Em dia de Sagrado Coração de Jesus, as notícias de longe trazem as palavras do Papa Leão (que me parece arrancou com força, vigor e unção, dá gosto ver uma recepção quase de rock star à sua chegada), esta semana decorre o Jubileu do Clero, li com agrado muito do que nos foi chegado e dito pelo Papa, partilho convosco:
“Por ocasião do Jubileu dos Sacerdotes, o Papa Leão XIV se reuniu com milhares deles no Auditório Conciliação, o título do evento é “Sacerdotes Felizes” e foi a partir daí que o Pontífice fez sua reflexão, inspirado no capítulo 15 do Evangelho de João: “Eu vos chamo amigos”.
Para o Pontífice, essas palavras não são só uma declaração afetuosa aos discípulos, mas a chave de compreensão do ministério sacerdotal.
“O sacerdote é um amigo do Senhor, chamado a viver com Ele uma relação pessoal e de confiança, nutrida pela Palavra, pela celebração dos Sacramentos e pela oração cotidiana. Esta amizade com Cristo é o fundamento espiritual do ministério ordenado, o sentido do nosso celibato e a energia do serviço eclesial ao qual dedicamos a vida. Ela nos ampara nos momentos de provação.”
O Pontífice pediu então um novo ímpeto missionário. “Vê-se quando alguém crê: a felicidade do ministro reflete o seu encontro com Cristo.” E agradeceu aos sacerdotes pela dedicação quotidiana, principalmente nos locais de formação, nas periferias existenciais e nos locais difíceis, com uma menção especial a quem se doou a ponto de entregar a vida, derramando o próprio sangue.
“Obrigado por aquilo que são! Porque lembram a todos que é belo ser sacerdote, e que todo chamado do Senhor é, antes de tudo, um chamado à sua alegria. Não somos perfeitos, mas somos amigos de Cristo.”
E acrescentou:
“Muitas vezes, quando precisarem de ajuda, procurem um bom ‘acompanhante’, um diretor espiritual, um bom confessor. Ninguém aqui está só. E mesmo que esteja trabalhando na missão mais distante, você nunca está sozinho!”
É difícil concordar mais com ele.
Mas por outro lado, não queren doeu ser ave agoirenta, uma parte de mim fica incomodada com tudo isto. Guardo habitualmente estes pensamentos, porque ninguém é bom juiz em causa própria e tenho bem com que me entreter sem ouvir dizer que estou a lamentar-me e a fazer-me coitadinho. Mas, se ninguém nada, ninguém saberá e se ninguém souber o outro lado, as coisas nunca mudam. E quero muito partilhar convosco de forma positiva. E por isso peço a vossa paciência e caridade.
É pedido muito ao padre e a gente sabe e a coisa faz-se. Mas desgasta. E pesa. E estes dias e estas palavras bonitas pesam de modo particular nestes dias. Porque em Roma tudo é belo, a pizza, a pasta e as palavras sentidas e genuínas do Papa.
Mas e de volta a “casa”? Todos concordam também! Desde que o padre não falhe com nada do que é costume. Acho que não conheço um padre que consiga gozar os dias todos de férias. E atenção que sei que há quem tire mais, mas a esses tenho pouca vontade de os conhecer.
O nosso Leão lá nos recorda a importância da oração. Mas a ele não lhe aparece gente na sacristia a pedir para confessar 5 minutos antes da missa, nem lhe pedem para acrescentar intenções já alinhado com os acólitos no corredor central.
E todos sabem que é maçador e que já não são horas, mas foi um imprevisto, foi o estacionamento, foi só desta vez. E desde que a cara esteja sorridente o padre aguenta-se e deve fazer cara feliz, mesmo que a sua oração tenha sido interrompida e seu tempo roubado.
Faz parte? Faz.
Um homem aguenta? Aguenta.
É caminho de santidade? Sim.
Se calhar tenho de fazer de outra forma, não é?
Dir-me-ão: faz como Jesus, e vai de madrugada.
Sim, mas a reunião acabou às 23h30 na véspera. “E o padre deve descansar! E cuidar de si! Durma! Descanse pelo menos 7/8 horas por dia.”
O dia parece-me curto para tanta coisa que os padres deviam fazer.
Os padres andam cansados. Exaustos. E honestamente boa parte do cansaço vem justamente da incapacidade de ser fiel aos cuidados que o Papa tão bem recomenda. Empurramos com a barriga (a famosa barriga de padre) a vida pessoal, de oração, de descanso, para tentar chegar a todo o lado.
E ainda precisam encontrar um sorriso quando surgem as cobranças disfarçadas de humor, porque não passou na cozinha da festa; porque só liga à família entre reuniões; porque não respondeu ao SMS que foi enviado de madrugada; ou porque já não interaje no grupo do Whatsapp (são só perto de 100 grupos, e dezenas de sms diárias, há notificações que chegam a atingir 150 sms num dia).
E vou ser muito honesto: dói a cobrança. Porque todos entendem, mas esperam que faça o que um jeitinho. Às vezes falta um bocadinho de empatia e “empatizando com o padre” aceitar fazer de outra forma.
E os padres desfazem-se para dar o jeitinho, até que não conseguem e os sorrisos se apagam, porque são todos iguais e os melhores “vão sempre embora, não é sr. Padre Patrício? (sim, disseram-mo e eu sem saber que dizer sorri. Porque já dizia o doutor Branco a propósito das piadas: quem não entendeu riu, quem entendeu apenas sorriu).
Disse a semana passada que o Corpo de Deus é a sua igreja, somos nós!
Hoje, que celebramos o Sagrado Coração de Jesus e o seu Amor por nós, a igreja precisa de aprender a ser essa presença amorosa, também na vida dos padres.
E não é ser coitadinho e nem estar à espera de convites para jantar e palmadinhas nas costas.
Querem que um padre se sinta amado? Sem proactivos. Rezem por ele e digam-lho! Rezem por ele e com ele. Sejam criativos, tragam ideias, ajudem a pensar a paróquia, sonhem com ele a Visão da Paróquia. Esqueçam de uma vez por todas o “o senhor padre é que sabe, o que achar melhor é que se faz”. Os padres não chegam para tudo. As soluções precisam vir de todo o lado.
Há muito colegas à beira do burnout. No brasil os números são assustadores. A quantidade de padres que cometem suicídio é tremendo. Num ambiente que é tradicionalmente bem mais caloroso em torno do padre.
Querem cuidar do padre sejam Igreja. E não cobrem, ajudem a construir e a ser esta presença amorosa do Coração de Jesus no Mundo. Apontem soluções, desafiem a caminhos novos.
Diziam-me esta semana a propósito das olheiras: “lá diz o ditado: paróquia viva, padre morto”, será que não conseguimos fazer de outra maneira?
Uma comunidade viva transforma o mundo e alimenta o padre, podem ter a certeza
Ser padre tem sido a aventura de uma vida, e vai para lá de qualquer sonho ou imaginação.
Mas precisa ser bem feito. E precisa de ajuda.
Penso que o foco nem é tanto o cansaço, é o desgaste. Aqui na Marinha vocês entendem bem esta linguagem, as máquinas têm partes que são de desgaste rápido, precisam ser bem lubrificadas para que o desgaste não seja antecipado.
No padre será a oração, o cuidado próprio, a unção do Espírito recebido na ordenação e renovado na sua própria entrega, mas também a comunidade, o suporte de não estar sozinho na missão. A certeza que sendo chamado a uma missão tão especial, não está de facto sozinho tem uma multidão celeste e humana consigo.
Pe. Patrício Oliveira