O bispo de Coimbra gozou comigo

Esta semana o Sr. D. Virgílio do Nascimento Antunes completou 40 anos de sacerdócio, ele e o Virgílio do Rossio, vosso conhecido como sendo o padre de Pataias.
Encontrei uma entrevista ao Correio de Coimbra que assinala a data, e que partilho na newsletter também.
É uma data que recordo com carinho todos os anos, por um lado porque me recorda sempre que já podia ter ido à ordenação deles, ao colo e dormir a missa toda certamente, mas podia!

Mas sobretudo porque quando eles fazem anos de ordenação eu recordo a minha entrada no seminário de Leiria (tivemos logo direito a bolo nesse dia, pelo que acho que é essa memória que perdura). Escusado será dizer que esta semana foi para mim uma longa viagem no passeio da memória.

Nos idos de 2004, o Sr. D. Virgílio, que também passou pela Marinha Grande vai também para 40 anos, era o padre Virgílio. Rapazinho novo, alto, atlético, olhos azuis-claros a puxar
à senhora mãe dele, que era também boa cachopa.

Recebeu-me em Março, estava um gelo aquele seminário, eu tremia de frio e de medo. O padre Sérgio é que me levou lá, feliz e contente, e eu só tremia.
Tremi mais quando me vi obrigado a olhar para cima. Na minha memória o padre Virgílio tem 2, 43 metros de altura. Recebeu-me sorridente e com voz de tenor (não lhe chega ser bonito e inteligente ainda canta bem e toca órgão e arranha a guitarra que faz “xinca-xinca” como ele dizia com ar de gozo!)
Apertou-me a mão com firmeza e calor, mas eu só tremia. Quase lhe vomitei nos sapatos quando ele diz: “Então agora o sérgio vai dormir a sesta para a sala dos jornais, e nós vamos ter aqui uma conversinha”.

Durante o ano em que foi reitor, foi para nós os cinco uma figura paterna, acolhedor, bem-disposto, sério, paciente (muita paciência), um óptimo professor, inteligeeeeeente.
Aceitava até os desafios para fazer braço de ferro que o Michael lhe fazia, ganhando-os de forma vergonhosamente fácil.
Durante largas semanas dizia que andávamos sempre por lá aos pinotes[1]. E nós inocentes, ignorantes do termo ríamos. Só no fim do ano me dei ao trabalho de procurar um dicionário.

Mais tarde num passeio pela serra de Aire, perante a minha exclamação: nunca por aqui passei, nem sei onde estou. A resposta foi rápida e cortante:
- “Tu és um bocadinho ignorante, não és? Então se o bispo te nomeia para aqui, como fazes? Chamas a GNR para te fazer escolta?”

Nunca impôs, nunca gritou. Nem com os funcionários do seminário. E acreditem em mim, pode ser duro, e se tiver de chamar a atenção, chama e não põe paninhos quentes, nem pede com licença. E por isso mesmo era muito querido pelos funcionários e por toda uma comunidade que se reunia em torno do seminário, quase como uma capelania da cidade.

Os meus pais que sofriam em silencio com a minha aventura por Leiria, tinha as suas dúvidas, reservas. E foi justamente o trato com o reitor que amenizou a situação e abriu espaço para ver a beleza do desafio em que me tinha aventurado.

Recordo de modo especial as últimas semanas, em que fui assaltado com um dilema: então e se Deus me chama a ser padre, porque me parecia que sim, e eu não sinta que isso seja bom para mim ou caminho de felicidade?
Era um domingo de manhã quando me enchi de coragem e bati à porta do escritório.
Paciente, acolhedor, ouviu tudo sem pestanejar. Disse-me com sorriso confiante e olhos a brilhar:

Não tenhas medo, tudo o que Deus te pedir, vai coincidir sempre com a tua maior felicidade.”

Até hoje sinto que foi a melhor pastoral juvenil e vocacional que vi. E foi completamente inconsciente, foi só ele, honesto e genuíno. Foi o testemunho e a forma como vivia connosco que se tornaram para mim veículos da graça e da voz de Deus.

Por estes dias de Outubro e Novembro recordamos sempre as intenções pela vocações e batemos sempre com a crise de vocações e a dificuldade de pastoral vocacional e eu penso sempre nele. Porque antes nunca tinha ouvido falar de pastoral vocacional. Os seminaristas tinham passado por Caxarias ainda comigo na catequese, mas não recordo nada concreto.
Talvez o segredo seja apenas este. Um coração dócil à vontade e ao chamamento de Deus e uma vida vivida com autenticidade e entusiasmo. Mesmo quando o dia não corre bem.
Talvez seja o exemplo que passamos para fora de nós que vai fazer a diferença e se torna instrumento de Deus. De uma forma simples, sem intervenção ou invenções nossa, porque completamente controlado por Deus.

E sim, ele gozou connosco e dizia que dávamos pinotes e outras que mais,  mas ainda hoje temos a certeza que se formos à Avenida do Brasil, em Coimbra e batermos à porta de surpresa, se arranja jantar para todos.

Aquando da ordenação episcopal, 03 de Julho de 2011, eu era Diácono e lá exerci o meu ministério próprio ajudando na ordenação. Sinto-me sempre uma espécie de padrinho/avô espiritual.

Partilho a foto que foi tirada naquilo que me parece ser outra vida, eu e o actual pároco de Cantanhede a lutar pela vida, para não deixar cair o Evangeliário que era bem pesado.

Pe. Patrício

[1] pinote(pi·no·te)
nome masculino
1. Salto de besta.
2. Coice.
3. Cabriola, pirueta, pulo.
"pinotes", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/pinotes.