Há umas semanas dei por mim a pé numa rua que não conseguia identificar. Não estando perdido não me fazia sentido que ponta da paróquia era aquela. Passei várias vezes e não me saía da cabeça. Num destes dias, porque mais folgado de tempo, desviei do caminho habitual decidido a esclarecer o mistério. Não andei nem 20 metros quando vi um homem chegar ao cruzamento, lento, mas decidido, bengala na mão direita, a esquerda apoiada nos muros das casas.
Reconheci o rosto e nem me queria acreditar, já não o via, nem sabia dele há tanto tempo, que honestamente já me teria passado pela cabeça que tivesse falecido sem que eu tivesse sabido.
Estranhou o turista de calções e boné a aproximar-se e não estava mais espantado que eu. Era o Sr. Roque, carteiro da Marinha de vários anos, cruzava-me com ele com frequências na garagem quando fazia transportes para a Conferência de S. Vicente Paulo.
Conversámos um bocadinho. A saúde já não ajuda muito com a ida à missa, daí a ausência, mas não desiste de dar a volta ao quarteirão. Talvez para as pernas se recordarem de quando vinha de bicicleta lá dos lados do Louriçal, para vir trabalhar (sim, façam como o engenheiro Guterres, é só fazer as contas aos kms).
Ofereci-lhe um ministro da comunhão, envergonhado por não lhe ter chegado a proposta há mais tempo.
E, faço aqui um mea culpa, deixei passar mais tempo do que gostaria, mas esta semana lá tirei a manhã para visitar o Roque e a amiga, que a Alzira também se queria confessar. Já não me recordo de onde os vi juntos, e a expressão roque e a amiga me surgiu. Afinal são amigos e vizinhos há largos anos e até vinha cavaram juntos.
Voltei a cruzar-me com ele, para ir afinar pormenores e conhecer a esposa. Apanhei-o na volta, e juntei-me a ele. E é aqui que a coisa fica bonita e se torna graça de Deus na vida deste padre.
Não houve uma palavra que fosse acerca da minha demora. Mas também não houve uma palavra acerca dele. Só me disse:
- Se calhar tem pressa, mas sabe, há ali uma senhora ainda nova, que teve um AVC e está acamada, eu às vezes ou lá visitá-los. E se calhar também iam gostar de receber a visita.
- Vamos a isso!
- Mas eu ainda demoro um quarto de hora a chegar lá...
- Não há pressa vamos lá ver qual de nós chega primiro.
- Sabe, há aqui um outro vizinho, mas o padre se calhar está com pressa, ele nem era muito de Igreja, mas também já tem uns anos e nunca é tarde para um homem de arrepender e se reconciliar. Eu também o visito às vezes.
O vizinho também vinha a chegar da volta higiénica. Apresentações feitas, o Roque nem teve meias medidas.
- É o padre cá da terra, veio ver-me e eu recebo lá o ministro da comunhão. Tu se calhar também podias aproveitar. Nunca é tarde para um homem fazer as pazes com a vida e com Deus e a graça de Deus é certa.
Eu mal podia acreditar no que ouvia. O vizinho lá me disse que tinha participado nas actividade dO partido, “mas não é por isso que não sei rezar! Que a minha mãe ensinou-me!”.
Ficámos para outras núpcias.
La fomos ver a vizinha acamada, dois dedos de conversa, e siga a viagem, que as pernas e as dores já estranhavam a demora da volta extraordinária.
- O senhor padre se calhar tem pressa, mas há aqui outra pessoa, gente boa...
Resumindo, eu saí para entregar um paroquiano ao ministro extraordinário da comunhão, ganhei mais 4 ou 5, que alguns não estavam em casa.
Continuámos a volta, que eu ainda queria conhecer a esposa! Fui ver agora ao Google Maps e o Roque não estava enganado, a volta ao quarteirão tem bem uns mil metros.
Sorria, visivelmente aflito, mas sorria, partilhou o entusiasmo do Cursilho “fiz quando tinha 40 anos”.
O sol do meio-dia apertava-me já o suor pelas costas abaixo. Mas a brilho dos olhos dele e da forma simples e apaixonada com que me contava a sua experiência de encontro pessoal com Cristo, o amor aquele episódio e ao movimento, era mais forte. Marco-o profundamente e agora já com oitentas e muitos, não teve o mínimo de pudor em falar de Deus e O oferecer já que o padre ali estava.
Foi como um murro no estômago para mim, em bom, que levei naquela manhã.
É fácil perder o entusiasmo, ou deixar que o desgaste e a frustração falem mais alto. Encontros como este levam-me sempre ao que é mais importante e recordam o básico: quando abrimos o coração e O deixamos habitar a nossa vida, Ele vem, ocupa, transforma e renova.
E nem a vida, a doença, o cansaço, afastam esse fogo que arde e alenta.
Quando li o evangelho da Senhora da Assunção, a visita de Maria a Isabel, que a levou numa viagem de 150 kms, pensei naquele km que partilhei com o senhor Roque. E acreditem em mim, não foi menos longo, não foi menos difícil para ele, e tenho a certeza que não foi menos importante.
É a viagem que somos chamados a fazer, uma vida de renovação, conversão; uma vida que leve Jesus aos que nos rodeiam.
Já falei disso em tempos e reforço, sejam como o Roque na vossa rua, estejam atentos aos vossos vizinhos, procurem, e ofereçam a possibilidade. Se forem precisos mais ministros extraordinários, eu mando fazer mais!
Quanto à cabra, parece que foi encontrada lá nas Figueiras, era o que dizia no cartaz da volta ao quarteirão que vimos, se for vossa, mandem SMS ou WhatsApp para o 966 022 426.
Pe. Patrício Oliveira