Há umas semanas recebi uma mensagem inesperada: “estou aqui no Camões, tenho aqui pessoa amiga que gostava que conhecesses”. O dia tinha sido ligeiramente comprido, eram já bem perto das 22h e eu ainda estava a jantar, naquele uniforme de combate caseiro de calças de fato de treino e camisola de pijama. “Veste um casaco e anda!”
Acedi, meio contrariado, mas não via a pessoa há algum tempo, achei que merecia ao menos dizer olá, já que para conhecer estranhos já não tenho idade. Lá fui, de pijama!
Moral da história era uma armadilha. Já tínhamos tido um quid pro quo institucional.
A pessoa trabalhava numa empresa que me tinha deixado pendurado há espera de um orçamento aqui para a casa paroquial. Como demoravam, aparentemente e hipoteticamente, terei mandado uma música no Youtube. Qualquer coisa como “Abandonada” da Fáfá de Belém.
O orçamento nunca veio e o trabalho foi entregue a outra empresa, mas a curiosidade de quem recebeu a mensagem ficou. Sobretudo porque sabiam que era o padre!
O mundo tem destas coisas e lá descobriram que havia amigos em comum e montaram esta armadilha.
Vinte minutos depois já eramos quatro e como é hábito, havendo padre a conversa bate sempre no mesmo, até que alguém nota: “parecemos uma anedota: um padre, um muçulmano, um ateu e um católico não praticante entram num bar!”
O muçulmano é paquistanês, arranha mal o português e remete-se sobretudo ao silêncio e a observar. Mas o ateu, que alegadamente levou com a alegada SMS, tinha sede.
E não era de cerveja.
Partilho a história convosco por causa dessa sede.
Ateu do Deus que lhe impingiram à pancada. Um padrasto autoritário e violento, que obrigava a ir à Missa do Galo e à Páscoa, mas que batia na mãe e era mulherengo, mas que todos os dias beijava a imagem da Nossa Senhora “e ficava tudo bem!”.
Para ateu e para primeiro encontro abriu o coração depressa e sem medo.
Repetia sempre o mesmo: “passava a mão na Santa que lá tinha e ficava tudo bem!”
Vi um coração carregado de ódio, de dor, de mágoa, para com o padrasto, mas que acabou por ser canalizada para Deus.
Como não entender? Como não sentir toda aquela raiva acumulada como legítima? E porque não houve força para se defender e parar aquele homem, a fúria canalizou-se para o elo mais fácil: Deus.
Mas há curiosidade. Porque apesar do diz com a boca, os olhos gritam outra coisa. Senti que continua à espera de que Deus viesse salvar a criança que foi, que parasse tudo aquilo.
Impressionou-me que os sentimentos que intui fossem contrários ao discurso.
“Queria muito conhecer-te”. Quis parecer-me que fui o primeiro padre a quem teve oportunidade de falar assim abertamente e de pijama seguramente que foi!
Tenho pensado no encontro e na forma como aceitou o convite para vir jantar no próximo Alpha, o coração procura desesperadamente que lhe mostrem um rosto de Deus diferente.
Falta uma semana para começarmos o Advento. Já ouvimos os sininhos e já me apetecem azevias, e já não se pode ir ao shopping com tanta gente.
O Menino vem lá, vai nascer em breve. Rezo para que nasça naquele coração ferido.
Rezo que as nossas comunidades sintam a responsabilidade de serem a presença deste Menino na vida de quem O procura, como quem sacia uma sede que não entende e nem sabe que tem.
Sonho um Natal diferente, especial, frutuoso. Sonho uma comunidade que sabe ser o único catecismo, o único Evangelho que tantas pessoas terão oportunidade de ler, ou, com a graça de Deus, o primeiro!
Sonho uma comunidade que assume ser as mãos e o rosto misericordioso de Deus no século XXI.
Porque, meus amigos, o que não falta por aí é gente com sede de um Deus que nunca ouviu falar.
Pe. Patrício

