações, comporta-se com sabedoria, porque as pessoas que agem sempre movidas pelo ímpeto ou pela exuberância acabam por ser inconfiáveis. As pessoas sem temperança são sempre inconfiáveis. Num mundo onde tanta gente se gaba de dizer o que pensa, a pessoa temperante prefere, ao contrário, pensar no que diz. Compreendeis a diferença? Não dizer o que me vem à mente, assim… Não, pensar no que devo dizer. Não fazer promessas superficiais, mas assumir compromissos na medida em que os pudermos cumprir.” – Papa Francisco, Audiência Geral, 17 de abril 2024.

Pelos frutos conhecereis as árvores e pelas sementes os frutos. Os frutos que não dão semente, não alimentam, apenas nos enchem de um vazio, que inflando o estômago nos engana a fome e a sede. Os frutos que fazem voltar o apetite sobre si próprio tornam-nos vorazes e sôfregos, semeando cobiça, soberba, inveja, ira, gula, tristeza. Os verdadeiros, pelo contrário, têm um sabor duradoiro, exalam um oxigénio puro que eleva à montanha e refrescam de paz: para além de semear liberdade, fortaleza e temperança, produzem paciência, justiça, humildade, caridade e esperança. Os frutos bons afastam-nos dos maus desejos, dissipam o nevoeiro da frustração e libertam as entranhas da hiperventilação do imediato. Desejar o magis é dar o melhor de mim, transformando os frutos que recebi em semente que posso semear.