O Tempo que Já não temos

A importância da experiência do Advento – entendida como o caminho para a Encarnação – recentra-nos num paradigma que não é o da urgência, mas o da atenção. Não o da avidez, mas o do significado.

Vivemos numa era cada vez mais frenética, onde o ritmo social e tecnológico se sobrepõe à nossa própria capacidade de presença. A azáfama quotidiana – frequentemente celebrada como produtividade – tornou-se numa forma de alienação subtil: estamos em muitos lugares, mas raramente estamos efetivamente presentes e atentos. Esta dissociação entre experiência e consciência é um dos problemas estruturais da nossa sociedade.

Um dos aspetos mais interessantes tem que ver com esta sensação de profunda erosão do tempo, da empatia e da capacidade de desejar e, em particular, o contraste com a liturgia, especialmente visível no Advento. Este é um tempo para parar, refletir sobre a nossa capacidade de esperar, de ter paciência, não como uma fuga, mas como um reencontro com a nossa essência. A importância da experiência do Advento – entendida como o caminho para a Encarnação – recentra-nos num paradigma que não é o da urgência, mas o da atenção. Não o da avidez, mas o do significado.

Este contraste é revelador da crise contemporânea do tempo em que vivemos. Uma sociedade que exige cada vez mais o imediatismo e que tenhamos tudo “à mão”, esvaziando a experiência do desejo e da espera. A ausência desta espera não é apenas um sintoma de conforto, é um empobrecimento espiritual e emocional. Quando tudo é instantâneo, deixamos de reconhecer os sinais, perdemos a capacidade de leitura simbólica do mundo e deixamos de cultivar qualquer forma de transcendência – religiosa, ética ou simplesmente humana.

Daqui emerge a pergunta essencial: a que é que damos tempo? Num contexto em que a fragmentação da atenção se tornou norma, aquilo que perde espaço são precisamente as realidades que exigem continuidade e cuidado –  relações, reflexão, autoconhecimento, empatia. A incapacidade de “interpretar os sinais” fragiliza a nossa vida pessoal e em comunidade.

Recuperar o tempo não implica esperar por um fim grandioso para encontrar alegria. Pelo contrário, é reconhecer que o caminho, com as suas etapas, é já lugar de sentido. A alegria deixa de ser uma recompensa distante para se tornar numa forma de habitar o quotidiano.

Num mundo saturado de estímulos e de urgência, talvez a verdadeira  subversão seja esta: recuperar o tempo – para estar, para escutar, para desejar, para cuidar, para interpretar e para ser.

Catarina Abreu de Pinho