Esta frase é o início da pergunta feita pelos discípulos de Jesus no momento que marca a sua separação visual deste mundo (denominada “Ascenção”), mas que se repete em todos os tempos, por todas as pessoas, por nós também. Os primeiros escutaram as suas palavras, viram os seus sinais e testemunharam-n’O ressuscitado, mas ainda assim continuavam com o mesmo quadro de referências, perspectivas e sonhos. Estavam como Pedro e o outro discípulo na manhã de Páscoa quando “ainda não tinham entendido a Escritura” (Jo 20, 9a).
A resposta que Jesus deu, também ela é surpreendente para quem a ouve: “Não vos compete saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou…” Revela novas perspectivas, abre realidades diferentes, rasga novos horizontes, tal como acontecera com o véu do templo que se rasgou ao meio no momento em que Ele morreu na cruz (cf. Lc 23, 45).
Isto ensina-nos a não querer ter o domínio dos acontecimentos, a não estabelecer planos para os desígnios de Deus, nem presentes nem futuros, mas coloca o essencial da nossa vida em primeiro plano.
Convida-nos a uma atitude de confiança na autoridade do Pai e a uma atitude de esperança na vinda do Espírito, o qual ensinará tudo e recordará tudo o que o Filho disse (cf. Jo 14, 26).
Encontramos aqui, então, a resposta para a pergunta que o título deste artigo nos evoca. Essa resposta requer de nós um esforço de mudança, não tanto de hábitos mas na forma de pensar, na forma de estar, na forma de agir, na forma de perceber a nossa relação com Deus e com os acontecimentos.
Primeiro, confiar na autoridade do Pai, na Sua Providência amorosa, discreta, como um tesouro que é dispensado prodigamente aos seus filhos, mesmo quando estes não se apercebem de que isso acontece. É Ele que, com o Seu infinito amor, derrama graças abundantes sobre os que O temem, entrava o caminho aos pecadores, suscita o arrependimento e a conversão, chama todos a uma atitude de reconhecimento filial. Como se não bastasse, não regateia esforços para encontrar as ovelhas perdidas e, aflito com o seu bem-estar, envia a Sua Palavra feita Carne para as procurar.
Descobrimos aqui a segunda condição para a nossa mudança fundamental: escutar o que diz o Bom Pastor, ouvir a Sua voz e segui-l’O. Ele, que é de condição divina, não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se a Si próprio tornando-Se semelhante aos homens. (cf. Fl 2, 6ss)
É essa segunda condição que nos leva a procurar conhecer a Sagrada Escritura, a saborear a Palavra de Deus, a ouvir e ler o que o Filho ensinou, os sinais que deram (e dão) vista a quem não via (e não vê), a ouvir o que os antigos profetas desejaram ouvir. Para isso, é fundamental um contacto íntimo e uma leitura assídua dos textos sagrados, principalmente dos quatro evangelistas. Com razão disse S. Jerónimo: “Desconhecer a Sagrada Escritura é desconhecer o próprio Cristo.” E, se alguém desconhece o próprio Cristo, como poderá ser Sua testemunha (cf. Act 1,8; Lc 24, 48) ou “ensinar a cumprir tudo quanto Ele mandou”? (Cf. Mt 28, 20a). Ou, como a Mãe recomenda, “fazei tudo quanto Ele vos disser”? (Cf. Jo 2, 5b)
Portanto, ler, meditar, saborear, rezar os textos sagrados não é simplesmente um exercício académico, intelectual ou religioso, mas um processo de “mergulhar” em Jesus, de “Conhecer” em intimidade profunda Jesus Cristo, Verbo incarnado, e com Ele tomar parte nas alegrias eternas, começando já, aqui e agora.
Indissociável desta atitude, que nos convoca a ler os textos com o mesmo espírito com que foram escritos, surge a terceira condição que nos leva a pedir a Deus que nos encha com o Seu Espírito para podermos entender com o contributo dos Seus dons o que é efectivamente a Verdade (“O que é a Verdade?” – Jo 18, 38b), uma busca que inquieta o coração de todo o Homem enquanto não repousa n’Ele (cf. Sto Agostinho em “Confissões” - 1)
Fundamental nesta terceira condição é a nossa oração, o hábito de O escutar no silêncio e nos acontecimentos, nas pessoas e nos gestos, o nosso pedido contínuo ao Pai do Céu que “dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem” (Lc 11, 13b) e que abre o nosso Entendimento, aumenta a nossa Piedade, Fortalece as nossas almas, enche-nos de Sabedoria, dá Conselho aos nossos corações, derrama sobre nós a Ciência e preenche-nos com o seu santo Temor.
Poderemos, então, sentir ressoar nos nossos corações a resposta de Jesus aos seus discípulos: “Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo.”
Assim se cumpra em nós a Sua vontade!
Fernando Brites