A festa da Sagrada Família de Jesus, Maria e José

A festa litúrgica da Sagrada Família de Jesus, Maria e José convida a contemplar a casa de Nazaré como ícone vivo da presença de Deus no meio das nossas casas, especialmente no contexto do tempo de Natal. Nesta celebração, a Igreja propõe Jesus, Maria e José como modelo de fé, comunhão e entrega, iluminando a vocação e a missão das famílias cristãs em Portugal, marcadas por alegrias, desafios e fragilidades muito concretas. Mais do que um ideal abstrato, a Sagrada Família apresenta‑se como um caminho possível, onde a vida ordinária se torna lugar de encontro com Deus.​

Uma festa no coração do Natal

A festa da Sagrada Família celebra‑se, habitualmente, no domingo dentro da oitava do Natal, isto é, entre o dia de Natal e o primeiro dia do ano, ou, em determinadas configurações do calendário, no domingo imediatamente a seguir. Localizada no coração do ciclo natalício, esta festa prolonga o mistério do Deus que Se faz homem, sublinhando que o Filho de Deus quis crescer, amadurecer e aprender no seio de uma família concreta.​

Do ponto de vista histórico, a devoção à Sagrada Família ganhou força sobretudo a partir do século XIX, conhecendo depois uma difusão mais ampla em toda a Igreja, até ser inscrita no calendário litúrgico universal. Ao estabelecer uma festa própria, a Igreja quis propor a Nazaré como “modelo” e inspiração para a vida familiar cristã, numa época marcada por profundas mudanças sociais e culturais.​

Nesta perspetiva, a Sagrada Família não é apenas objeto de veneração, mas verdadeiro espelho e desafio para as famílias de todos os tempos, incluindo as famílias portuguesas que procuram viver a fé no contexto atual. A liturgia desta festa é, assim, um convite a olhar para a própria casa e a deixá‑la ser tocada pela luz discreta mas firme de Nazaré.​

A Sagrada Família, rosto humano de Deus

Na casa de Nazaré, Deus assume a linguagem simples do quotidiano: o trabalho de José, os cuidados atentos de Maria, o crescimento de Jesus como qualquer criança, com aprendizagens, afetos, perguntas e surpresas. Longe de um idealismo desencarnado, a Sagrada Família vive também momentos de incerteza, pobreza, deslocação e sofrimento, como se vê na fuga para o Egito ou na angústia de Maria e José ao perderem Jesus em Jerusalém.​

A fé cristã afirma que, em Jesus, Deus partilha a vida concreta das famílias e torna‑se próximo de todas as realidades familiares, inclusive as mais frágeis. Em Nazaré, a vontade de Deus é o eixo à volta do qual se organiza a vida da família, fazendo da casa um espaço de escuta, confiança e entrega mútua.​

Esta centralidade de Deus não retira humanidade à família de Jesus; antes pelo contrário, plenifica‑a. A relação entre Jesus, Maria e José revela um amor que integra obediência, liberdade, diálogo e responsabilidade, abrindo às nossas casas uma verdadeira escola de santidade quotidiana.​

A Palavra de Deus que ilumina a família

A liturgia da festa propõe um conjunto de leituras bíblicas que ajudam a compreender a vocação da família à luz do Evangelho. Com variações consoante o ano litúrgico, sobressaem de modo particular textos do livro do Ben Sirá, da Carta aos Colossenses e dos evangelhos da infância de Jesus.​

Na primeira leitura, é frequente escutar‑se um trecho do livro de Ben Sirá (Sir 3), que convida ao respeito e à honra devidos ao pai e à mãe. Este texto sublinha o valor do cuidado intergeracional, da atenção aos pais idosos e do reconhecimento da autoridade, não como imposição, mas como relação de aliança e gratidão.​

Na segunda leitura, a liturgia propõe por vezes um texto da Carta aos Colossenses (Col 3), em que São Paulo exorta a “revestir‑se de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência”. Ao aplicar estas atitudes à vida familiar, o apóstolo traça um retrato exigente e ao mesmo tempo realista da convivência quotidiana, marcada pela necessidade de perdão, diálogo e reconciliação.​

O evangelho apresenta episódios da infância de Jesus, como a apresentação no templo ou a perda e reencontro do Menino em Jerusalém, consoante o ano A, B ou C. Nestes relatos, sobressai a obediência de Jesus, o cuidado de Maria e José, e a afirmação de que o Menino “crescia em sabedoria, em estatura e em graça, diante de Deus e dos homens”, mostrando como a família é lugar de crescimento integral.​

A família cristã, vocação e missão

A partir da Sagrada Família, a Igreja fala da família como “Igreja doméstica”, isto é, pequeno núcleo onde a fé se vive, reza, celebra e transmite de geração em geração. É na casa que se aprende, muitas vezes pela primeira vez, a fazer o sinal da cruz, a rezar, a perdoar, a partilhar o que se tem, a olhar para quem sofre com compaixão.​

Nesta perspetiva, a família é chamada a ser lugar de acolhimento da vida, de educação cristã dos filhos e de participação ativa na vida da comunidade paroquial. Pais, avós e filhos tornam‑se protagonistas da missão, levando para o mundo do trabalho, da escola e da sociedade os valores do Evangelho que se aprendem em casa.​

Ao mesmo tempo, a Igreja reconhece com realismo os desafios e fragilidades que muitas famílias enfrentam em Portugal: instabilidade económica, migrações, ritmos de trabalho intensos, fragilidade das relações, solidão dos idosos, situações de separação ou recomposição familiar. A festa da Sagrada Família não ignora estas realidades; procura antes iluminá‑las, oferecendo uma palavra de esperança e proximidade a todas as famílias, independentemente da sua situação.

Muitas homilias e mensagens episcopais sublinham precisamente esta dimensão: a Sagrada Família é referência, mas não um padrão rígido que exclui. Ao contemplar Jesus, Maria e José, a Igreja deseja acompanhar, escutar e apoiar todas as famílias, especialmente as que vivem feridas, cansaços e rupturas.​

Celebrar a Sagrada Família nas comunidades

Nas comunidades paroquiais, a festa da Sagrada Família é uma oportunidade privilegiada para colocar a família no centro da oração e da ação pastoral. As orações próprias da missa, o prefácio e a oração universal destacam a vocação da família a ser espaço de comunhão, fidelidade e abertura à vida, pedindo a graça de fortalecer os laços familiares.​

Em muitas paróquias, neste dia realiza‑se uma bênção especial das famílias, convidando‑as a aproximarem‑se do altar e a renovarem o seu compromisso de viver o Evangelho em casa. Este gesto simples, mas muito expressivo, ajuda a tornar visível a presença das famílias na assembleia dominical, envolvendo pais, filhos, avós e outros membros da mesma casa.​

Outras iniciativas pastorais podem incluir a renovação das promessas matrimoniais de casais presentes, um momento de envio das famílias para a missão no quotidiano ou uma oração particular pelos noivos e pelos casais em dificuldade. Em alguns contextos, propõe‑se igualmente um momento de oração em família, em casa, diante do presépio, para reforçar a ligação entre a liturgia dominical e a vida doméstica.​

A participação ativa das famílias na liturgia da Palavra, na apresentação das oferendas ou na animação da oração dos fiéis manifesta que a família não é apenas destinatária, mas sujeito ativo da vida da Igreja. Esta participação ajuda também as crianças e jovens a sentir que a comunidade os acolhe e valoriza, reforçando o elo entre paróquia e vida familiar.​

Nazaré, escola de santidade quotidiana

Contemplar a Sagrada Família é entrar numa verdadeira escola de santidade quotidiana, onde a vida se faz dom nos gestos mais simples: a mesa partilhada, o trabalho honesto, o cuidado dos mais frágeis, a paciência nas dificuldades. Jesus, Maria e José mostram que a santidade não se vive apenas em momentos extraordinários, mas na fidelidade de cada dia, mesmo quando ninguém vê.​

Para as famílias de hoje, muitas vezes pressionadas por ritmos acelerados e por exigências múltiplas, Nazaré torna‑se convite a recentrar a vida no essencial: Deus, a relação, o serviço. Na oração, na escuta da Palavra, no perdão pedido e oferecido, a casa transforma‑se num pequeno “santuário” onde Deus habita e acompanha.​

A festa da Sagrada Família é, por isso, um apelo concreto a que cada lar se deixe transformar pela graça do Natal, acolhendo Jesus não apenas no presépio da igreja, mas também no presépio vivo que é a própria casa. Ao pedir a intercessão de Jesus, Maria e José, a Igreja confia a Deus todas as famílias, com as suas alegrias e feridas, desejos e medos, suplicando que cada uma se torne, pouco a pouco, um “pequeno Nazaré”, lugar de acolhimento, perdão e missão no mundo de hoje.​

ORAÇÃO PARA A FESTA DA SAGRADA FAMÍLIA 2025*

Maria, Mãe da Esperança,
Nova Eva esperada desde toda a eternidade,
Mulher que acreditou na Promessa do Alto,
Coração que acolheu o Impossível de Deus.
No silêncio da noite de Belém,
Foste luz que guiou os pastores,
Ternura que embalou o Menino,
Berço que guardou a fonte da Vida.
Tu que disseste “Faça-se em mim”
E acolheste no teu seio o Filho de Deus,
Ensina-nos a abrir o coração ao Emanuel,
O Deus connosco, o Deus em nós.
Maria, Mãe da Esperança,
Intercede pelas nossas famílias neste Natal:
Que a paz renasça em cada lar,
O carinho germine em cada olhar
E a alegria floresça em cada gesto de amor.
Que o teu Filho,
Esperança que não engana,
Nos ilumine com a graça da Sua luz,
Para que também nós sejamos mensageiros
Da esperança que salva e dá Vida.
Ámen.