O Raúl Solnado* dizia que lá em casa, a família tinha uma cadeira que servia para quando eram despedidos, não tendo eu uma igual e porque também não fui despedido ainda, gosto de fazer o mesmo exercício de me sentar na cadeira de pensar a vida, a apanhar sol, a ouvir os passarinhos, habitualmente a uma distância de casa suficiente para passar por turista anónimo.
Por estes dias, precisando eu de pensar na vida, dei por mim num sítio novo. Rapidamente me arrependi. O espaço era agradável e pitoresco, o sol agradável e a esplanada pouco movimentada.
Eis que chegam duas senhoras que se tornam minha vizinhas, da frente, que mandam vir uma talhada de bolo brigadeiro. Percebi logo que eram missionárias do demo para me apoquentar.
Resisti, estoico e determinado.
O demónio não se deu por vencido e mandou 3 brasileiros que me atacaram pelas costas. Cheirou-lhes a brigadeiro e vai de pedir igual. Rezei ao Senhor a pedir força e uma má disposição para me impedir de me juntar à festa do brigadeiro que ali se instalara.
E ali estou a pensar na vida e no futuro e a pensar em como me saberia bem experimentar aquelas coisas, quando chega uma ambulância.
Temi que fosse para me evacuar dali para fora!
Era um transporte de doentes não urgente, traziam uma senhora em cadeira de rodas e o marido.
Homem já nos seus 80 anos, que se aproxima jovialmente das vizinhas da frente, claramente conhecidos dos tempos em que eram os três ainda jovens.
Mas rapidamente aquele jovem rumou para junto de mim, e eu só pensava: se me ofereces brigadeiro, eu aceito!
Abeirou-me com uma simpatia e um à-vontade que eu já estava convencido ter sido reconhecido.
“E este jovem venha aqui para ajudar a levar a minha senhora”.
Não foi um pedido, não foi uma pergunta. Informou-me que ia ajudar o motorista.
O sorriso era tão genuíno e cheio, que dei por mim de pé, a meter o telefone ao bolso e a deixar a mesa cheia de cadernos, livros e a mochila com o computador para trás e segui-o.
Fiquei surpreso e deslumbrado pelo à vontade, pela simplicidade e determinação com que me abordou. Plenamente confiante de que eu ia. E fui!
Convencido que seria ali os degraus da entrada do prédio.
Depois de um breve briefing com o maqueiro sobre o procedimento da manobra, perguntei:
- E vamos para onde?
- Segundo piso, respondeu-me o jovem, enquanto vira costas para iniciar a manobra.
A meio caminho perguntei como se chamava a princesa. Rosa e ele é Sr. Ferreira.
Não resisti e disse-lhe que iam ter uma história bonita para contar à família, quando lhes contarem que foram à boleia do padre da Marinha.
Fui recebido como se fosse da família. Vim com o coração cheio da genica dele, do entusiasmo com que cuida da esposa, ambos já com mais de 80, mas a pensar na dificuldade dos dias em que não está ninguém na esplanada, ou até no dia a dia normal.
Mas sobretudo com a determinação daquele homem.
A situação logística não é fácil, fácil era lamentar-se e queixar-se e deixar-se abater.
Fez o óbvio, fez o ato corajoso, pediu ajuda.
A este propósito, e daí todo o introito das minhas desventuras, ouvi um padre esta semana dizer: “os Santos amam dar uma mãozinha!”. Os amigos amam dar uma ajuda, cuidar, poder ser para o amigo.
Esta semana a Igreja declara e canoniza dois novos santos. Jovens, enérgicos, como o Sr. Ferreira, são mais duas vozes, mais dois pares de mãos a auxiliar a mão paterna e amorosa de Deus Pai.
“Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas ao vossos filhos, quanto mais o Pai que está nos Céus”
Pedir. Estender a mão. A humildade de quem se sabe curto para ser quem desejava, curto para ser santo, humilde para ouvir a Voz. Do Pai, da Mãe, do Filho, do Carlo, do Pier Giorgio, o Céu exulta estes dias de grande alegria, mas exulta infinitamente mais sempre que um pobre pecadorse arrepende e se converte.
O Sr. Ferreira encontrou, provavelmente o padre adequado para ajudar a carregar a esposa, e nós, certamente encontraremos a mesma ajuda.
Humilde, dóceis, com desejo de crescer, converter e ser nova criatura.
Pe. Patrício Oliveira
*Para quem não conhece a referência aqui fica: