Olhai p’ra estas mãos que aqui vêdes
Já foram pequeninas e mimosas
Leves e macias como lírios
Rosadas e frescas como as rosas
Mãos que foram dóceis em criança
Hoje são áridas brutais
Que não tendo a graça das ilustres
Valem certamente muito mais
Mãos vidreiras
Que o gáz do forno queimou
Mãos vidreiras que o trabalho calejou
Mãos vidreiras
Que só fazem obras de arte
Mãos que sabem ser vidreiras
Honradas em toda a parte
Olhai p’ra estas mãos trabalhadoras
Pelo rigor da vida transformadas
Mãos que nunca foram ociosas
Mas pelo trabalho calejadas
Mãos que se irmanam com o fogo
Trabalhando o vidro em bulição
Mãos que são a alma de um povo
Na sua dura vida e duro pão
Passaram 14 anos da minha ordenação presbiteral por estes dias, o que é sempre uma oportunidade para uma viagem pelo passeio das memórias, do que foi, do que podia ter sido, do que gostávamos que fosse, mas sobretudo de uma viagem de acção de graças pelo tempo.
Tempo que passou a correr. Pelo que a ausência de pormenores do dia, não sei se se deve a uma falha precoce da massa cinzenta, se da ansiedade do dia.
Também chovia, choveu bem mais até, granizo e inundações, se com os 14 anos veio esta memória, nem quero pensar como será o ano que vem ou, louvado seja Deus, as bodas de Prata!
Recordo sobretudo o momento da prostração. Gelou-se-me o peito no chão e a vontade de fazer um xixi era enorme.
Dou graças a Deus pelo dom da inocência da idade, que dá uma coragem super-humana e nos lança em direcção ao desconhecido com uma leveza jovial que agora não sei se teria.
Mas recordo o dia 15, o dia em que presidi à Eucaristia pela primeira vez, ali na capela do Vale da Gunha (sim, eu preciso mesmo se mudar de ares, que a minha vida tem sido toda aqui nestas vossas/nossas bandas). Recordo a acção de graças e de olhar para as mãos, as tais ungidas e que foram beijadas, e pensar: como é que fizeste isto? Olha o que acabaste de fazer!
Não fiz nada, é Deus pela acção do Espírito Santo que faz, age e acontece. O padre só tem que manter as mãos limpas, vá.
Recordei 2004, passei uns dias a pintar umas obras em Vale de Milhaços, o dono da casa quis agradecer a celeridade do trabalho e quis oferecer o almoço, e puxou da mangueira de jardim para que pudéssemos lavar as mãos. Quando chegou a minha vez, sorriu e soltou um ruidoso: “este tem mãos de padre!”. Creio que só o meu colega de obra e de escola, sabia que eu tinha decidido ir tentar o seminário daí a umas semanas. Rimos que nem uns perdidos durante todo o percurso e entrámos no restaurante ainda a rir, perante o ar perplexo do senhor e do patrão. Acabei por ter que contar a aventura em que estava a colocar-me. Quem diria?
Estes dias comecei a ronda de visitas aos lares, já dei a santa unção a umas dezenas de pessoas. e continuo a olhar para as mãos com o mesmo espanto, admiração e um quê de incredulidade.
Porque continuam a levar Graça, perdão, que não são meus, mas que iluminam os olhos de quem recebe e me olha como fora eu alguém especial.
Estas mãos que aqui vedes já foram pequeninas e rosadas e macias. São hoje mais ásperas e batidas, mas ainda assim ungidas com o óleo dos enfermos, dos catecúmenos e do crisma.
Estas mãos batidas, acolheram já centenas de crianças como catecúmenas, e uns quantos adultos.
Já crismaram bastantes, mais do que eu poderia imaginar. E já perderam a conta aos ungidos com os olhos postos no encontro com o Pai.
Penso nas outras mãos que criaram estas, nas mãos metalúrgicas, fortes, honradas e trabalhadoras; nas mãos de costureiras, delicadas e macias; que amaram, educaram, moldaram e se deram para estas, que são minhas e vossas, poderem crescer e fortalecerem-se para servirem e serem canais da graça que Deus me concede dar.
Mãos que ardem com o Fogo do Espírito quando perdoam e abraçam e oram.
Perguntaram-me se estes anos correspondiam às expectativas iniciais.
Nem de perto, nem de longe. Abençoada ingenuidade da juventude.
Soubesse eu o que tem sido e teria fugido assustado. Não acreditaria nunca no que Deus guardava para mim, chamar-lhe-ia loucos!
Assusta-me um bocadinho imaginar o que está ainda pela frente.
Pelo que me resta apenas a agradecer, as que cuidaram e cuidam, das minhas, a Graça.
Agradecer também às outras mãos de padres que me acolheram. Já vos contei da força das mãos do Sr. D. Virgílio... mas dos que foram professores e agora se tornaram irmãos de presbitério e colegas.
Ainda me incomoda ouvir dessas, que foram formadores, professores: “senhor vigário, a sua bênção”.
Agradeço as mãos Paternas de Deus que me têm suportado e amparado.
Abro as minhas mãos em oração de gratidão, abro-as à Graça, à missão e à vontade do Pai, que me leva pela mão há 40 anos.
Pe. Patrício Oliveira

