Mensagem de Natal de D. José Ornelas

Aproximamo-nos e preparamo-nos para celebrar este Natal de 2025 com a alegria, as preocupações e os desafios com que nos confrontamos, tanto em Portugal como no mundo e na Igreja. 

A guerra em Gaza, na Ucrânia, no Sudão, em Moçambique, e em tantos outros países, com crueldade e abuso dos mais elementares padrões de direito internacional e de respeito pela dignidade humana, impõe situações de sofrimento e privações de todo o tipo a populações inteiras inocentes, incluindo milhões de crianças mortas ou em situação de carência vital.

Como no Natal de há mais de dois mil anos, a “paz na Terra” entre todos os que a habitam, que os anjos cantaram na noite de Belém, constitui um motivo de constante desafio e esforço, que a todos nos deve mobilizar. As tentativas de paz em curso suscitam alguma expectativa positiva. Contudo, é preciso que não seja apenas uma atitude de resignação ou capitulação perante a lei dos prepotentes e o atropelo do direito dos povos, mas que se baseie em princípios de dignidade e justiça, para que suscitem verdadeira esperança de futuro e paz duradoura.

No nosso país, para além do inevitável impacto da situação de conflitos internacionais e da resposta solidária para com as suas vítimas, não faltam motivos de preocupação e desafios que exigem coragem, competência e autêntico espírito de Natal. Não esquecemos a pobreza de muitos milhares de famílias que não conseguem fazer face às necessidades básicas com o ordenado que recebem do seu trabalho; a solidão de tantos idosos em suas casas ou em instituições de acolhimento sem condições; as grávidas sem perspetivas de um lugar seguro para dar à luz; os doentes em longas filas de espera nos serviços de saúde, mesmo com o esforço extenuante dos profissionais que os tratam; os custos exorbitantes da habitação face à maior parte dos ordenados e capacidades da maioria das famílias; a justiça nas relações de trabalho e a busca de soluções viáveis para um mundo em mudança, sem abdicar da dignidade de quem trabalha e da construção de uma sociedade equilibrada e em paz.

Particular significado assume, no contexto do Natal, no nosso país e no mundo inteiro, a condição dos migrantes que fogem de situações de guerra e perseguição, ou que buscam segurança e condições de vida e futuro, para si e para as suas famílias, encontrando, com frequência, portas fechadas, exploração gananciosa e perigos de todo o género, quando não mesmo a morte. 

No Natal de Belém, Jesus vem a este mundo como membro de uma família de forasteiros, que não encontra condições mínimas de abrigo para o estado da mãe e para o nascimento do bebé. Foi ignorado pelas classes dirigentes e pelos grandes, mas, depois, foi considerado perigoso e desestabilizador do sistema vigente, tornando-se, devido a essa condição, exilado no Egito e “retornado” quando regressa à terra em busca de nova vida.

Por outro lado, esta família de migrantes, que trazia consigo a semente de um mundo novo, depara-se também com a solidariedade condoída de pessoas simples e sofridas que colocam à disposição os modestos meios de que dispunham: um curral com animais e palha seca, uma manjedoura a servir de berço e a partilha dos parcos meios de subsistência de rudes pastores… tudo o que tinham! 

E, se a maioria dos próximos e dos grandes ignorou o nascimento, sábios e investigadores de longe souberam e vieram trazer dons de vidas e ciências de outras terras e culturas, que haviam de entrar a fazer parte do Reino que estava a começar, com este Menino rejeitado e ignorado, mas também acolhido, amado e seguido.

É esse Menino que celebramos neste Natal. Mas não tem verdade nem coerência, celebrar a memória deste Menino, ou proclamar-se seu seguidor, se não se escuta o choro dos meninos e meninas de hoje e a aflição das suas famílias em desespero, que buscam refúgio, futuro digno e paz, dispostos a colaborar e construir futuro com as terras e os povos que os acolhem.

É verdade que os problemas de hoje são complexos e não servem soluções simplistas. Mas o ponto de partida para a solução de tão grande e importante questão da humanidade não pode ser a rejeição e muito menos a humilhação, a exploração e a segregação, mas a análise serena das possibilidades e dos meios, a correta maneira de acompanhar os percursos e de acolher com os recursos de que dispomos. Disso depende o futuro de quem chega, mas também o futuro de quem acolhe.

Que o acolhimento do espírito de Belém nos ajude a realizar um Natal de alegria e fraterna partilha nas nossas famílias, comunidades e paróquias, com especial atenção a quantos se encontram isolados ou em dificuldade, especialmente os que ainda não encontraram laços de solidariedade nos caminhos que estão a percorrer.