Este fim-de-semana há profissão de Fé, miúdos do sétimo ano, ontem foi serão de reconciliação e de dois dedos de conversa com todos.
É um exercício muito interessante, mas depressa de tornou doloroso. É muito bonito vê-los a crescer, ver as caras de meninos a ganhar traços de adolescentes. E como me lembro de vários serem bebés a fazer barulho nos carrinhos de bebé na missa, torna tudo quase emotivo.
Conversa para aqui e para ali diz-me uma: “o senhor é padre há mais anos do que eu tenho de vida” ...
Caiu-me tudo, demorei um bocadinho a fazer as contas e a retomar o fôlego.
É terreno por trilhar para mim, nunca trabalhei tanto tempo no mesmo sítio, pelo que estes records se vão acumulado dolorosamente, o que explica facilmente o ruído que os meus joelhos fazem quando subo escadas.
Ainda assim, sinto sempre como um enorme privilégio ver estas mudanças e transformações. E apesar de não ser tudo perfeito, a nota geral é muito positiva. E as conversas surpreendem pela positiva, genuinamente.
Recordei a recente viagem a Londres. Durante toda a conferência houve uma enorme insistência na necessidade e na oportunidade de pegar nesta nova geração e de os incentivar, formar, capacitar e responsabilizar. Em inglês dizem: “raise a generation” seria levantar-criar uma geração.
Falam de uma realidade que não é ainda a nossa, mas que nos é familiar.
Há uma geração, a dos joelhos que rangem já, os que já precisam ou fizeram o exame à próstata, que foram “imunizados” ao Evangelho. A sua experiência de igreja não foi feliz, talvez tenham sido crismados para serem padrinhos, mas muitos já nem baptizaram os seus filhos. Há, pois, uma geração de adolescentes que não ouviu falar de Jesus.
Nós ainda vamos vendo muitos na catequese, mas é uma pequenina percentagem. Dizia-me uma mãe há uns dias que “lá na escola serão só três ou quatro”.
O curioso do fenómeno actual, do qual nos chegam ecos mesmo no contexto católico em França[1], é que estes adolescentes têm curiosidade acerca de Deus e estão muito receptivos e à procura de respostas.
Esta semana fui contactado por um jovem, que me lembro bem de ser criança de 2/3 anos, filho de uma professora do tempo que os joelhos não estalavam, é ateia convicta e orgulhosa. Ligou-me ele porque quer baptizar a filha. “A minha mãe educou-nos e dizia aquelas coisas... mas sei lá, cá dentro houve sempre uma curiosidade”.
E agora vejo estes miúdos crescerem, tornarem-se homens e mulheres que com sorte me vão pagar a reforma, e penso que podemos olhar para o futuro com esperança.
Uma esperança talvez como a do sorriso deles: genuínos, tímidos, mas com alegria, ingenuidade, curiosidade e, inevitavelmente, cheios de enorme potencial.
Que precisam de inventivo, de alguém que caminhe com eles, com respeito, com paciência, muuuuita paciência, mas que se acredite neles.
Ontem disse em voz alta que se calhar já estou à tempo de mais na Marinha Grande. Hoje, ao pensar em tudo isto, talvez esteja à tempo suficiente para ver neles o que nem eles sabem ter: potencial, capacidade de mudar o mundo.
Neste tempo pós-moderno, em que retomamos o pré-cristianismo, somos chamados a olhar esta geração com os olhos de Jesus. Ele que olhou para Mateus e viu mais que um cobradore de impostos e um traidor da sua própria gente, viu um poeta que escreveria a sua história; Ele que olhou Pedro e para lá do temperamento, viu um líder a quem confiou a Sua Igreja;
Ele que olha para cada um de nós e confia que seremos o seu Corpo, as suas mãos e pés, sinas do seu amor.
É com estes olhos que quero olhar para estes que agora fazem a sua profissão de Fé.
É o que eles precisam e estou certo que é o que Deus espera de nós.
O resto, Ele cuidará no seu próprio Kairós. (sim, Deus tem um tempo próprio, diferente do nosso.)
Em londres, havia uma jovem que trazia uma T-shirt que dizia: "é preciso uma aldeia para criar uma criança". Talvez seja o mesmo com os discípulos de Jesus, e seja preciso uma comunidade para erguer esta nova geração. Temos muito que fazer!
(*Imagens totalmente criadas por AI e apenas para ilustrar)
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[1] E logo França que já na década de 40 era vista como país de missão. La France Pays de Mission, de Daniel Godin