Peregrinos do algoritmo juvenil

Em férias tenho gosto em ir à missa à paisana. Gosto de ir com os pais, como quando era miúdo, que o tempo já não sobra muito para estes momentos. Vamos a Fátima, eu não tenho de preparar homilia, nem levar túnica. Ainda estacionamos o carro no mesmo sítio há 30 anos.

Esta semana fomos à Basílica do Rosário às 07h30, porque é de manhã que se começa o dia e para grande surpresa encontrei uma igreja cheia.

Surpreendeu-me, no entanto, o número de comunidades religiosas presentes. Uma boa meia dúzia, todos com um grupo significativo, o que significa que não era uma ida individual, pareceu-me ser a “missa da comunidade”.

Cresci, e já depois de padre e de velho, a ouvir a expressão: “há muito padre em Fátima”. (Sobretudo como forma de reclamação quando não há missa nalguma capela, quando a solução óbvia seria ir buscar um a Fátima. A maior parte destas vozes nem sabe distinguir a Cova da Iria com Fátima, ou a Estrada da Beira com a beira da estrada).

O número de padres ali observados no Santuário (aqui equiparado a um espaço de observação de aves raras – curiosamente também chamado de santuário) é muito enganador. Sempre foi.
Os que vemos nas grandes celebrações são, como os leigos, peregrinos e por isso de passagem.
Outros passam algum tempo e por isso dão uma ajuda temporária, mas não permanecem.
Na cidade, e dado o grande número de casas religiosas, sim, “sempre houve muito”, que vivem nas suas comunidades e vivem o seu ministério de acordo com o seu carisma próprio.

Mas Domingo, ao olhar a quantidade de comunidades, e sim, reconheci várias e são residentes em Fátima, senti como que um arrepio. Uma voz dizia-me que vivemos tempos de mudança. E até onde houve sempre abundância começa a haver escassez. E sim, é uma leitura rápida, que terá outras implicações. Há muitas comunidades novas, algumas recentes em Portugal, com poucos meios, etc, falaremos disso outro dia.

A mudança é óbvia e está lá. É um sinal negativo? Não sei. Sei que desafia e desinstala.
Pode ser aproveitado pelos profetas da desgraça, pode ser um desafio positivo.

Numa semana em que as notícias do Jubileu dos Jovens nos enchem o coração e os números nos surpreendem dou por mim a pensar: “o que é que Vossemecê me quer dizer com isto?”
Não é de todo uma questão de falta de fé, ou o abandono.
Há curiosidade. Não são, no nosso caso 11.000 “apenas” turistas religiosos.
A JMJ 23 deixou-me com uma sensação de montanha que pariu um rato? Sim.
Porquê senhor padre?
Porque não lhe soubemos dar o enquadramento para tirar proveito, talvez. Porque foi uma coisa gira e fixe, mas que não deu o “alão” que gostávamos.

Há uns dias o colega de Constância dizia-me que em todos os países em que se fazem as Jornadas, tem acontecido um boom vocacional, em Portugal não se viu nada semelhante. Creio que não exsta um estudo que prove esta observação, vale o que vale, mas entendo o ponto de vista.

Talvez insistamos em dar respostas aos jovens a perguntas que eles não sentem como suas. E por sua vez, porque teremos dificuldade em responder às perguntas que eles colocam.

Que eles colocam na cabeça deles, porque não falam, não expressam, não articulam, e nem sempre entendem fazer sentido nas suas cabeças. E aguardam um algoritmo que os entenda, e que os ajude a entender o mundo e a perceber de onde lhe vem a fome e a comichão.

 A falta de padres e de vocações pode ser sinal deste desencontro.
Não é culpa de ninguém por assim dizer. É o mundo a acontecer muito depressa. Depressa demais para o nosso ritmo.
Por isso vejo com grande expectativa estas iniciativas, e de modo muito especial este evento do Jubileu e os nossos 8 Peregrinoturistas. E tenho grande esperança.

Ao mesmo tempo sinto uma grande pressão em sermos capazes de nos posicionar corretamente para os acolher, para ouvir, mas sobretudo para recebermos o mundo novo que se está mostrar e a caminhar apressadamente para substituir este em que vivemos.

Bem sei que estamos aqui há pouco. O Papa João Paulo II - que deve estar a rebentar de rir com esta movimentação juvenil e com as suas dimensões – falou em Nova Evangelização. E esmagadora maioria da igreja ainda procura perceber o que significa e como fazer. Passaram 40 anos.

Impõe-se voltar ao Evangelho. À origem. À missão. Ao exemplo de Jesus.

Hoje celebramos o S. Tiago Maior, filho do trovão! Cheio de boa vontade, até queria mandar vir fogo do céu.
A tradição coloca-o a fazer a viagem de Jerusalém até aos “fins da terra[1]” tal não era o desejo ardente de levar Jesus a todo o lado.  
Imaginam o que é uma viagem daquela no primeiro século?
Parar não é opção, ficar quieto menos ainda.
O tempo é de mudança, mas sobretudo de oportunidade.

Jesus chamou gente normal, com o coração na boca! Que demorou muito tempo a perceber o que era a missão.
A igreja mudou muito em 2000 anos. E agora muda ainda mais rápido, rezo para que saibamos acompanhar a mudança e que ela seja uma evolução em ordem à origem e não apenas uma adaptação às necessidades.
Este Jubileu da Esperança, esta geração, que são os próximos, enche o meu coração de inquietação, mas de expectativa.

Anseio o regresso deles, e dos outros, e do brilho de quem diz: “eis-nos aqui e trouxemos ideias e vontade!”

Pe. Patrício Oliveira

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[1] O cabo Finisterra é popularmente tido como o ponto mais ocidental da Espanha. Diz-se que antes da viagem de Colombo, em 1492, era considerada como o ponto extremo do mundo conhecido, algo muito estranho pois tal distinção devia ser antes atribuída ao cabo Touriñán, também na Galiza, e mais ainda ao cabo da Roca, já em território português, verdadeiramente o ponto mais ocidental da Europa continental, facto que é referido no Canto III de Os Lusíadas.